segunda-feira, 9 de maio de 2005

Um estranho silêncio sobre a revisão da lei das drogas

Por Eduardo Maia Costa, Procurador-Geral Adjunto, no Público de hoje:

Com pompa e circunstância dedicou o primeiro-ministro o primeiro debate parlamentar mensal à justiça, anunciando enfaticamente na Assembleia da República seis medidas concretas e imediatas, e outras mais a médio prazo, todas no sentido de «acelerar o funcionamento da justiça».
Não curemos aqui da bondade e eficácia de tais medidas. O que importa é referir uma estranha omissão em todo esse programa legislativo, que aliás vem já do programa do Governo e mesmo do programa eleitoral do PS: o completo silêncio em relação ao problema das drogas.
É preciso recordar (até ao próprio?), que o Eng. José Sócrates, enquanto ministro-adjunto do primeiro governo de António Guterres, foi o responsável pela génese e aprovação da Estratégia Nacional de Luta contra a Droga, de 1999, que introduziu uma nova visão na abordagem das drogas, conduzindo a breve prazo à descriminalização do consumo e à consagração legal da política de redução de danos, sem que no entanto todas as «promessas» feitas nessa Estratégia tenham sido cumpridas, possivelmente devido ao «desvio» do Eng. Sócrates para a pasta do Ambiente poucos meses após a aprovação da dita Estratégia.
Era de esperar que, como primeiro-ministro, retomasse as suas antigas e justas preocupações em matéria de drogas. Contudo, tem-se mantido completamente alheado da matéria e manteve esse alheamento agora neste debate parlamentar. O que é de todo lamentável, porque para acelerar a justiça penal é imprescindível mudar o regime legal dos estupefacientes.
É preciso lembrar (para os esquecidos) e informar (os mal informados) que a actual lei das drogas é a responsável por uma explosão punitiva que desde há mais de vinte anos quase monopoliza a actividade das polícias e dos tribunais criminais e que é directamente responsável pela sobrelotação do sistema prisional e pelas taxas de reclusão mais altas da União Europeia. Não falando das injustiças de uma lei completamente atravessada pela ideologia do «direito penal do inimigo».
Certamente por tudo isso, a Estratégia do Eng. Sócrates recomendava a revisão da lei vigente, propondo, entre outras medidas: a «eventual revisão dos elementos do crime de tráfico ou das suas consequência legais, ponderando, especialmente, os que se prendem com os conceitos de detenção, posse, transporte, oferecimento, cedência, empréstimo e compra em conjunto»; e «redefinir a figura do traficante-consumidor tendo em conta os casos em que este não destina, em exclusivo, o produto da droga traficada ao alimentar da sua toxicodependência, mas reserva uma parte para satisfazer necessidades básicas de subsistência» (nº 33 da Estratégia).
Estes pontos são essenciais para reduzir a intervenção penal e assim agilizar a justiça e diminuir a pressão sobre o sistema prisional. O relatório sobre o sistema prisional redigido pelo Prof. Freitas do Amaral, agora ministro do Eng. Sócrates, também propõe alterações à lei da droga, nomeadamente a redução do mínimo da moldura penal.
Por quê então esta omissão, este silêncio? Por que deixa o actual primeiro-ministro cair a Estratégia que com determinação e inteligência o ministro-adjunto José Sócrates levou o governo de António Guterres a aprovar?

O PROBLEMA ESSENCIAL NÃO ESTÁ EM TRABALHAR MAIS, MAS EM TRABALHAR MELHOR!

O impacto das férias judiciais nas demoras da justiça foi uma das questões que me foram colocadas, em Outubro de 2000, numa entrevista que então dei ao semanário “Jornal de Coimbra” e que, a propósito do actual debate, fui reler.
Foi esta a resposta:
“(...) nos estudos que têm sido feitos sobre a morosidade da justiça no nosso país, sobre os factores de bloqueio ao andamento dos processos, as “férias judiciais” não aparecem nem no elenco das causas nem no capítulo das soluções.
As “férias judiciais” (...) encontram explicação em características próprias da prática forense (não esquecendo, também neste aspecto, a advocacia) e inserem-se num modelo de organização do funcionamento dos tribunais que assenta numa grande disponibilidade profissional dos magistrados. Modelo que tem, também, contado com essas pausas à sua actividade plena, e ainda com o trabalho de magistrados e funcionários de justiça durante esses períodos de tempo (porque “férias judiciais” não é igual a tempos de férias de quem trabalha nos tribunais!), como factores de descongestionamento do sistema. Só faz sentido ponderar a questão das “férias judiciais” em conjunto com outras de que não pode ser dissociada, como sejam a organização, os métodos, os meios, os tempos e a quantidade de trabalho, e as condições que garantam um espaço de actualização profissional e a efectivação da formação permanente dos magistrados”.
Mantenho exactamente a mesma opinião!
Na recente decisão do Governo quanto às “férias judiciais” não me preocupa a redução do seu período, nem tão-pouco os meus direitos laborais, nomeadamente o direito a férias, pois terão de ser obviamente garantidos.
Preocupa-me que continue a vingar a abordagem do sistema de justiça como um sector cuja chave da produtividade e eficácia estará na utilização de “mão-de-obra intensiva”. Esta é a lógica do modelo vigente, é a lógica das medidas do Governo, é a lógica da anunciada “greve de zelo”.
Se é de “produtividade” que se trata (não há que ter medo de pôr os nomes às coisas!), para quando o tratamento a sério das questões da organização judiciária, dos métodos de trabalho nos tribunais, dos meios adequados ao cumprimento das suas funções, das competências e responsabilidades dos vários participantes e intervenientes no processo, da gestão dos recursos humanos e da sua tão desprezada quanto necessária qualificação?
No nosso anquilosado sistema de justiça, o problema essencial não está em trabalhar mais, mas em trabalhar melhor!