sábado, 24 de julho de 2004

Programa do XVI Governo Constitucional - JUSTIÇA

É conhecido já o Programa do XVI Governo Constitucional.

Inserida no Capítulo I - UM ESTADO COM AUTORIDADE, MODERNO E EFICAZ, encontra-se a parte relativa à JUSTIÇA:

4. JUSTIÇA
O Governo, numa linha de continuidade, desenvolvimento e aprofundamento do programa e da acção política do XV Governo Constitucional, valora como prioritária a política de justiça.
Neste contexto serão prosseguidas e aprofundadas as amplas reformas levadas a cabo pelo Executivo anterior, obedecendo a dois pilares estratégicos: um, de índole política, o outro, de natureza administrativa.
O primeiro pilar, assumidamente político, visa criar as condições para reforçar a legitimidade e a confiança em todos os patamares do sistema judicial, as quais, em virtude do crescimento exponencial da procura de tutela jurisdicional e dos mais variados factores sociológicos e até civilizacionais, se encontram fragilizadas. Neste domínio, e com integral respeito pela separação dos poderes, revestirá especial importância a acção política dirigida à concertação institucional entre todos os actores do poder judicial e do sistema de justiça.
O segundo pilar, com repercussões administrativas directas, assenta numa política que privilegiará a «celeridade» como desígnio programático. Celeridade processual, ao nível jurisdicional; celeridade procedimental, ao nível da actividade administrativa do sector da justiça. Uma parte substancial dos estrangulamentos do sistema judicial e até da sua «crise de legitimidade» resultam apenas da morosidade. Na verdade, muitos dos problemas assacados ao regime jurídico de certas matérias (processo penal, execução por dívidas, dinâmica de criação e extinção de empresas) não são mais do que sequelas da lentidão e morosidade da justiça. Todas as medidas que possam acelerar, agilizar e flexibilizar processos e procedimentos darão, pois, um contributo inestimável não só em sede de funcionamento e eficácia do sistema, mas outrossim no quadro da modernização da economia e até no plano mais fundo da legitimação da justiça portuguesa.
Os objectivos centrais do Governo são, pois, os de continuar a política de modernização da Justiça. Torná-la mais acessível aos cidadãos e mais adequada às necessidades das empresas, mais célere e ágil. Reforçar as interligações e ganhos de produtividade advindos da informatização em curso. Reformar os sectores mais obsoletos e menos adaptados às necessidades da vida moderna. Instituir normas de produtividade e de eficiência, de simplificação processual, de reforço das garantias dos cidadãos e da responsabilização do Estado pela administração da Justiça.
Assim:
- persistir-se-á na adopção de medidas de emergência destinadas a reduzir o número de pendências, avaliando e ponderando os resultados obtidos com a denominada “Bolsa de Juizes”. Na medida do possível, serão criados mais novos juízos ou secções extraordinárias e temporárias, em ordem a aliviar o serviço dos já existentes. O Governo mantém a disposição de alargar as possibilidades de recurso a assistentes judiciais;
- o Governo conservará uma enorme determinação na criação e reforço de todos os instrumentos alternativos de resolução de conflitos;
- o Governo ponderará também, em diálogo com os diferentes actores da justiça e em respeito pelas garantias constitucionais, a redução dos âmbitos de competência dos tribunais de recurso, no sentido de os reservar para os litígios de maior importância humana, económica e social. Ao que acrescerá também um programa de redefinição e requalificação do mapa judicial, visando adequar as circunscrições ao volume da chamada «procura judicial».
Para a prossecução destes objectivos, terá de se manter o enorme esforço de revisão do modelo de financiamento da justiça, tendo em conta as especificidades do sector.
Reforçar-se-á, pois, a capacidade do sistema judicial através da adopção e/ou execução das seguintes medidas:
- aumento e requalificação do parque judicial existente;
- reforço do recrutamento e da formação de novos magistrados, quer para acorrer às necessidades geradas pela criação de novos juízos ou secções, quer para preencher as vagas abertas pela instalação de novos tribunais (com especial ênfase na área da jurisdição administrativa e fiscal);
- aposta na instalação de assessorias técnicas e dos secretariados de apoio aos juízes;
- criação de mecanismos que libertem os juízes da prática de actos meramente burocráticos;
- reforço dos poderes procedimentais dos secretários judiciais;
- reforço da política de qualificação e formação contínua dos técnicos de justiça na área processual e das novas tecnologias e redefinição das exigências mínimas para preenchimento de lugares abertos nos quadros dos tribunais;
- desenvolvimento e a ultimação da informatização dos tribunais e a sua ligação em rede, entre si e aos restantes sistemas do sector da Justiça;
- continuação da reforma da acção executiva, desencadeada pelo Dec.-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, e por toda a legislação subsequente, submetendo-a a uma constante avaliação dos seus resultados;
- aumento dos meios de recurso a formas não jurisdicionais de composição de conflitos, incentivando a mediação, a conciliação e a arbitragem;
- implementação do projecto, já em fase adiantada de preparação, do alargamento das competências dos julgados da paz.
A qualificação do sistema de acesso à Justiça permanece um desígnio central do Governo, que aproveitará todo o esforço desenvolvido pelo anterior Executivo.
Assim, e no quadro da proposta de lei já aprovada, serão proporcionadas todas as condições que sejam necessárias ao funcionamento do Instituto de Acesso ao Direito.
Neste domínio, prosseguir-se-á o esforço de redução da complexidade do nosso quadro legislativo e, bem assim, de «democratização» do acesso à informação jurídica, designadamente através do aproveitamento da aposta no chamado «governo electrónico».
O Governo continua a considerar fundamental a modernização das áreas de administração da Justiça vocacionadas para as empresas. Haverá, pois, o maior empenho no acompanhamento do início de vigência do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas e da legislação complementar, promovendo-se as medidas regulamentares e executivas necessárias à sua boa aplicação.
Em sede de legislação económica, conservar-se-ão os trabalhos de preparação de revisão do Código das Sociedades Comerciais e do Código do Registo Comercial.
Preconiza-se ainda a consolidação e desenvolvimento da experiência dos tribunais de comércio, de molde a torná-los gradualmente no foro especializado para as questões de natureza económica.
No que se refere ao funcionamento do sistema de justiça, o Estado Português não se pode eximir da sua responsabilidade perante o seu defeituoso funcionamento, matéria que já deu origem a variadas condenações no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Renovará, por isso, as iniciativas legislativas que se mostrem adequadas a este efeito.
O Governo considera necessário fazer avançar a reforma do regime de responsabilidade civil do Estado por actos praticados pelos seus órgãos, serviços ou agentes, pelo que, com base na proposta existente e no amplo debate entretanto travado, promoverá as cabidas iniciativas legislativas.
Estando já em vigor a profunda reforma do contencioso administrativo e sendo possível fazer uma primeira avaliação do seu impacto, o Governo empenhar-se-á em dotar os respectivos tribunais dos meios humanos e logísticos indispensáveis ao seu cabal e regular funcionamento.
Noutro plano, o Governo concluirá a decisiva reforma da privatização do notariado, sempre ressalvando a garantia de acessibilidade universal a esse serviço público.
É convicção do Governo que existem já sinais – e rapidamente se intensificarão – de que é este o modelo que melhor concretiza as exigências de celeridade, eficiência e modernização, sem prejuízo da indispensável fé pública dos actos notariais.
Será prosseguida a informatização das conservatórias e criadas novas conservatórias nos locais onde o atraso do serviço e o crescimento do mesmo revele a necessidade de reforço dos meios existentes, com especial atenção à criação, sempre que tal se justifique, de novas conservatórias de registo comercial.
Seguirão o curso já iniciado o processo de informatização do sector de registos em conexão com os cartórios notariais e com os tribunais e promover-se-á também o processo de microfilmagem dos registos ainda existentes em livros.
Prosseguir-se-á o esforço de desenvolvimento e qualificação das experiências iniciadas com as lojas do cidadão e com os centros de formalidades de empresa, tendo em vista a desburocratização e a simplificação do relacionamento entre a Administração, o cidadão e as empresas.
No domínio da política criminal, o entendimento do Governo conserva intocados os critérios do Governo anterior: aos órgãos de soberania – Assembleia da República e Governo – compete, no quadro dos seus poderes, a definição da política criminal; ao Ministério Público cabe, no respeito pela sua autonomia, participar na sua execução.
São estes os princípios que balizarão a acção do Governo neste domínio, devendo cada qual – órgãos de soberania e Ministério Público – agir em conformidade, assumindo, na plenitude, os seus poderes e responsabilidades constitucionais.
Na sequência das muitas acções já empreendidas, o Governo privilegiará a vocação humanista da sua política, tutelando os interesses das vítimas de crimes, a eficácia do combate ao crime, a salvaguarda dos direitos dos arguidos, a humanização do sistema prisional e a eficiência do sistema de reinserção social.
O apoio às vítimas de crimes, já muito presente na política governamental anterior, será reforçado, privilegiando uma articulação estreita com as instituições de solidariedade social. Será dada especial atenção à revisão do sistema de indemnização das vítimas de crimes, em curso no plano europeu.
A prioridade assinalada ao sistema prisional será mantida. Levar-se-á a cabo uma programação calendarizada da construção de novas prisões, projectadas em moldes que tenham em atenção os fins a que se destinam e a humanização da vida dos reclusos. Serão, igualmente, reforçados os meios dos centros penitenciários de alta segurança.
A questão das medidas preventivas merecerá especial cuidado do Governo, devendo ser postos em prática os mecanismos que permitam a separação da população prisional de diferente perigosidade, com especial preocupação para os reclusos mais jovens que, excepcionalmente, devam ser objecto de medidas preventivas de privação de liberdade.
Ainda no domínio da delinquência juvenil o Governo considera que é necessária a revisão do actual quadro normativo aplicável, à luz das novas realidades emergentes das diversas formas de criminalidade.
O Governo dará, portanto, sequência às medidas seguintes:
- aprofundamento da introdução das medidas preventivas alternativas à privação provisória de liberdade, seja pela continuação do programa de vigilância electrónica, seja pela promoção das necessárias alterações no domínio penal e processual penal;
- desenvolvimento do regime prisional hospitalar, o qual deverá ser estruturado de acordo com as conclusões das comissões interministeriais criadas para o efeito (com especial ênfase na situação dos reclusos toxicodependentes);
- conclusão do programa de articulação integrada e adequada do Instituto de Reinserção Social com os tribunais;
- revisão da lei de execução de penas e da lei orgânica dos correspondentes tribunais, aproveitando o estado adiantado da actividade dos dois Grupos de Trabalho;
- alteração do regime do segredo de justiça, no sentido da restrição do seu âmbito, de acordo com as alterações a prover nos ordenamentos penal e processual penal;
- despenalização da área das transgressões, que deverão passar a contra-ordenações, de acordo com os estudos ainda em curso.
Finalmente, na vertente externa, o Governo dará uma particular atenção ao reforço da cooperação judicial no quadro do espaço europeu de liberdade, segurança e justiça (3º pilar da União Europeia) e à cooperação com os Estados membros da CPLP.