segunda-feira, 30 de janeiro de 2006

«Ajuste de contas» e «revolução de veludo»

Em França, o político e o judiciário estão (uma vez mais) em colisão. O mundo mediático parece exultar e, ampliando o fragor político que começou pelo Presidente, clama por justiça (...). O sector político aproveitou ambiente o emocional gerado e a oportunidade, mediática e de opinião, para aparentes “ajustes de contas” com o sistema. Novidade a exigir reflexão e a determinar alguma perturbação nos necessários equilíbrios institucionais das democracias consolidadas: está instalada e em audições uma comissão parlamentar de inquérito para averiguar sobre o “desastre judiciário” em que foi transformado o caso d’Outreau. No pelourinho (...), o juiz de instrução (...) Fabrice Burgaud (que foi já ouvido durante todo um dia pela Inspecção-Geral dos Serviços Judiciários, e será ouvido na comissão parlamentar no dia 8 de Fevereiro), transformado, de um momento para o outro, de “herói” da magistratura em “symbole honni d’une justice qui se trompe et brise des innocents” (“Nouvel Observateur”, 19-25 de Janeiro). (...) A fronda política e mediática tem sido impressionante. Declarações inflamadas sobre os horrores da justiça (...), debates nas televisões dando voz em directo às vítimas (os inocentes) de Outreau. Tudo (...) às costas de um juiz de instrução – que, de resto, no decurso do processo, viu confirmadas pelas instâncias superiores todas as suas decisões e a maior parte das prisões preventivas que ordenou, e que, alguns dias antes da audiência, colhia louvores pela instrução que dirigiu. (...) No entanto, (...) não tenho dado conta de referências a factores elementares que (...) todos parecem desconsiderar: a fluidez, por vezes inescapável, dos elementos com que o juiz trabalhou e que o levaram a seguir por onde seguiu. No caso, o “récit” de alguns intervenientes e, especialmente, as declarações de uma testemunha que muito falou (...) e que, por fim, na audiência, tudo desdisse. E este seria o elemento central que deveria fazer mexer consciências tão perturbadas e que é esquecido no tsunami político e mediático contra a justiça. E também – por prevenção – verificar que revolução mais ou menos de veludo ou de silêncio quase anestesiante parece estar a caminho (noutras paragens, mas bem próximas) para permitir, sem discussão, que uma comissão parlamentar, quebrando todos os equilíbrios da separação de poderes, investigue sobre a actuação e as decisões de instituições judiciais num caso concreto»

Cons. Henriques Gaspar, Sine Die

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Trindade Coelho, os recursos e os acórdãos

«Trindade Coelho viria a dar à estampa em 1891 «Os meus amores». Como delegado [do procurador régio] em Lisboa lá alinhavaria em 1897 um pequeno livro de ajuda aos recursos finais em processo criminal. A obra não terá excesso de mérito, mas tem, pelo menos, este momento irónico no seu prefácio em que diz que, ao escrever, "não citei acórdãos, como é de uso, por uma razão: porque preferi argumentar com a lei à vista, que é sempre a melhor maneira de argumentar"».

José António Barreiros, in Patologia Social

[Achado na caixa de correio]

Os «poderes» do PGR «nem sempre correctamente entendidos» pelas «hierarquias intermédias»

«Ao Procurador-Geral caberá “dirigir, coordenar e fiscalizar” a actividade do Ministério Público – ou seja, dirigir o exercício das respectivas funções por parte de todos os magistrados. A questão do exercício dos poderes hierárquicos próprios do Procurador-Geral da República assume porém características algo específicas. Não apenas devido ao grau de autonomia individual que é conferido por lei aos magistrados do Ministério Público, mas também por força da sua organização “descentralizada” e da existência de hierarquias intermédias consabidamente apanágio desta magistratura. Importa pois que a acção do Procurador-Geral da República, no tocante à direcção da actividade do Ministério Público, se concentre nas tarefas de superior fiscalização da mesma e de uniformização de procedimentos a seguir pelos magistrados. Em termos tais, que será nas áreas em que o Procurador-Geral tenha previamente formulado orientações, susceptíveis de se sobreporem à liberdade de organização e decisão, dos seus subordinados, que se deverá fazer sentir, como regra, o peso dos poderes de superior direcção do Ministério Público que lhe estão confiados. E isto nem sempre é correctamente entendido»

Intervenção do Procurador-Geral da República na cerimónia de abertura do Ano Judicial 2006

[Achado na caixa de correio]

Casa da Suplicação LX

Habeas corpus - Decisão Judicial - Revogação da suspensão da pena
1 - O meio correcto para reagir contra a prisão ordenada por um despacho que revogou a suspensão da execução de uma pena, é o recurso ordinário dessa decisão, não havendo que confundir o que é próprio destes meios normais de reacção com a providência de habeas corpus, que tem a característica de excepcionalidade, como remédio extremo, expedito e sumário para obviar a situações de flagrante ilegalidade
2 - É certo que esta providência poderia mesmo assim justificar-se, não obstante estar em causa uma decisão judicial, desde que tivesse ocorrido erro grosseiro ou erro grave na aplicação do direito, que tornasse patente a ilegalidade da prisão, mas não é o caso se patentemente resulta dos elementos documentais que a suspensão foi determinada depois de o requerente ter praticado outro crime doloso em pleno período da suspensão da execução da pena aplicada pelo primeiro crime.
Ac. do STJ de 26.01.2006, proc. n.º 282/06–5, Relator: Cons. Artur Rodrigues da Costa