sábado, 21 de janeiro de 2006

Jurisprudência Constitucional


garantias de processo criminal
direito de recurso
direito de acesso aos tribunais
decisão sumária
questão simples
Decisão:
Indefere reclamação para a conferência contra decisão sumária que não julgou inconstitucional, face aos artigos 20.º e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que é inadmissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão condenatório proferido, em recurso, pelas Relações, que con­firmem (mesmo que parcialmente, desde que in melius) decisão da 1.ª instância, quando o limite máximo da moldura penal dos crimes, individualmente considerados, por que o arguido foi condenado não ultrapasse 8 anos de prisão.

Sumário:
I – Resulta do n.º 1 do artigo 78.º‑A da Lei do Tribunal Constitucional que, entre outras, se consideram “simples”, assim possibilitando a prolação de decisão sumária pelo relator, as questões de constitucionalidade que já foram objecto de anteriores decisões do Tribunal Constitucional, mesmo que nessas decisões não tenham sido especificamente apreciados todos os argumentos agora aduzidos pelo recorrente.
II – Para o referido efeito, é igualmente irrelevante que essas questões continuem a ser suscitadas por diversos recorrentes, que a matéria regulada pela norma em causa respeite a direito fundamental ou que persistam divergências nos tribunais judiciais ao nível da interpretação dessa norma.
III – Não compete ao Tribunal Constitucional apreciar a correcção da interpretação do direito ordinário feita pela decisão recorrida, mas tão‑só apurar se essa interpretação, que recebe como um dado da questão, é, ou não, conforme às normas e princípios constitucionais.
IV – Não impondo a Constituição um triplo grau de jurisdição (nem no artigo 20.º, n.º 1, para a generalidade dos processos, nem no artigo 32.º, n.º 1, especificamente para o processo criminal), não é inconstitucional a interpretação da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, no sentido de que é inadmissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão condenatório proferido, em recurso, pelas Relações, que con­firmem (ainda que parcialmente, desde que in melius) decisão da 1.ª instância, quando, em caso de concurso de infracções, o limite máximo da moldura penal dos crimes, individualmente considerados, por que o arguido foi condenado não ultrapasse 8 anos de prisão.
Acórdão n.º 2/2006
Proc. n.º 954/2005
Data: 3 de Janeiro de 2006
Relator: Cons. Mário Torres



concurso de infracções
pena única
não manutenção de suspensão de execução de pena de prisão
princípio da intangibilidade do caso julgado
princípio da necessidade das penas
princípio do juiz natural
princípio do contraditório
Decisão:
Não julga inconstitucionais as normas dos artigos 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do Código Penal, interpretados no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações.

Sumário:
I – Para a punição do concurso de infracções, o legislador português optou pelo sistema da pena conjunta, de acordo com o princípio da exasperação ou agravação: a pena aplicável ao concurso tem como limite mínimo a mais elevada das penas aplicadas aos vários crimes e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos de prisão e 900 dias de multa.
II – Ocorrendo conhecimento superveniente da situação de concurso, o legislador optou pela aplicação do mesmo sistema, através da imposição de uma “pena única”, em detrimento da possibilidade de adoptar um sistema de acumulação material de penas.
III – O entendimento de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações (mesmo que transitadas em julgado, mas desde que as respectivas penas ainda não estejam cumpridas, prescritas ou extintas), não viola o princípio do juiz natural (com o argumento de a fixação da pena única, da competência do tribunal da última condenação, implicar a “revogação” da suspensão da execução da pena de prisão, para a qual era competente o tribunal da execução desta pena), pois, para o aludido entendimento, do que se trata é de proceder à efectivação do cúmulo jurídico e o tribunal para tal competente (o da última condenação) encontra‑se pré‑determinado na lei.
IV – O mesmo entendimento não viola o princípio do contraditório, pois a lei, no caso de conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, impõe a realização de uma audiência do tribunal especificamente para esse efeito, com presença obrigatória do defensor, determinando o tribunal os casos em que também o arguido deve estar presente.
V – Embora não esteja explicitamente previsto na Constituição, o princípio da intangibilidade do caso julgado é inerente ao princípio do Estado de direito na sua dimensão de princípio de garantia de segurança e certeza jurídicas; não se trata, porém, de princípio absoluto, embora o legislador não seja inteiramente livre, quer na escolha dos mecanismos susceptíveis de modificar uma decisão judicial que a própria lei já considerara definitiva, quer na selecção das decisões susceptíveis de constituírem caso julgado.
VI – Segundo a interpretação normativa questionada, a hipótese de uma pena de prisão suspensa na sua execução, anteriormente aplicada a um dos crimes em concurso, vir a perder autonomia e a ser englobada na pena única correspondente ao concurso supervenientemente conhecido, constitui, a par das hipóteses previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal, um caso em que é legalmente admitido “revogar” ou “não manter” a suspensão, pelo que ou nem sequer constituiria violação de caso julgado, atenta a conatural provisoriedade da suspensão da execução da pena de prisão, ou estaria materialmente fundada em ponderosas razões de política criminal, que privilegiam (por considerada mais justa face ao critério da culpa e às preocupações de prevenção em que se funda o sistema punitivo), o sistema da pena conjunta, em detrimento do sistema da acumulação material.
VII – O aludido entendimento também não viola o princípio da necessidade das penas, quer pela última razão exposta, quer porque a decisão (final) de manter, ou não, a suspensão da execução da pena de prisão assenta justamente num juízo, reportado à pena única e atendendo à situação do condenado no momento dessa última decisão, sobre a adequação e suficiência, face às finalidades da punição, da simples censura do facto e da ameaça da prisão.
Acórdão n.º 3/2006
Proc. n.º 904/2005
Data: 3 de Janeiro de 2006
Relator: Cons. Mário Torres


escutas telefónicas
recolha de imagem e voz
restrição de direito fundamental
princípio da proporcionalidade
Decisão:
Não julga inconstitucional a interpretação conjugada das normas dos artigos 126.º, n.º 3, 187.º, n.º 1, 188.º, n.ºs 1 a 4, e 189.º do Código de Processo Penal, no sentido de que – desde que adequadamente assegurado o acompanhamento judicial da efectivação da operação – o prazo de duração das intercepções se conta a partir da data do início da sua efectivação, não é exigível a imediata elaboração de autos de início de gravação, nem de auto de gravação das intercepções após a gravação de cada uma das conversações interceptadas, nem a fixação de um prazo máximo rígido entre o fim da gravação (ou de fases dela) e a apresentação ao juiz do respectivo auto, e de que não é imposta a imediata desmagnetização das gravações das intercepções consideradas sem interesse pelo juiz; e não julga inconstitucional a interpretação das disposições conjugadas dos artigos 6.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, e 187.º a 190.º do Código de Processo Penal, que não considera ferida de nulidade a recolha de imagens e voz que, apesar de ter sido judicialmente autorizada sem fixação expressa do prazo de duração, se processou e terminou sempre com efectivo e atempado controlo judicial da execução da operação.

Sumário:
I – O n.º 4 do artigo 34.º da Constituição permite, embora com carácter de excepcionalidade, a ingerência das autoridades públicas nas telecomunicações, impondo directamente como limitação tratar‑se de matéria de processo criminal e submetendo‑a a reserva de lei (mas não a sujeitando explicitamente a reserva de decisão judicial, como fizera no precedente n.º 2 quanto à entrada no domicílio dos cidadãos).
II – Representando a intercepção e gravação de conversações telefónicas uma restrição a um direito fundamental, esta restrição deve limitar‑se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, sem jamais diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição).
III – No presente caso, não se questionando o respeito dos requisitos elencados no n.º 4 do artigo 34.º da Constituição (as intercepções foram determinadas no âmbito de um processo criminal visando a investigação de ilícitos que constam da enumeração legal dos crimes relativamente aos quais é lícito o uso deste meio de obtenção de prova, e todas elas foram, aliás, previamente objecto de autorização judicial), a eventual inconstitucionalidade das interpretações normativas impugnadas, todas elas reportadas aos termos em que se terá processado o acompanhamento judicial da execução da operação, apenas pode assentar em violação do princípio da propor­cionalidade aplicável às restrições dos direitos, liberdades e garantias.
IV – Tem o Tribunal Constitucional entendido que a especial dano­sidade da intromissão traduzida pela intercepção telefónica impõe uma intervenção subs­tancial do juiz no decurso da mesma, através de um acompanhamento contínuo e próximo temporal e materialmente da fonte, acompanhamento esse que comporte a possibilidade real de, em função do decurso da escuta, ser mantida ou alterada a decisão que a determinou, subli­nhando, contudo, que o exigente critério assumido não significa que toda a operação de escuta tenha de ser materialmente realizada pelo juiz, posição que corresponderia a uma visão maximalista, que o Tribunal não subscreve. O que se exige é, pois, um acompanhamento próximo e um controlo do conteúdo das conversações, com uma dupla finalidade: (i) fazer cessar, tão depressa quanto possível, escutas que se venham a reve­lar injustificadas ou desnecessárias; e (ii) submeter a um “crivo” judicial prévio a aquisi­ção processual das provas obtidas por esse meio.
V – Não é inconstitucional a interpretação conjugada das normas dos artigos 126.º, n.º 3, 187.º, n.º 1, 188.º, n.ºs 1 a 4, e 189.º do Código de Processo Penal, no sentido de que:
a) o prazo de duração das intercepções se conta a partir da data do início da sua efectivação, e não da data do despacho judicial que as autorizou, mostrando‑se a dilação entre as duas datas justificada por dificuldades técnicas e de comunicação entre as diversas entidades envolvidas;
b) não é imposta a imediata elaboração de autos de início de gravação, acrescendo que, no caso em análise, estes autos (aliás, legalmente não previstos) foram elaborados com dilações, justificadas por razões de ordem técnica, que não afectaram o acompanhamento judicial da operação;
c) não é imposta a imediata elaboração de auto de gravação das intercepções após a gravação de cada uma das conversações interceptadas, não se podendo considerar como implicando um intolerável descontrolo judicial da operação a fixação em 60 dias da duração máxima dos períodos de escuta autorizados, mesmo que acoplada ao entendimento de que, se nada for judicialmente determinado em sentido contrário, é no termo de cada período de escuta, e não logo a seguir a cada conversação interceptada, que deve ser elaborado o auto de gravação;
d) não é exigível a fixação de um prazo máximo rígido entre o fim da gravação (ou de fases dela) e a apresentação ao juiz do respectivo auto (cuja elaboração, após as alterações introduzidas pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, por ter de conter a indicação, pelo órgão de polícia criminal, das passagens consideradas relevantes para a prova, se tornou mais complexa e morosa), desde que os sucessivos prazos, quer entre os pe­ríodos de intercepções e as datas de elaboração dos correspondentes autos, quer entre estas datas e as datas de apresentação ao juízes de instrução criminal, quer entre estas últimas e as audições pessoais a que estes juízes procederam não se mostrem de tal forma di­latados que se possa questionar o respeito pela exigência do referido acompanhamento judi­cial, constitucionalmente exigível;
e) não é imposta a imediata desmagnetização das gravações das intercepções consideradas sem interesse pelo juiz, devendo, pelo contrário, considerar‑se constitucionalmente inadmissível a privação da possibilidade de o arguido, as pessoas escutadas e a acusação virem a requerer a transcrição de passagens das gravações não seleccionadas pelo juiz, quer por entenderem que as mesmas assumem relevância própria, quer por se revelarem úteis para esclarecer ou contextualizar o sentido de passagens anteriormente seleccionadas.
VI – Não é inconstitucional a interpretação das disposições conjugadas dos artigos 6.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, e 187.º a 190.º do Código de Processo Penal, que não considera ferida de nulidade a recolha de imagens e voz que, apesar de ter sido judicialmente autorizada sem fixação expressa do prazo de duração, se processou e terminou sempre com efectivo e atempado controlo judicial da execução da operação.
Acórdão n.º 4/2006
Proc. n.º 665/2005
Data: 3 de Janeiro de 2006
Relator: Cons. Mário Torres

intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias
direito de acesso aos tribunais
tutela jurisdicional efectiva
Decisão:
Não julga inconstitucional a norma do artigo 109.º, n.º 1, Código de Pro­cesso nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, en­quanto condiciona o uso do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias à impossibilidade ou insuficiência, nas circunstâncias do caso, para o asseguramento do exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, do decretamento provisório de uma providência cautelar.

Sumário:
I – O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, regulado nos artigos 109.º a 111.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, é um meio processual principal que se aplica perante situações de urgência na obtenção de uma decisão definitiva de mérito, que imponha à Administração a adopção de uma conduta, positiva ou negativa, considerada indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia.
II – Da parte final do n.º 1 do referido artigo 109.º – que condiciona a admissibilidade do uso do processo de intimação à impossibilidade ou insuficiência, para a apontada finalidade, do decretamento provisório de uma providência cautelar – resulta a subsidiariedade daquela figura face aos meios cautelares, de acordo com um critério que radica essencialmente na adequação, perante a situação concreta, de uma sentença provisória ou de uma sentença de mérito definitiva.
III – Assumindo natureza provisória a pretensão deduzida pelo requerente no processo de intimação (a intimação da entidade requerida para se abster de executar uma garantia bancária até ao trânsito em julgado da decisão judicial a proferir na acção administrativa especial em que foi impugnada a deliberação que determinara a reposição de quantia tida por indevidamente recebida), para a tutela da sua posição subjectiva eram suficientes e adequados os meios processuais de acção administrativa especial acoplada a providência cautelar, no âmbito da qual podia ser requerido decretamento provisório da providência, nos termos do artigo 131.º, n.º 1, do citado Código, meios processuais que o interessado efectivamente utilizou, embora sem sucesso quanto aos últimos.
IV – Neste contexto, a interpretação normativa acolhida na decisão recorrida, aliás em perfeita consonância com a literalidade do preceito legal, no sentido da inadmissibilidade do uso do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, não viola os direitos constitucionais de acesso aos tribunais e de tutela jurisdicional efectiva, direitos estes que são satisfeitos pela previsão legal de mecanismos processuais que possibilitem, de modo adequado e suficiente, aos interessados a defesa dos seus direitos perante os tribunais, mas obviamente não asseguram a todos eles o sucesso nas suas pretensões.
Acórdão n.º 5/2006
Proc. n.º 912/2005
Data: 3 de Janeiro de 2006
Relator: Cons. Mário Torres