quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Desaparecimento de crianças e de… instituições


Todos vamos acompanhando com tristeza e apreensão o que se passa quanto ao desaparecimento de crianças, por razões pedófilas ou outras, no nosso país e no mundo.
O caso da pequena Madeleine Mccann, nascida em 12/05/2003 e desaparecida em 03/05/2007, pelas 22H40, do Ocean Club, Praia da Luz, Lagos, local onde passava férias com os pais, numa altura em que a criança se encontrava no apartamento, com dois irmãos ainda mais novos, sozinhos, enquanto os pais jantavam com amigos no exterior, a uma distância de mais de 50 metros, tem suscitado abundantes notícias, por vezes em despique entre os jornais ingleses e portugueses.
E a Polícia Judiciária tem sido objecto de muitas críticas, especialmente pela referida imprensa inglesa, quer sobre a hesitação ou inconclusão das pistas quer pela hipótese de suspeita de envolvimento dos pais da criança no crime de rapto ou homicídio cometido, que desmentiu.
No meio de tudo isto, um aspecto me tem surpreendido.
Em Portugal, a acção penal continua a ser exercida pelo Ministério Público, que também dirige a investigação criminal.
“A direcção do inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal” diz o artigo 263.º do CPP, actuando estes “sob a directa orientação do Ministério Público e na sua dependência funcional”, como autoridade judiciária.
A mesma autoridade judiciária que pode prestar esclarecimentos públicos, excepcionalmente, em casos de especial repercussão, na medida do necessário para a reposição da verdade sobre factos divulgados, para garantir a segurança de pessoas e bens e para evitar perturbação da tranquilidade pública.
Pois apesar das conhecidas “sensibilidades” do Ministério Público todas as vezes que se toca na “autonomia” estratégica e técnica da Polícia Judiciária – e o novo diploma orgânico, em vias de promulgação, acentua a sua dependência e aproximação do Poder Político –, neste caso nem uma palavra sobre o decurso da investigação e das suas atribuladas dificuldades.
Por mais cómodo que isso seja para a Instituição que dirige o inquérito, não pode deixar que a PJ seja imolada neste lume brando, que afinal também acabará por a consumir. Para o bem ou para o mal, tem de assumir a sua quota de responsabilidade, ainda que custe.

Trindade Coelho e o direito (VII)

[...]
Mas adiante, adiante.
Aquele trabalho violento durante largo tempo, prostrou-me! Um esgotamento nervoso (a que já me referi) teve-me paralisado durante meses, em atroz doença de que supus me não resgataria e em que a vida me pareceu toda uma mentira e só a verdade a tristeza e a negação – menos a Deus, em que eu pus sempre toda a minha esperança. Oh! o que eu sofri!
Mas um largo descanso fora de Lisboa, no campo, restituiu-me as forças e essa confiança em mim que eu perdera de todo, porque cheguei a convencer-me de que nunca mais escreveria uma palavra e ao mesmo tempo a odiar os livros, eu que só entre livros vivia bem, e com a minha pena! Vivia e vivo, porque eu quase não conheço os homens senão de vista (e de longe) e só com os rapazes me sei dar, e sou no meio deles um rapaz – e dizem que muito alegre... Eugénio de Castro definiu-me assim num jornal, em quatro palavras que só no elogio são inexactas:
«Transmontano. Pequenino mas tesinho. Alegre como uma romaria. A sua voz é um adufe ao som do qual os seus olhos bailam. Vigoroso e sadio física e literariamente. A sua prosa é máscula: prosa com músculos e sangue. Prefere os assuntos simples aos assuntos complicados. Ao longo dos seus contos não se alastram óxidos de almas difíceis, nem se emaranham filigranas de raras psicologias. No meio dos modernos livros, os seus livros são como ingénuos colegiais entre viciosas pessoas.»
Mas essa crise nervosa de que falo acima é a fase mais angustiosa da minha vida: durante meses eu fui o inverso de tudo aquilo: daquela energia, daquele vigor, daquela saúde; e todo eu amoleci numa grande tristeza, numa ternura infinita feita de lágrimas e de piedade por todas as dores, angustiosa, fatal, inconsolável! Supus-me perdido para todo o sempre; e agora, quando olho para trás, esses meses de longo martírio, de que me ficaram na memória todas as minúcias, parecem-me na minha vida uma montanha escura, atrás da qual fica o meu passado...
Mas graças a Deus ressurgi, e mais vigoroso do que nunca! Passei a ver a vida por um aspecto mais positivo – e nesse meu passado alvejam sepulturas de ilusões que lá ficaram, e uma entre todas atrai os meus olhos ainda hoje: a da Justiça que eu supunha existir... Mas não falemos nisto.
Trindade Coelho, «Autobiografia», in Os Meus Amores