sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO Nº 104 (a editar em Janeiro de 2006)

PRÁTICA JUDICIARIA

Mediacão Penal em Portugal: Breve nota sobre o Projecto de Mediação Penal desenvolvido pela Procuradoria-Geral Distrital do Porto - Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto e a Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
Diogo Pinto da Costa (Escola de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade do Porto).


CRÍTICA DE JURISPRUDÊNCIA

INTIMAÇÃO PARA A PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra no Caso do navio "Borndiep".
Comentário de Wladimir Brito (Escola de Direito da Universidade do Minho).


JUSTIÇA & HISTÓRIA

JUSTIÇA COLONIAL PORTUGUESA: ABERTURA DE UM CAPÍTULO.
Apresentação e coordenação de Luís Eloy Azevedo.


DOCUMENTAÇÃO

JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL SOBRE O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (1983 a Dezembro de 2005)
Compilação e organização de António Rocha Marques.

ESTUDOS & REFLEXÕES - ver aqui.

terça-feira, 20 de dezembro de 2005

Um blog de direito administrativo

Droit administratif - L' actualité du droit vue par un publiciste.

Sexo y mercado

Por Ignacio Ramonet, em La Voz de Galicia de 29-9-2005:

EL PASADO 19 de septiembre estuve participando, en el Centro Cultural Conde Duque de Madrid, en una jornada de trabajo sobre Tráfico internacional de mujeres con fines de explotación sexual, organizada por la Comisión para la Investigación de Malos Tratos a Mujeres (www.malostratos.org) y por la Plataforma de Organizaciones de Mujeres para la Abolición de la Prostitución (www.aboliciondelaprostitucion.org). Se hizo sobre todo hincapié en cuatro temas: la industria del sexo, el tratamiento de la violencia de género, la figura del prostituidor y el tratamiento mediático de la prostitución.
España, sin duda porque se ha impuesto el prejuicio machista sobre estos temas, es el país de la Unión Europea donde la industria del sexo conoce la mayor expansión. Y donde no encuentra casi ningún tipo de traba. Ni siquiera se ve el problema, que se analiza a menudo como una pura cuestión de libertad individual, de uso libre del cuerpo y de decisión personal sobre el deseo y el placer.
Es obvio que la cuestión de la prostitución suscita reflexiones controvertidas desde hace decenios, y no es de las que se pueden resolver sin debate social, de manera autoritaria, con un simple decreto del Gobierno. Pero la ceguera que existe, sobre todo en el ámbito masculino y hasta entre algunos intelectuales considerados como progresistas, aturde y espanta. Porque resulta evidente que muchos no quieren enterarse.
Debe influir en esto la atmósfera ultraliberal en la que vivimos, donde se afirma que el mercado lo domina todo, lo mercantiliza todo y que, en definitiva, una mujer -puesto que existe oferta de relación sexual y demanda- puede convertirse en una mercancía. Algunos se niegan a ver la diferencia entre la venta de la fuerza de trabajo en una sociedad capitalista y la venta del cuerpo como receptáculo de la personalidad y de la identidad.
El negocio del sexo mueve en España unos cuarenta millones de euros diarios, o sea 14.500 millones de euros al año... Es decir, el equivalente a lo que costarían 65 aviones gigantes Airbus A380... Y mucho más de lo que gastará la Unión Europea en los próximos cinco años en investigación científica y desarrollo tecnológico, que son las claves del futuro europeo, y que generan más de la mitad del crecimiento económico de Europa.
Como otras formas de violencia contra la mujer cometidas por el hombre, la prostitución es un fenómeno específico de género. La abrumadora mayoría de las víctimas son mujeres y niñas, mientras los que perpetran tales hechos son sobre todo hombres. La prostitución y el tráfico de mujeres suponen la existencia de una demanda de mujeres y menores, en particular niñas. Si los hombres no considerasen como un derecho evidente la compra y explotación sexual de mujeres y menores, la prostitución y el trafico no existirían.
Estudios internacionales demuestran que entre el 65% y el 90% de las mujeres prostituidas fueron víctimas de abusos sexuales cuando eran niñas por parte de familiares o conocidos de sexo masculino. El tráfico internacional de mujeres y menores es un problema que aumenta cada vez más en todo el mundo. El profesor Carlos Paris reveló en su ponencia que el 90% de las mujeres que se prostituyen en España son extranjeras, y en su mayoría han sido introducidas por redes de proxenetismo.
La abogada canadiense Gunilla Ekberg, asesora especial del Gobierno sueco, recordó cómo Suecia se ha convertido en pionera mundial del combate contra el tráfico de seres humanos con fines sexuales. En ese país escandinavo, la legislación permite condenar a todo hombre que compra sexo, el prostituidor , a seis meses de cárcel... Gracias a esa medida, la prostitución ha sido, en la práctica, erradicada. Un nuevo modelo sueco que toda la Unión Europea debería adoptar.

domingo, 18 de dezembro de 2005

FOI HÁ DOIS ANOS

Realizou-se nos dias 18 e 19 de Dezembro de 2003, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, o Congresso da Justiça, cujos Relatórios Temáticos nunca foram publicados.
Uma realização que mobilizou as organizações sindicais e profissionais do sector da justiça durante mais de dois anos e se esvaiu nestes dois dias do encontro final.
Um fracasso, que foi mais um capítulo da justiça em Portugal.
Um fracasso, que foi mais um capítulo da justiça em Portugal.
Fica aqui, para assinalar a efeméride, o relatório sobre o tema A FORMAÇÃO DAS CARREIRAS JURÍDICAS, que elaborei.

sábado, 17 de dezembro de 2005

Casa da Suplicação LIII

Conflito negativo de competência — contra-ordenação — competência para conhecer o recurso da decisão da Administração — envio pelo correio — tribunal que primeiro teve contacto com o caso
1 - É competente para conhecer do recurso da decisão da administração o tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infracção e, se a infracção não se tiver chegado a consumar-se é competente o tribunal em cuja área se tiver praticado o último acto de execução ou, em caso de punibilidade dos actos preparatórios, o último acto de preparação (art. 61.º do RGCO)
2 - Considerando-se o facto praticado no lugar em que, total e parcialmente e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, bem como naquele em que o resultado típico se tenha produzido.
3 - Se a contra-ordenação consiste na omissão do envio, antecedido de autoliquidação e que pode ter lugar pelo correio, para a sede de um serviço de uma determinada importância, não se sabe de onde poderia ter sido a mesma enviada, pelo que se não sabe onde se consumou.
4 - Daí que deva ser deferida a competência ao tribunal que primeiro tomou conhecimento da infracção.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 3623/05-5, Relator Cons. Simas Santos

Decisão de Juiz singular — admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
1 – Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de decisão proferida por tribunal de primeira instância interpõe-se para a relação.
2 - Só há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos finais do tribunal colectivo que visem exclusivamente o reexame de matéria de direito ou do tribunal do júri, pelo que não cabe recurso para aquele Tribunal de sentença (singular) proferida por juiz de 1.ª instância.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 3604/05-5, Rel. Cons. Simas Santos

Decisão do tribunal singular — pena até 5 anos de prisão — admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça — rejeição do recurso
1 - Estando em causa no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a responsabilidade do recorrente, apreciada em recurso pela relação, pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário do art. 347.º do C. Penal, cuja moldura penal abstracta vai até 5 anos de prisão, não é admissível recurso, nos termos do art. 400.º, n.º 1, e), do CPP.
2 - De todo o modo, tratando-se de decisão proferida em 1.ª instância por juiz singular, a sua irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça já resultaria, nomeadamente, do disposto no art. 432.º do CPP, que, no que respeita às decisões de 1.ª instância, só tem como recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça, as decisões colegiais
Ac. do STJ de 15.12.2005, proc. n.º 3458/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Recurso para a Relação — impugnação da matéria de facto — nulidade — omissão de pronúncia
Se foi documentada a prova produzida e o recorrente impugnou a matéria de facto dada como provada, obedecendo às especificações dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, não pode a Relação deixar de tomar posição sobre essa impugnação, limitando-se a conhecer da violação de proibição de prova deduzida, sob pena de incorrer na nulidade de omissão de pronúncia.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 3207/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Homicídio qualificado — motivo fútil — meio particularmente perigoso
1 – O n.º 1 do art. 132.º do C. Penal contem uma cláusula geral, segundo a qual que o homicídio é qualificado, ou agravado, sempre que a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade; e sendo essa a matriz da agravação, sem especial censurabilidade ou perversidade não ocorre a agravação.
2 – Ao lado desse critério aferidor da qualificação assente na culpa e que recorta efectivamente o tipo incriminador, o legislador produz uma enumeração aberta, meramente exemplificativa pois, de indicadores ou sintomas de especial censurabilidade ou perversidade, de funcionamento não automático, como o inculca a expressão usada na lei “é susceptível”; Indicadores não esgotam a inventariação e relevância de outros índices de especial censurabilidade ou perversidade que a vida real apresente, como resulta da expressão usada pelo legislador: “entre outras” no segmento final do corpo do n.º 2.
3 – Nem sempre que está presente algum dos indicadores das diversas alíneas do n.º 2 se verifica o crime qualificado, bastando para tanto que, no caso concreto, que esse indicador não consubstancie a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o n.º 1; mas que na presença deste último elemento, está-se perante um crime de homicídio qualificado mesmo que se não se verifique qualquer daqueles indicadores.
4 – Independentemente de se verificar alguma das circunstâncias do n.º 2 do art. 132.º do C. Penal, revela especial censurabilidade ou perversidade a conduta em que ocorre:
– a futilidade do motivo que presidiu ao comportamento do arguido (o exercício legítimo por parte da vítima do seu direito de queixa face a uma agressão física do seu sobrinho com a bengala para cegos que usava);
– a traição e deslealdade com que desferiu o ataque (disparando totalmente de surpresa, sem qualquer aviso, com uma pistola contra a vítima que se encontra indefesa e vulnerável sentada num automóvel que acabava de ser travado ao tiro pelo arguido);
– o tipo da arma usada e a forma como o foi (a arma de fogo resultante de transformação usada de forma a não deixar qualquer hipótese à vítima e a não fazer qualquer risco ao arguido, num autêntico “fuzilamento”);
– a frieza com que a conduta foi desencadeada e a reiteração, apesar da a atitude de medo da condutora do veículo e de impotência da vítima;
5 – Se o arguido agiu exaltado e muito irritado pelo facto de o tio se haver queixado legitimamente às autoridades por ofensas à integridade física, com a bengala de cego, e se ter dado inicio ao inquérito e reagiu com uma perseguição implacável de automóvel, disparando tiros em andamento até conseguir imobilizar a viatura que perseguia e então verdadeiramente “fuzilar” o tio, diabético e com graves deficiências visuais, que estava indefeso no interior do automóvel, com dois tiros, agiu com motivo fútil, o motivo perante o qual não se compreende a prática do crime, que resulta inadequado à luz dos critérios normais do homem médio.
6 – À falta de definição legal do que seja meio particularmente perigoso, deve entender-se por tal aquele que simultaneamente revele uma perigosidade muito superior à que normalmente anda associada aos meios comuns usados para matar e seja revelador de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente. Não pode, pois considerar-se especialmente perigosa a arma usada pelo arguido.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 2978/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Rejeição do recurso em matéria de facto — convite para correcção das conclusões — texto da motivação — nulidade do acórdão — omissão de pronúncia — tráfico de menor gravidade — medida da pena — confissão — controlo em recurso de revista
1 – São inconstitucionais, por violação dos direitos a um processo equitativo e do próprio direito ao recurso, as normas dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP na interpretação segundo a qual o incumprimento dos ónus aí fixados, conduz à rejeição do recurso, sem a possibilidade de aperfeiçoamento, pelo que a Relação não pode sem mais rejeitar o recurso em matéria de facto, nem deixar de o conhecer, por ter por imodificável a matéria de facto, nos termos do art. 431.º do CPP (cfr. Ac. n.º 320/2002 do T. Constitucional, DR-IA, 07.10.2002)
2 - Em tal caso a Relação deve tomar posição sobre a suficiência ou insuficiência das conclusões das motivações, sobre a posição assumida pelos recorrentes face à notificação ordenada ao abrigo do n.º 2 do art. 417.º do CPP e ordenar, se for caso disso, a notificação dos recorrentes para corrigirem/completarem as conclusões das motivações de recurso, conhecendo, depois, desses recursos, sendo insanável a deficiência resultante da omissão na motivação dessas especificações, pois o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação.
3 – O recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros. Só essas provas e as que o recorrido e o Tribunal entendam que as contrariam é que são transcritas.
4 – Se o recorrente impugna somente a credibilidade da testemunha deve indicar os elementos objectivos que imponham um diverso juízo sobre a credibilidade dos depoimentos, pois ela, quando estribadas elementos subjectivos e não objectivos é um sector especialmente dependente da imediação do Tribunal, dado que só o contacto directo com os depoentes situados na audiência de julgamento, perante os outros intervenientes é que permite formar uma convicção que não pode ser reproduzidas na documentação da prova e logo reexaminada em recurso.
5 - Como é jurisprudência pacífica e constante, para conhecer de recurso interposto de um acórdão final do tribunal colectivo relativo a matéria de facto, mesmo que se invoque qualquer dos vícios previstos no art. 410.º do CPP, é competente o tribunal de Relação.
6 – Não se verifica omissão de pronúncia quando o Tribunal conhece da questão que lhe é colocada, mesmo que não aprecie todos os argumentos invocados pela parte em apoio da sua pretensão. A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.
7 – O privilegiamento do crime – tráfico de menor gravidade – dá-se, não em função da considerável diminuição da culpa, mas em homenagem à considerável diminuição da ilicitude da conduta, que se pode espelhar, designadamente:
– Nos meios utilizados;
– Na modalidade ou nas circunstâncias da acção;
– Na qualidade ou na quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
8 – Não se verifica uma considerável diminuição da ilicitude da conduta em apreciação que justifique a desgraduação da qualificação jurídica, se:
– se tratar de tráfico de duas drogas duras (heroína e cocaína) e que se prolongou por um período significativo de tempo, envolvendo necessariamente quantidades de algum valor;
– se os arguidos utilizaram e serviram prolongadamente de intermediários, numa actividade complexa, bem longe do simples tráfico de rua, visando somente o consumidor final.
9 – Confissão integral e sem reservas é aceitar que se praticou os (todos) factos imputados e os crimes correspondentes.
10 – Não merece censura a aplicação da pena acessória de expulsão ao um estrangeiro, cujos filhos habitam no país natal, estava indocumentado faz 4 anos e, encontrando-se desempregado há vários meses, dedicava-se a traficar estupefacientes, num tráfico já de revenda.
11 – É susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. A questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 2951/05-5, Rel. Cons. Simas Santos

Recurso para fixação de jurisprudência — oposição de julgados — parâmetros da indemnização cível
1 – O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, como é jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, exige a verificação de oposição relevante de acórdãos que impõe que:
– As asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para mesma questão fundamental de direito;
– Que as decisões em oposição sejam expressas;
– Que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticas. A expressão "soluções opostas", pressupõe que nos dois acórdãos é idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos fundamentos.
2 – Se nas decisões em confronto se consideraram idênticos factores (idade do lesado, tempo esperado de vida activa, percentagem da incapacidade permanente e vencimento ou rendimento) no cálculo da indemnização a fixar pela perda de ganhos futuros, sendo igualmente de 25% o grau de incapacidade permanente parcial, mas é diferente a situação de acto de cada caso, não se pode afirmar a existência de oposição de acórdãos para os efeitos do n.º 1 do art. 437.º do CPP.
3 – Não se pode configurar a fixação de jurisprudência quando a divergência se situa no domínio aplicativo, da subsunção dos factos ao direito, onde as diferenças factuais levam a diferentes (quantitativamente) soluções, sem que se verifiquem diversas interpretações da lei.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 1830/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Desvio de subsídio — medida da pena
1 – Se o arguido dá parcialmente destino ao subsídio concedido diverso daquele para que fora concedido, sabendo que era proibido comete um crime de desvio de subsídio do art. 37.°, n.°s 1 e 3do DL n.° 28/84, de 20 de Janeiro, mesmo que tenha aplicado tal subsídio numa sociedade de que era sócia.
2 – A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura, no quadro da qual deve ser encontrada a pena concreta.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 3258/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO Nº 104 (a editar em Janeiro de 2006)

Secção ESTUDOS & REFLEXÕES

A REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO (1980-2004)
Alberto Esteves Remédio (Membro do Conselho de Redacção da RMP até Dezembro de 2004; Procurador-Geral Adjunto)

O ADVOGADO E A LEI TUTELAR EDUCATIVA
Álvaro Laborinho Lúcio (Juiz Conselheiro, jubilado)

CONFIANÇA JUDICIAL COM VISTA À ADOPÇÃO
Paulo Guerra (Juiz de Direito)

INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
Clara Amado Gomes (Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa)

O DIREITO FUNDAMENTAL À PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
(Revisitado – a propósito do novo Código de Processo Penal de Cabo Verde)
Rui Patrício (Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lidsboa e Advogado)

ESCUTAS TELEFÓNICAS: SEIS TESES E UMA CONCLUSÃO
José Mouraz Lopes (Juiz de Direito)

CONSIDERAÇÕES A PROPÓSITO DAS CLÁUSULAS DE MOBILIDADE GEOGRÁFICA
Albino Mendes Baptista (Assistente Universitário)

domingo, 11 de dezembro de 2005

Perícias médicas e a pedofilia

O caso de pedofilia de Outreau é um caso cheio de interrogações e ensinamentos. Como foi possível que, praticamente, algumas crianças e uma mãe, pedófila e incestuosa, conseguissem criar e alimentar um processo que manteve na prisão 14 cidadãos (...), alguns deles durante anos?
Como foi possível que seis [deles] fossem condenados em primeira instância e um (...) tenha "morrido" de uma overdose de medicamentos na prisão? (...) Mas se a actuação do juiz de instrução é alvo de muitas críticas, a verdade é que a condenação (...) não foi só obra do juiz de instrução mas, sobretudo, de um tribunal de primeira instância, um tribunal colectivo em que participaram juízes e jurados. (...) Um dos factores que determinou a convicção do tribunal de primeira instância foram os relatórios dos peritos, nomeadamente os psicólogos, apesar de, no julgamento, os mesmos terem sido postos em causa de forma contundente. (...)
Na audiência de julgamento do recurso, em Paris, Jean-Luc Viaux, "apertado" pelos advogados de defesa e pelo tribunal, recuou. Agora que já se sabia que as crianças tinham mentido e se tinham retractado (...), o psicólogo recuou de forma desatrosa, primeiro culpabilizando uma sua colaboradora/co-autora e, depois, chegando ao ponto de afirmar, para justificar a má qualidade das peritagens por si efectuadas, que "quando se paga aos peritos como a uma mulher-a-dias obtêm-se peritagens de mulher-a-dias". (...) O psiquiatra Paul Bensoussan, apresentado pela defesa, chamou, pelo seu lado, a atenção para o risco de, ao pretender-se evitar a todo o custo o sofrimento da criança, se estar a pôr em causa os direitos elementares da defesa. Concretamente, censurou a recusa sistemática pelo tribunal da confrontação directa das crianças com os alegados agressores ao longo do processo, acrescentando: "É tão evangélico quanto devastador. Um processo judicial é perturbante. Mas o que é ainda mais perturbante é fazer crescer uma criança no estatuto de vítima, quando não o foi. Para os arguidos, isso pode contar-se em anos de prisão. Para a criança, é uma pena perpétua".
Francisco Teixeira da Mota
Público 11DEZ05

Autismo?

Urge reflectir...
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«Numa manifestação de um impressionante autismo, os magistrados não percebem que só podem ser maltratados impunemente pelo poder político devido ao seu descrédito junto da opinião pública. Não percebem que a sua greve (...) só serviu para os fazer descer ainda mais na estima pública e reforçar a margem de manobra do Governo. (...) A mentalidade dominante entre os magistrados portugueses (...) chega para tirar o sono a qualquer cidadão responsável. Quem (...) achar que tudo se pode resolver com mudanças do Código Penal ou com mais uma reforma do Código do Processo Civil, é, pelo menos, tolo»
.
Saldanha Sanches, Expresso/Economia, 10Dez05

Como tem sido patente, os magistrados sentem a forma como muitas das iniciativas recentes que respeitam aos tribunais e ao seu estatuto foram geridas como destinada a descredibilizá-os e aos tribunais perante a opinião pública.
E se dúvidas se podem colocar quanto à existência de tal intenção, já dúvidas não restam a um observador minimanente interessado de que essa descredibilização tem vindo a ser atingida: de que um pouco por todo o lado, a menção aos tribunais ou aos juízes gera de imediato comentários desagradáveis, quando não jocosos.
As tentativas que tem sido ensaiadas pelos magistrados, pelas associações sindicais, pelos Conselhos, para inverter esse caminho, tem deparado maioritariamente com a indiferença dos media e de grande parte dos que aí comentam a actualidade, que tudo reduzem a tiques corporativos e tudo e todos tratam igualmente, como se os (todos) magistrados consituissem um grupo de malfeitores, mostrando-se inoperantes.
O que só significa, no entanto, que se não devem deixar cair os braços e que se deve ensaiar uma nova abordagem que passe pela reflexão urgente sobre o (não dito, nem escrito do) nosso comportamento que possa ser o caldo de cultura que permitiu a adesão ou a aceitação da nossa descredibilização.
Como sobre a nossa formação e postura profissional (existirá a arrogância que alguns nos atribuem, prestaremos suficiente atenção aos cidadãos que passam pelo sistema de justiça?).
Como ainda sobre os estrangulamentos com que nos deparamos e que, se bem que atribuiveis à legislação existente, nós estamos em condições de identificar em ordem a propor soluções oerativas.
Reflexão que depende de todos nós, mas não dispensa a intervenção sindical e dos Conselhos.

Horrores y errores

“Si la historia de las penas,

es una historia de horrores,

la historia de los procesos,

es una historia de errores”.


Luigi Ferrajoli

sexta-feira, 9 de dezembro de 2005

A LEI-QUADRO DA POLÍTICA CRIMINAL

1. “Em face do actual texto constitucional sobre as funções do Ministério Público, entendo que se mostra necessário reforçar a ligação entre o Ministério Público e a Assembleia da República (responsável, em última instância, pela definição da política criminal), e que seria desejável, face à impossibilidade prática de conceder igual prioridade a todas as investigações, que esta definisse, de forma geral, quais as prioridades da investigação criminal, dotando o Ministério Público de legislação e dos meios necessários à fiscalização e inspecção do seu cumprimento pelas polícias”. Tinha-o escrito em Setembro de 2004, por entender que a situação actual se caracteriza pela existência de prioridades estabelecidas por critérios diversos, não legitimados democraticamente. Por isso, saudei o ponto do Programa do Governo para a Justiça que apontava para a definição, de forma geral e abstracta, pela Assembleia da República, das prioridades da política de investigação criminal.

2. A definição das prioridades de investigação e procedimento criminais terá de respeitar a valoração dos bens jurídicos efectuada pelo legislador constitucional, o princípio da legalidade, a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público.

3. A definição de prioridades da investigação e do procedimento criminais introduz um princípio de responsabilidade política: da Assembleia da República, na definição dos fenómenos criminais a que deve ser dada atenção prioritária; do Governo, enquanto condutor da “política geral do país” e responsável pela criação das condições necessárias à efectiva aplicação da política criminal; e do Ministério Público, enquanto magistratura a quem compete dirigir a investigação criminal e exercer a acção penal.

4. O projecto de Lei-Quadro da Política Criminal agora em discussão contém alterações positivas face ao projecto inicial, como sejam a clarificação dos poderes funcionais e de direcção do Ministério Público e a eliminação de um enigmático artigo que previa eventuais alterações futuras, não especificadas, ao Estatuto do Ministério Públicos e às leis orgânicas dos serviços e forças de segurança.

5. Contudo, é absolutamente essencial que ao Ministério Público seja garantido o poder de fiscalizar e tomar as medidas necessárias ao efectivo cumprimento das prioridades de política criminal por parte das polícias, nomeadamente na afectação e gestão dos seus recursos, desde logo porque é o Procurador-Geral da República quem tem o dever de, sobre tal matéria, prestar contas perante o parlamento. Assim como não pode a Lei-Quadro da Política Criminal ser omissa quanto à avaliação e previsão dos meios humanos, técnicos, de formação e financeiros disponíveis e necessários ao efectivo cumprimento das prioridades de política criminal.

6. Para que a definição de prioridades na investigação e procedimento criminais seja compatível com o respeito pelo princípio da legalidade, é necessário: investir na modernização e organização eficaz dos serviços e dos procedimentos, e na formação; que seja feita uma previsão adequada dos meios técnico e humanos que viabilizem a execução da política criminal aprovada; que se apliquem e se aprofundem as soluções de diversão do conflito jurídico-penal e as formas de processo mais expeditas; que, de uma vez por todas, se acrescente a mediação ao instrumentário da justiça penal.

7. A definição das prioridades de investigação criminal – feita à luz dos valores constitucionais, da realidade criminal, da situação social e política do país e dos compromissos internacionais – deve ser objecto de um amplo debate público e de um alargado consenso na Assembleia da República.

Síntese da comunicação que apresentarei hoje na Conferência Nacional organizada pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

terça-feira, 6 de dezembro de 2005

As peças judiciárias e o romance...

Os factos e o floreado jornalistico...

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1 - É ilegal a prática de a acusação, e subsequentemente a pronúncia e a sentença, em vez de se cingirem à enunciação de factos que a lei exige - art.º 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - com frequência adoptarem uma postura algo próxima do floreado relato jornalístico, incluindo a transcrição inútil do resultado de escolhidas conversas objecto de escuta telefónica, em vez de, como seria mister, desses elementos de prova se extraírem os factos e apenas os factos com relevo para a decisão da causa, assim confundindo o que deve ser inconfundível: meios de prova com factos.
2 - São estes - e só estes - que a lei manda enunciar na sentença, procedendo-se, se necessário, e na extensão tida por necessária, ao «aparo» ou «corte» do que, porventura em contrário e com carácter supérfluo, provenha da acusação ou, mesmo, da pronúncia, de que a sentença não é nem pode ser fiel serventuária. De resto, sempre ao juiz se impõe, sob pena de ilegalidade que se abstenha da prática de actos inúteis, como esse a que se acaba de fazer menção - art.º 137.º do diploma adjectivo subsidiário.
3 - Importa que os tribunais, na medida do possível, não caiam em práticas rotineiras, sobretudo se, com elas, afinal, acabam por beneficiar o infractor, o que pode acontecer quando as conclusões ofendem o exigido na lei, por prolixidade ou obscuridade, já que o eventual convite para sua reformulação se traduziria afinal num alongamento do prazo de vida do recurso, e, assim, dos prazos de prisão preventiva ainda em curso, o que não pode ser tolerado.
4 - Por isso, e sem prejuízo do respeito pela lei processual, importa dar o devido relevo a um são princípio de responsabilização de cada qual pelos actos que lhe competem, decerto mais eficaz que qualquer condescendência com a prática de actos menos ortodoxos do ponto de vista legal. Sobretudo, quando, como no caso, não obstante, ao tribunal se afigura ser possível atingir o âmago do objecto recursivo.
5 - Nesta óptica, o recorrente que não atenta convenientemente na exigência legal de formular conclusões claras, precisas e sintéticas, sujeita-se, por vontade própria, às eventuais nefastas consequências que podem advir da circunstância de o tribunal ser colocado perante as dificuldades acrescidas de ter de desvendar o autêntico «segredo escondido» que, muitas vezes, constitui a tarefa de deslindar em que consiste a verdadeira pretensão do recorrente. E se dessa dificuldade acrescida em que o tribunal é ilicitamente colocado resultar um imperfeito conhecimento do objecto do recurso, o recorrente só de si poderá queixar-se. Sibi imputet.
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Cons. Pereira Madeira, Ac. de 2.6.2005 (Lembrança amiga do CM)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2005

É mesmo preciso continuar a acreditar na justiça

«A proliferação de suspeitos antes da existência de qualquer prova ou mesmo indício, e a sua apresentação na comunicação social, é qualquer coisa que só beneficia os verdadeiramente implicados.
E a ideia de que pode satisfazer algum interesse corporativo acaba por ser contrariada pela extensão da suspeita à própria corporação. Parece estar a passar-se esta situação, hoje, em Portugal. Mas era importante que se percebesse que, a confirmar-se esta suspeita, é a própria justiça (e os seus actores) que vai pagar mais caro.
Os culpados, os verdadeiros culpados, esses sairão satisfeitos e sorridentes de todo este processo. Porque sairão inocentados por um sistema que fez ruir a sua própria credibilidade. Um sistema que se autoconsumiu.Os juros a aplicar a esta taxa, a taxa da suspeição generalizada, em breve ficarão fora do controlo. E não haverá família portuguesa que queira comprar esta justiça.
Com uma justiça sem crédito, em quem vão confiar os cidadãos? O que passa a querer dizer "culpado ou inocente"? E o que significam as pias manifestações de que é preciso acreditar na justiça?
Entretanto, é mesmo preciso continuar a acreditar na justiça, mesmo que ela mostre que não acredita em nós»

Paulo Cunha e Silva, DN, 03Dez05
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Escolhemos para título a expressão mais impressiva do texto crítico: a de que é preciso continuar a acreditar na justiça.
Essa é a questão fundamental no momento actual e implica-nos todos nós, na restauração da credibilidade da justiça tão rapida e gratuitamente posta em crise, muitas vezes, por quem tem o dever institucional de a garantir.
A restituição da credibilidade e do respeito não é tarefa fácil ao alcance de alguns. Implica um grande esforço de todos, na reflexão sobre os factores que desencaderam a a crise actual e na acção concertada, cada um no seu domínio.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2005

Plágio: o que é e como o evitar

Um interessante e actualizado módulo do Serviço de Bibliotecas da UQAM, a ler aqui.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2005

O Presidente da República e a Justiça

Só Presidente da República pode, e deve, tomar uma iniciativa que permita sair do desastroso impasse a que a Justiça chegou.

Não chega ainda a ser uma efeméride. Já foi, porém, há quase dois anos que se realizou o Congresso da Justiça, patrocinado pelo Presidente da República, com a participação de todos os operadores judiciários. Desejei, então, que não fosse «o Congresso da oportunidade perdida». Foi. Se não nas conclusões, apesar de tudo com bom «material» de reflexão e trabalho, pelo menos na falta de consequências. Agora, após mais congressos, incluindo os recentes de advogados e juízes, a situação, que era muito grave, continua igual ou... pior! E não se adivinham melhorias Há algumas intenções e (pequenas) mudanças positivas, mas no essencial tudo como dantes, quartel-general em Abrantes. Com a agravante de se estar a chegar, com culpas repartidas, a uma espécie de situação de não retorno, na impossibilidade de diálogo entre magistrados e Governo. Com Jorge Sampaio a fazer discursos certeiros sobre a Justiça, há dez anos dez, sem nenhum efeito prático! Assim, só o Presidente pode, e deve, tomar uma iniciativa que permita sair do desastroso impasse a que se chegou! Ou só ele pode tentar...

José Carlos de Vasconcelos
VISÃO 1DEZ2005