sábado, 22 de janeiro de 2005

Casa da Suplicação XVI

Tráfico de estupefacientes — alteração da qualificação — tráfico de menor gravidade — escolha da pena — medida da pena — proibição de dupla valoração — detenção de arma de fogo
1 - Não se pode pretender, a um tempo, colher benefício da diminuição acentuada da ilicitude para o efeito de enquadramento dos factos no tipo privilegiado do art. 25.º e servir-se dessa mesma circunstância ou das circunstâncias que dão expressão a essa diminuição acentuada para o abaixamento da pena até limites irrisórios, deixando completamente desguarnecida a finalidade da pena consistente na prevenção geral positiva ou de integração, ou seja, as expectativas da comunidade na manutenção ou reforço da norma jurídica violada.
2 - As circunstâncias referidas à ilicitude do facto e que levaram à requalificação do crime para o art. 25.º do DL 15/93, de 22/1, fazendo parte do tipo, não podem ser valorizadas novamente para a determinação concreta da pena, no âmbito dos factores que a lei manda relevar para tal efeito (art. 71.º, n.º 2 do CP: «Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele ...) É este o princípio da proibição da dupla valoração.
3 - Tal não impede que se deva atender aos cambiantes concretos da actuação do recorrente, tais como o dolo, o grau da ilicitude, o modo de execução do crime, tomados agora não no sentido de elementos do tipo da ilicitude ou do tipo da culpa, mas como elementos que, dentro do tipo, intensificam ou diminuem a culpa e (ou) a prevenção – os dois vectores fundamentais da determinação da pena em concreto.
4 - Será o caso de o recorrente ter agido com dolo intenso, uma vez que quis praticar os factos, sabendo que ofendia bens jurídicos tutelados criminalmente e com a intenção de «obter de modo fácil e rápido contrapartidas de natureza patrimonial», sem se importar com a danosidade da sua conduta.
5 - A detenção de armas de fogo anda normalmente associada ao tráfico ilícito de estupefacientes, agravando a sua ilicitude, não sendo, por isso, aconselhável a aplicação de uma pena de multa, por não satisfazer as necessidades da punição.
6 - Os recursos não são meios de obter um refinamento da pena, só devendo justificar-se pela violação do direito material concernente á escolha e medida da pena.
Ac. de 20.01.2005 do STJ, proc. n.º 4110/04 – 5, Relator: Cons. Rodrigues da Costa

Recusa de juiz — suspeição — factos ocorridos na audiência — processo crime contra o juiz
1 - A regra do juiz natural ou legal, com assento na Constituição – art. 32.º n.º 9 – só em casos excepcionais pode ser derrogada, e isso para dar satisfação adequada a outros princípios constitucionais, como o da imparcialidade, contido no n.º 1 do mesmo normativo. Mas, para isso, é preciso que essa imparcialidade esteja realmente em causa, em termos de um risco sério e grave, encarado da forma sobredita.
2 - Tendo sido para impor a disciplina e depois de advertida pela Juíza que a requerente foi mandada afastar da sala, sem prejuízo, todavia, de a arguida ter podido prestar as suas últimas declarações, imediatamente antes de ser dada a palavra aos representantes da acusação e defesa para alegarem, como resulta da acta de audiência, na parte respeitante à última sessão, não se vê que das atitudes adoptadas tenham resultado prejuízos para a defesa da requerente, como também não se vislumbra que essas medidas, apesar de firmes e tendo ido ao extremo de afastar a arguida da sala de audiências, dentro do consentido pela lei quanto aos poderes disciplinares do presidente, tenham constituído um abuso de poder por parte deste.
3 - O requerente do incidente não está dispensado de cumprir o ónus de alegação e prova dos factos fundamentadores do pedido, não competindo ao tribunal seleccioná-los de entre uma caterva de documentos prolixos juntos ao processo sem qualquer rigor processual.
4 - Não é o facto de o requerente ter feito denúncia crime contra o juiz por certos factos pressupostamente ocorridos na audiência de julgamento que é decisivo para se considerar a intervenção desse juiz no processo como correndo o risco de ser tida como suspeita pela generalidade das pessoas.
Ac. de 20.01.2005 do STJ, proc. n.º 4554/04 – 5, Relator: Cons. Rodrigues da Costa

Recurso extraordinário para fixação de jurisprudência — Requisitos formais — Oposição de acórdãos — Justificação da oposição — Indicação de mais do que um acórdão-fundamento
1 - A admissibilidade de recurso para fixação de jurisprudência pressupõe o cumprimento, por parte do recorrente, de alguns requisitos de ordem formal, nomeadamente:.
- indicação de um só acórdão-fundamento
- identificação do acórdão fundamento e indicação do lugar da publicação - justificção da oposição que dá origem ao conflito
- indicação do sentido em que deve fixar-se a jurisprudência cuja fixação é pretendida
- que a respectiva motivação contenha conclusões
2 – Sendo uma só a questão jurídica em discussão, a indicação de mais do que um acórdão fundamento implica a rejeição imediata do recurso, em regra sem necessidade de prévio convite do recorrente à correcção da peça processual defeituosa.
3 – É que uma tal pluralidade de invocação, para além de prejudicar insanavelmente a desejável identificação dos acórdãos em oposição, impede, em regra, a identificação da questão jurídica a decidir e, assim, a justificação da oposição de acórdãos que a lei exige.
Ac. de 20.01.2005 do STJ, proc. n.º 3659/04 – 5, Relator: Cons. Pereira Madeira