segunda-feira, 23 de janeiro de 2006

Casa da Suplicação LVIII


Ofensa á integridade física - Arma de fogo - Meio especialmente perigoso - Motivo torpe - Ne bis in idem - Suspensão da execução da pena

1 - Mesmo em relação a crimes de ofensa à integridade física, o uso de arma de fogo só qualifica a conduta nos termos do art. 146.º, n.ºs 1 e 2 do CP, quando constitua meio especialmente perigoso, nos termos da alínea g) do n.º 2 do art. 132.º, n.º 2 do mesmo diploma legal.
2 - É de qualificar o crime de ofensa à integridade física pelo art. 146.º n.ºs 1 e 2, com referência ao art. 132.º, n.º 2, alínea d) (motivo torpe), tendo o arguido agredido o ofendido por este, na qualidade de segurança de uma discoteca, o não ter deixado entrar, devido ao facto de esse arguido transportar uma suposta placa de haxixe, acabando no entanto por entrar depois de se ter desembaraçado da referida placa e tendo agredido aquele ofendido depois da hora do fecho, num parque de estacionamento, ao mesmo tempo que foi proferida a expressão dirigida ao mesmo ofendido: «Está aí o preto!»
3 - O facto de o uso de arma constituir agravante do crime de ofensa à integridade física não impede a condenação do arguido pelo crime autónomo de detenção ilegal de arma, não havendo ofensa do princípio «ne bis in idem».
4 - Tendo o arguido cometido o crime ainda durante o período de suspensão da execução da pena aplicada por outro crime, esse facto não impede que a pena aplicada pelo novo crime seja de novo suspensa, se for de limite não superior a três anos, mas exige uma maior fundamentação no tocante ao juízo de prognose favorável em que se baseia o pressuposto material dessa pena de substituição.
Ac. do STJ de 19-1-2006, Proc. n.º 3796/05-5, Relator: Cons. Artur Rodrigues da Costa, com declaração de voto do Cons. Carmona da Mota, que entende que o meio é particularmente perigoso, considerando que se trata de ofensas à integridade física.

Homicídio qualificado - Recurso para a Relação - Matéria de facto - Omissão de pronúncia
1 - Tendo o próprio recorrente invocado na contestação declarações por si produzidas no inquérito, levantando uma questão sobre a plenitude das suas capacidades intelectuais, não podia pretender que o tribunal se não servisse delas para responder à questão colocada; conhecendo dessas declarações para responder à questão, o tribunal não cometeu nenhuma nulidade.
2 - Tendo o recorrente impugnado a matéria de facto relativamente a quase todos os factos dados como provados e constitutivos do crime de homicídio, concretizando os pontos da sua discordância e indicando as provas que no seu entender levariam a decisão diferente, foi cometida a nulidade por omissão de pronúncia, se o tribunal «a quo» se limitou a fazer um mero controle do processo de convicção do tribunal de 1ª instância, sem ter nunca aflorado a decisão da matéria de facto, salvo de uma forma abstracta.
3 - Quando se põe em causa a matéria de facto com tal amplitude, recorrendo-se à prova produzida em julgamento, é exactamente para confrontar a valoração feita pelo tribunal com aquela que o recorrente lhe opõe (a qual tem que ser devidamente fundada, é claro, em considerações adequadas sobre a prova produzida), não podendo o tribunal de recurso refugiar-se a em considerações genéricas e abstractas em matéria de convicção, e limitar-se ao controle do processo lógico e em concordância com as regras gerais da experiência em que aquela se apoiou, e a uma reafirmação em termos gerais do decidido em matéria de facto.
Ac. do STJ de 19-01-06, Proc. n.º 2917-05, Relator: Cons. Artur Rodrigues da Costa