sexta-feira, 18 de março de 2005

Casa da Suplicação XXIV

Mandado de detenção europeu — princípio da actualidade — recusa facultativa de cumprimento
1 - Ao abrigo do disposto nos artigos 16.º, n.º 3, e 22.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003, de 23/8, é possível que a decisão final se atenha a outros elementos de informação que não apenas os constantes do mandado inicial, que, por isso, não delimita ou pode não delimitar com inteira precisão, o objecto da pretensão do Estado requerente.
2 – Daí que «se as informações comunicadas pelo Estado membro de emissão forem insuficientes para que se possa decidir da entrega, são solicitadas com urgência as informações [complementares] necessárias (…)».
3 - O que importa, deste ponto de vista, é, não tanto a correcção inicial do mandado, antes, que, segundo um actuante «princípio de actualidade», com informação posterior ou sem ela, o Estado requerido, por intermédio do tribunal competente, no momento de decidir, esteja de posse de todos os elementos necessários sobre o destino a dar à pedida execução do mandado, nomeadamente se aquele se enquadra nas causas legais de recusa obrigatória previstas no artigo 11.º da citada Lei.
4 - A recusa facultativa prevista na lei não pode ser concebida como um acto gratuito ou arbitrário do tribunal. Há-de, antes, assentar em argumentos e elementos de facto adicionais aportados ao processo susceptíveis de adequada ponderação, nomeadamente invocados pelo interessado, que, devidamente equacionados, levem, nomeadamente, o tribunal a dar justificada prevalência ao processo nacional sobre o do Estado requerente.
Ac. de 17.03.2005 do STJ, proc. n.º 1135/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira

Recurso extraordinário para fixação de jurisprudência — pressupostos — oposição de julgados
Se em ambas as decisões – acórdão recorrido e acórdão fundamento – se parte de idêntica interpretação da lei, embora num caso – o acórdão recorrido – se tenha chegado a conclusão diversa da do acórdão fundamento, não se verifica relevante oposição de julgados capaz de fundar a prossecução do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.
Ac. de 17.03.2005 do STJ, proc. n.º 445/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira

Vícios da matéria de facto — contradição insanável na fundamentação — factos provados — factos não provados
É insanavelmente contraditória, ou pelo menos nula a sentença por deficiente fundamentação, que nos factos provados aponta para que os arguidos, em conjugação de esforços e vontades quiseram levar os bens e objectos que encontrassem na posse dos ofendidos que inspeccionaram para o efeito e dá como não provado que «os arguidos só não se apoderaram de dinheiro ou outros valores pertença do ofendido G por motivos alheios às sua vontades».
Ac. de 17.03.2005 do STJ, proc. n.º 457/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira

Matéria de facto — acórdão da Relação — recurso para o Supremo Tribunal de Justiça — in dúbio pró reo — crimes sexuais — atenuação especial da pena — pena única — idade do arguido e falta de antecedentes criminais
1 – Se a Relação rejeitou o recurso de matéria de facto, por este, apesar de convidado, não deu cumprimento ao disposto no art. 412.º, nºs. 3 e 4, do CPP, não o fez, não indicando os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados; as provas que, a seu ver, impunham decisão diversa da recorrida, por referência aos suportes técnicos, não faz sentido suscitar novamente a questão perante o Supremo Tribunal de Justiça, limitando-se a uma estéril reprodução dos argumentos aduzidos contra a decisão da 1.ª Instância, como se a Relação se não tivesse pronunciado.
2 – Então falece verdadeiramente a impugnação que necessariamente tem se subjazer ao recurso, no caso, da decisão da Relação, carecendo de objecto o recurso, quanto à questão de facto.
3 – Sendo certo que, como tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça, a uma só voz, para conhecer de recurso interposto de um acórdão final do tribunal colectivo relativo a matéria de facto, mesmo que se invoque qualquer dos vícios previstos no art. 410.º do CPP, é competente o tribunal de Relação, que já se pronunciou.
4 – O recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizada não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros. Só essas provas e as que o recorrido e o Tribunal entendam que as contrariam é que são transcritas.
5 – Quando se invoca a violação do princípio in dúbio pró reo deve-se indicar quais são os pontos de facto sobre os quais o Tribunal ficou em dúvida e em relação aos quais se deu aquela violação.
6 – Como é entendimento pacífico, o Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP que escapa ao poder de censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista.
7 – Se num caso de grave abuso sexual e violação de menores, o arguido tem 78 anos e é primário e viúvo e confessou uma pequena parte dos factos, negando o crime, não é de atenuar especialmente a pena, por se não mostrar consideravelmente diminuída a culpa, a ilicitude ou a necessidade da pena.
8 – A ausência de antecedentes criminais e a idade do arguido justificam, no entanto, que a pena única pela prática de 4 crimes de abuso sexual de criança, 2 crimes de violação e1 crime de ofensa à integridade física, na moldura penal de 7 a 40 anos e 2 meses, com o limite de 25 anos, se situe em 16 anos e 6 meses, pois essas circunstâncias não diminuem a ilicitude e. no essencial, a culpa do agente, mas são circunstâncias pessoais que devem ser atendidas na medida concreta da pena.
Ac. de 17.03.2005, proc. n.º 124/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Audiência de julgamento — depoimento da vítima — crime sexual — matéria de facto — poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça — violação — violência — co-autoria e instigação
1 – Se no julgamento de crimes sexuais contra menor o Tribunal usar na audição da ofendida expressões como “Vá, esforça-te um pouco mais, ajuda-nos!”; “só mais um esforço..”, “eu prometo que não te faço mais perguntas!”; “os passos que já deste foram importantes”; “olha, não me digas que vais morrer na praia!”; “estão aqui alguns homens na sala, mas nem todos são violadores”, que criaram “situações de espontaneidade provocada” isso não anuncia um pré-juízo sobre a culpabilidade do arguido que viole o princípio da presunção de inocência e ponha em causa a imparcialidade do Tribunal.
2 – Essas expressões traduzem antes um esforço do Tribunal no sentido de obter a colaboração das menores da descoberta da verdade em crimes sexuais, domínio onde se faz sentir, como é sabido, uma grande dificuldade e retraimento das vítimas na recordação, no reviver, em público das situações por que passaram, e que muitas vezes se traduz numa verdadeira penalização secundária.
3 – Tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça, a uma só voz, que para conhecer de recurso interposto de um acórdão final do tribunal colectivo relativo a matéria de facto, mesmo que se invoque qualquer dos vícios previstos no art. 410.º do CPP, é competente o tribunal de Relação, não podendo o recorrente suscitar essa questão perante aquele Tribunal desigbnadamente se a 2.ª Instância já se pronunciou.
4 – A violência ou ameaça grave, bem como constranger outro, inscrevem-se seguramente na matriz do crime de violação, sendo constranger: compelir, obrigar à força, violentar, coagir, que aontece se o arguido de mais de 49 anos, sargento-ajudante da GNR ameaça a menor de 13 anos, mostrando a pistola, que lhe batia e matava os seus pais, de que se dizia amigo, para assim a conseguir violar
5 – Destaca-se como elemento nuclear do crime continuado, uma diminuição considerável da culpa do agente derivada de um quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que facilite ao agente a prática de actos de execução de um tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico.
6 - O pressuposto da continuação criminosa será assim a existência de uma relação que, de fora, e de modo considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.
7 – O que não sucede se o arguido cultivou a relação com os pais da menor violada e se aproveitou dela para se aproximar da menor e criou intencionalmente, em cada uma das vezes, as circunstâncias favoráveis, mas diversas, à consumação dos crimes.
8 – Se foi por iniciativa do arguido que se teve a certeza da gravidez, foi ele que convenceu a menor a abortar, foi ainda ele que escolheu a abortadeira em concreto, a contactou e satisfez as condições por esta colocadas para levar a cabo a sua actividade e conduziu a menor à casa daquela para aí abortar e a levou de volta a casa, e obteve uma receita médica de uma antibiótico que mandou aviar para a menor e pagou o custo do aborto, está-se mais perto da co-autoria do que da instigação, uma vez que a co-arguida surge como o elemento técnico desencantado pelo arguido para levar a caso as manobras abortivas.
9– Não merece censura a decisão que puniu o arguido como instigador de aborto agravado pelo intuito lucrativo se foi ele que convenceu a co-arguida a realizar as manobras abortivas pagando-lhe o preço pedido.
Ac- de 17.03.05 do STJ, proc. n.º 645/05-5, Relator Cons. Simas Santos

Tribunal Constitucional

Acórdão n.º 11/2005 (DR 55 SÉRIE II de 2005-03-18): Nega provimento a recurso para o plenário, nos termos do artigo 79.º-D, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, na sequência de notificação do Acórdão n.º 486/2004, tirado na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional, que julgou inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, com fundamento na divergência daquele aresto em relação a decisão tomada, quanto à mesma norma, nos Acórdãos n.os 99/88 e 413/89.