domingo, 23 de setembro de 2007

Novo modelo de interrogatório imposto às policias portuguesas

Recebido pelo correio electrónico ainda hoje...


- Senhor X?
- sim, sou eu!
- faz favor de tomar conhecimento dos seus direitos e deveres processuais; tem o direito a mentir, a estar calado, a não dizer nada e a ter sempre advogado, querendo. O resto está aqui descrito neste papelinho, que é para si; está assinado por mim, para atestar que o Sr. foi devidamente informado. Já leu?
- li sim senhor!
- e percebeu, que tem direito a mentir, a estar calado e a não responder?
- percebi sim senhor! e agora?
- agora vou informá-lo do que se passa: o Sr. está aqui, porque o Sr. Y apresentou queixa contra si; o malandro do queixoso, disse que o Sr. cometeu este e aquele crime; e apresentou a seguinte prova documental: este, este e este documento; e nós entretanto, escutamos as suas conversas ao telefone e ouvimos isto, que o compromete;
- é pá! isso é legal?
- lamento mas de facto, um dos raríssimos crimes que admite a escuta telefónica, parece que, eventual e remotamente, possa ter sido cometido por si...
- bolas! e tem a certeza que era a minha voz?
- hummm... bem... a certeza, não tenho...
- então estou mais descansado!
- por outro lado, as velhacas das testemunhas A, B e C, arroladas pelo queixoso Y, disseram todas que sim, que foi você que cometeu os crimes...
- as 3 testemunhas?
- sim...
- associação criminosa, portanto!
- bem... calhando... bom, adiante: também andámos atrás de si, para ver o que fazia; filmámos tudo e fotografámos!
- é pá! e isso é legal?
- ser, é, mas só é utilizável no processo, se fizermos um reconhecimento pessoal...
- ah! então, estou mais descansado!
- Pronto! já foi informado, conforme o Código! Então Sr. X? Quer responder a perguntas que temos para lhe fazer, neste processo-crime? Quer?
- eu?!? eu não! só perante o meu advogado!
- portanto, não quer responder!
- eu?!? eu não disse isso! eu estou aqui, para cumprir o meu papel social de colaboração com a justiça, segundo o novo Código de Processo Penal e em oposição clara e frontal ao abuso policial que vingava antigamente! De facto, o que eu disse foi: só respondo perante um advogado.
- então, arranje um, se quiser fazer esse favor.
- eu fazia... mas não tenho dinheiro, sabe! os jantares! os cavalos! os carros! as assistentes do negócio... uma despesa pegada... há dias, que nem ceio!
- pois... uma maçada processual! Então e se pedir à segurança social?
- eu, pedir, até pedia... mas demora muito tempo, sabe... e depois, com os carros e casas que tenho, das burlazitas que tenho cometido, o mais certo é negarem-me o apoio judiciário!
- malandros! uma pena, de facto!
- pronto... então, terminámos esta entrevista policial?
- sim claro! vamos marcar a diligência do reconhecimento pessoal...
- naaa... não vale a pena incomodar-se Sr. agente! eu não venho, porque não sou obrigado; e se fosse, como não tenho advogado... não me interrogam, sob pena de nulidade!
- pois... de facto... diligências inúteis! olhe... vá-se lá embora; mas diga-me só uma coisa: vai assinar comigo o auto, para eu dizer aqui a que hora terminou, não vai?
- olhe... eu até assinava! mas como não sou obrigado e não tenho advogado... calhando, nem assino, para garantir a nulidade! não leve a mal! mas não trouxe sequer aquela caneta cuja tinta desaparece depois de uns dias...
- compreendo perfeitamente! deixe estar Sr. X! quase que era apanhado desprevenido! não se incomode, que vou informar o Ministério Público.
- queixinhas!
- eu?!?
- não! o queixoso!
- ah! esse diabólico seguidor da seriedade!
-pois... já viu o que ele me arranjou? estragou-me a vida, foi o que foi! olhe... Sr. agente: já agora, tenho um requerimento a fazer!
- diga se faz favor Sr. X!
- quero que o processo fique em segredo de justiça! é que tenho a minha imagem para proteger... e se se souber que corrompo e vendo a mesma casa 30 vezes e fujo ao fisco, o traficozinho... e que vendo imagens de pedofilia é mau para a minha imagem, e neste meio empresarial... a concorrência... sabe como é! a imagem é tudo!
- compreendo perfeitamente Sr. X.
- e já agora: como disse que se chamam as testemunhas?
- A, B e C. Conhece? Sabe onde moram?
- sim claro! eu já trato disso assim que sair daqui... conheço uns "portas" profissionais muito sérios e conscientes do seu trabalho, acabados de sair da preventiva encurtada...
- então, boa tarde!
- boa tarde e muito, muito, muito obrigado Sr. agente!
- de nada!
- acha que leva muito tempo a arquivar o processo?
- penso que não!
- então o que vai fazer agora?
- vou remeter o processo com a sua constituição de arguido para o Ministério Publico, para homologação...
- ahn... nesta Comarca... sim... ahn... ora, estamos em 2007?
- sim.
- pois... então, lá para Março...
- de 2009...
- pois... talvez...
- ora então, com sua licença, vou indo... tenho que vender a casa outra vez!
- vá, vá Senhor X!
- ainda há gente bem educada!
- mais um arguido satisfeito! NÉÉEEEEEXT!!!!!
- boa tarde!
- boa tarde! diga!
- Sou o Sr. Y, queixoso. gostaria de saber, em que estado está o processo contra o Sr. X?
- lamento, mas está em segredo de justiça! acabadinho de requerer!
- eh pá! mas eu não concordo! então e agora?
- agora, tem de arranjar um advogado, requerer a assistência e solicitar ao MP que o processo seja público;
- e ele decide?
- não, mas quase! ainda vai ao juíz...
- ahn... então quando sou ouvido?
- ora, estamos em 2007, o processo deve regressar, pela ordem, lá para 2010...
- pronto, está bem; então vamos aguardar...
- boa tarde e até breve...
[...] "

Casa da Supplicação

Crime continuado - requisitos - diminuição da culpa - opção pela pena de multa - suspensão da execução da pena
1 - Há crime continuado quando, através de várias acções criminosas, se repete o preenchimento do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurídico, usando-se de um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, fazendo assim diminuir consideravelmente a culpa do agente.
2 - O fundamento desta diminuição da culpa encontra-se na disposição exterior das coisas para o facto, isto é, no circunstancialismo exógeno que precipita e facilita as sucessivas condutas do agente.
3 - Tratando-se de bens jurídicos pessoais, não se pode falar, como o exige o n.º 2 do art. 30.º citado, no mesmo bem jurídico, o que afasta então a continuação criminosa, salvo se for o mesmo ofendido.
4 - Para que se possa falar de diminuição de culpa na formação das decisões criminosas posteriores é necessário que as mesmas não tenham sido tomadas todas na mesma ocasião
5 - A renovação da decisão de cometer os crimes foi sucessivamente mais reprovável, se o agente foi confrontado diversas vezes com o sistema de justiça,mas ainda assim decidiu voltar a violar o direito, apesar da reafirmação da validade da norma pelo sistema.
6 - Se o agente vem renovando sucessivamente a violação da proibição de conduzir, mesmo no período de suspensão de pena anterior pelo mesmo tipo de crime, é de concluir que as penas não detentiva anteriormente aplicadas não são suficientes para o afastar da criminalidade, não se podendo concluir que a opção pela pena de multa seja suficiente para satisfazer as finalidades das pena s, pois que as necessidades da prevenção geral de integração são grandes face à acumulação de infracções e à reiteração de condutas delituosas. E mesmo a prevenção especial, com tal percurso em que mesmo a pena de prisão não se tem mostrado suficiente para satisfazer aquelas finalidades, exige uma pena institucional.
7 - A suspensão da execução da pena se insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos, que só deve ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas nos textos transcritos, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade.
8 - No caso, e como se viu, não é possível emitir o juízo de prognose social favorável suposto por esta pena não detentiva e a reiteração da conduta e a sua ponderação global exigem, do ponto de vista da protecção dos bens jurídicos em causa, a aplicação de uma pena detentiva.
AcSTJ de 13.09.2007, Proc. n.º 2795/07-5, Relator: Cons. Simas Santos

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Atenuação especial - pena única - questão nova - medida da pena - poderes do Supremo Tribunal de Justiça
1 - O pedido de atenuação especial da pena deve ser formulado em relação a algum ou alguns destes crimes e penas e não em relação à pena única conjunta, que a não admite.
2 - O julgamento em recurso, que é um remédio jurídico, não o é da causa, mas sim do recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa, em que estão presentes, face ao Código actual, alguns apontamentos da imediação (somente na renovação da prova, quando pedida e admitida) e da oralidade, pelo que não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre.
3 – É sindicável a correcção das operações de determinação da medida da pena ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa e a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.
Sendo:
- elevada a ilicitude da conduta do arguido que não se coibiu de comparticipar na compra de uma arma transformada, com vista a ser utilizada num roubo, a utilizou efectivamente na ameaça e, sem que nada o justificar, a usou efectivamente. Acresce que depois do roubo e do homicídio tentado, ainda procurou conservar a arma, dando-a a guardar a uma outra pessoa.
- intenso o dolo directo com que agiu.
- a confissão parcial, não se tendo o arrependimento manifestado, diversamente do que sucedeu com os restantes arguidos, traduzido em qualquer esforço para ressarcir o ofendido dos prejuízos sofridos, designadamente pelo uso da arma,
mostra-se adequada a pena de 5 anos e 7 meses.
AcSTJ de 20.09.2007, proc. n.º 2820/07-5, Relator: Cons. Simas Santos

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Violação - legitimidade do Ministério Público - desistência - recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça - matéria de facto - princípio in dúbio pró reo - medida da pena
1 – Se o recorrente colocou a questão da legitimidade do Ministério Público para iniciar o procedimento criminal pelo crime de violação agravada, sem queixa e da relevância da desistência da vítima, na 1.ª instância e a Relação se pronunciou sobre elas por via de recurso, o acórdão desse tribunal superior não é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, por não se tratar de decisão final.
2 – É jurisprudência constante e pacífica deste Tribunal que para conhecer de recurso interposto de um acórdão final do tribunal colectivo relativo a matéria de facto, mesmo que se invoque qualquer dos vícios previstos no art. 410.º do CPP, é competente o tribunal de Relação. Nos recursos interpostos da 1.ª Instância ou da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, por sua própria iniciativa e, nunca, a pedido do recorrente, que, para tal, terá sempre de dirigir-se à Relação.
3 – Mesmo em relação às decisões na al. d) do art. 432.º o âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal é fixado na própria alínea e não no art. 434.º do CPP, o que significa, que, mesmo relativamente aos acórdãos finais do tribunal colectivo, o recurso para o Supremo só pode visar o reexame da matéria de direito.
4 – O princípio in dubio pro reo, constitui um princípio probatório, segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto, tem de ser sempre valorada favoravelmente ao arguido, traduzindo o correspectivo do princípio da culpa em direito penal, a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da pena e é também um princípio de direito, enquanto impõe determinada consequência à existência da mencionada dúvida.
5 – O que significa que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, só pode fazer uso de tal princípio, censurando a decisão recorrida, se esta apesar de reconhecer a existência de dúvida sobre determinado ponto de facto, o decidiu contra o arguido.
6 – O controlo da determinação da pena no recurso de revista, abrange a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação e a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa, a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, só pode ser reexaminada perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada
7 – Tratando-se de uma violação de uma menor de 14 anos, pelo pai, com violência tendo resultado gravidez e nascimento de um filho, tendo o arguido de modesta condição social, hábitos de consumo de bebidas alcoólicas, sem antecedentes criminais, demonstrou arrependimento pela prática desses factos, mas procura sustentar que as relações foram consensuais, o que retira o principal significado de tal arrependimento e confissão, não merece censura a pena de 7 anos de prisão que lhe foi aplicada.
AcSTJ de 20.09.2007, proc. n.º 2585/07-5, Relator: Cons. Simas Santos