terça-feira, 3 de maio de 2005

Casa da Suplicação XXXII

Princípio do juiz natural — recusa de juiz — requisitos — discordância jurídica do requerente
1 - A consagração do princípio do juiz natural ou legal (intervirá na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas) surge como uma salvaguarda dos direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na Constituição (art. 32.°, n.° 9 - "nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior").
2 - Mas a possibilidade de ocorrência, em concreto, de efeitos perversos desse princípio levou à necessidade de os acautelar através de mecanismos que garantam a imparcialidade e isenção do juiz também garantidos constitucionalmente (art.ºs 203.° e 216.°), quer como pressuposto subjectivo necessário a uma decisão justa, mas também como pressuposto objectivo na sua percepção externa pela comunidade, e que compreendem os impedimentos, suspeições, recusas e escusas. Mecanismos a que só é licito recorrer em situação limite, quando exista motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
3 - A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, com base na intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do art. 40.º do CPP.
4 - A simples discordância jurídica em relação aos actos processuais praticados por um juiz, podendo e devendo conduzir aos adequados mecanismos de impugnação processual, não pode fundar a petição de recusa, pois não basta um puro convencimento subjectivo por parte de um dos sujeitos processuais para que se verifique a suspeição. Tem de haver uma especial exigência quanto à objectiva gravidade da invocada causa de suspeição, pois do uso indevido da recusa resulta, como se viu, a lesão do princípio constitucional do Juiz Natural, ao afastar o juiz por qualquer motivo fútil.
Ac. de 27.04.2005 do STJ, proc. n.º 909/05-5, Relator Cons. Simas Santos

Questão de facto — poderes da Relação — omissão de pronúncia — nulidade — sucessão da lei no tempo
1 – Quando os recorrentes suscitam em recurso para a Relação a questão de facto, dado cumprimenro ao disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 412.º do CPP, a Relação não pode deixar de conhecer concreta e fundamentadamente as questões então suscitadas, limitando-se a escrever: «no caso dos autos, examinada toda a transcrição das provas produzidas na audiência de julgamento, bem como toda a documentação referida no acórdão recorrido como tendo também servido para fundamentar a decisão sobre a matéria de facto, e tendo em conta que os depoimentos das testemunhas indicadas nas motivações dos recursos não contrariam a factualidade considerada provada e não provada objecto de impugnação, e vista a motivação dessa decisão – feita de forma exaustiva e sem o mínimo atropelo às regras da lógica –, cremos não haver fundamento para modificar o decidido pelo tribunal “a quo”, que não teve dúvidas em decidir, como decidiu, a matéria de facto impugnada pelos recorrentes».
2 – Ao fazê-lo, não conhece da questão de facto, como lhe competia garantindo um real duplo grau de jurisdição em matéria de facto, sendo nula a decisão por omissão de pronúncia nos termos previstos no art. 379.º, n.º 1, c) e 425.º, n.º 4, do CPP.
3 – O mesmo vício ocorre ainda quando, tendo entrado em vigor, já depois de apresentada a motivação de recurso mas antes da prolacção do acórdão, uma nova lei sobre a incriminação em causa que diminuiu a moldura penal abstracta, a Relação não pondera a aplicação dessa lei.
Ac. de 21.04.2005, do STJ, proc. n.º 768/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Concurso de infracções — cúmulo jurídico — penas parcelares suspensas na sua execução — pena de prisão — pena única
1 – Não há violação de lei se na nova sentença e no novo cúmulo jurídico se não aplicar a medida de suspensão da pena decretada em sentença anterior, nem violação de caso julgado, por a suspensão o não formar de forma perfeita, já que a suspensão pode vir a ser alterada, quer no respectivo condicionalismo, quer na sua própria existência se ocorrerem os motivos legais referidos nos arts. 50° e 51° ou 78° e 79° do CP.
2 – As condições em que é determinada a medida da pena (audiência do processo principal, ou audiência destinada a proceder ao cúmulo), oferecem as mesmas garantias de respeito pelo princípio do contraditório, como o esquema previsto para a revogação da suspensão da execução da pena.
3 – E é igualmente respeitado o princípio do juiz natural.
4 – Resulta dos arts. 77.º e 78.º do CP que, para a verificação de uma situação de concurso de infracções a punir por uma única pena, se exige, desde logo, que as várias infracções tenham, todas elas, sido cometidas antes de ter transitado em julgado a condenação imposta por qualquer uma delas, isto é, o trânsito em julgado da condenação imposta por uma dada infracção obsta a que, com essa infracções ou com outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito.
5 – Numa moldura penal abstracta de 2 anos e 6 meses a 10 anos e 10 meses de prisão a pena única deve ser fixada em 5 anos de prisão (a maior pena em concurso acrescida de cerca de 1/3 das restantes penas parcelares), se os factos tiveram lugar num período relativamente limitado de tempo, o arguido era então jovem e as penas parcelares eram, em geral, de cerca de 16 meses cada e suspensas na sua execução.
Ac. de 27.04.2005 do STJ, proc. n.º 897/05-5, Relator: Cons. Simas Santos