domingo, 19 de agosto de 2007

Trindade Coelho e o direito (VIII) - Fim

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E agora?!
Pouco falta. Ao presente, além de mais um folheto para o povo, sobre Caixas Económicas, tenho no prelo os seguintes livros: Código Penal Anotado; Legislação Penal Anotada; Incidentes em Processo Civil; In Illo Tempore (recordações da vida de Coimbra); e Pão Nosso, leituras elementares e enciclopédicas para uso do povo.
E que mais?!
Creio em Deus; sou cristão; amo a Arte de toda a minha alma; gosto muito das mulheres e das crianças, das flores e da natureza; e o meu maior e mais vivo prazer seria remediar os necessitados. Vivo num 4º andar (111 degraus acima do nível... da rua! Uma das minhas criadas disse-me agora com muita graça que nunca os chegava a contar «porque se perdia sempre no meio da conta»; mas a outra disse que «são duas vezes 50 mais 11!») – mas tenho flores à entrada da porta, e cá dentro muita luz, minha mulher, um filho e um canário – e lindas vistas. As vistas são sobre o rio Tejo e abrangem, da banda de lá, um lindo horizonte; o canário canta muito bem, o meu filho (chama-se Henrique) é bom rapaz, faz versos e sabe alemão; e minha mulher... – minha mulher, essa é doida pelo filho, mas não lhe quer a ele mais do que a mim, e eu quero-lhes a ambos mais do que a mim! Em minha mulher encontrei minha mãe (o que torna impossível de definir, e tão singular que me parece às vezes absurdo, o meu sentimento diante dela!) e sendo toda coração e sensibilidade, tem, no fundo, o ânimo forte e a coragem resignada de meu pai, e é muito alegre e inteligente e tem a paixão da música, sobretudo do canto. Nunca conheci nada melhor.
A mim... – a mim reputo-me um pobre filho do povo, que por acaso veio dar cá acima, e que não podendo voltar à terra de onde brotou – oh, jamais! – tem dela infinitas saudades (que quase nem sequer são feitas de lembranças, tão cedo eu a abandonei!) e está atónito do que vê cá cima... – e lá baixo!
Quando chegará, minha boa amiga, o «reino de Deus»?!...

Lisboa, 6 de Abril de 1902