quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Casa da Supplicação

Prisão preventiva - Aplicação da lei no tempo - Habeas corpus - Prisão por motivo que a lei não permite
1 – O habeas corpus é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que não um recurso; um remédio excepcional, a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais, que tem como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão, actual à data da apreciação do respectivo pedido: (i) – incompetência da entidade donde partiu a prisão; (ii) – motivação imprópria; (iii) – excesso de prazos.
2 – A redacção dada ao art. 202.º do CPP pela Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, passou a exigir, para que possa ser aplicada a prisão preventiva, que haja fortes indícios de prática de um crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos [n.º 1. al. a)], contra o limite de 3 anos anterior.
3 – Mas a mesma revisão, ao lado da al. a) veio prever na al. b) que poderia ser aplicada a prisão preventiva, nas mesmas condições, quanto ao crime doloso de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos e nessa medida aos crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência ou branqueamento [al. l) do art. 1.º do CPP].
4 – Tendo a conduta do arguido integrado crimes que, à luz da anterior al. a) do n.º 1 do art. 202.º do CPP ou de acordo com a actual al. b), permitam a aplicação de prisão preventiva, não há verdadeira vocação de duas leis diferentes que se sucederam no tempo e de cuja aplicação resultem soluções diversas para mesma questão, colocando uma questão de aplicação da lei no tempo.
5 – É, assim, de indeferir o pedido de habeas corpus fundado na alegação de que a prisão preventiva se deve a facto que a lei não permite.
AcSTJ de 24.01.2008, proc. n.º 235/08, Relator: Cons. Simas Santos
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Suspensão da execução da pena - aplicação da lei penal no tempo - relatório social - perito - reenvio do processo - audiência de julgamento - reabertura da audiência
I - O tribunal recorrido não colocou a hipótese da suspensão da pena, pois ao tempo da decisão tal não era legalmente possível para as penas de prisão superiores a 3 anos. Essa a razão pela qual não se mandou elaborar relatório social (actualizado) nem perícia sobre a personalidade e a falta destes elementos não permite uma correcta ponderação sobre a viabilidade de aplicar pena de substituição.
II - Assim, como se está perante questão nova que resultou da mudança da lei penal no tempo, de cuja apreciação pode resultar para o recorrente uma decisão mais favorável, há que aplicar mutatis mutandis o disposto nos art.ºs 369.º a 371.º-A do CPP.
III - Em consequência, depois de se confirmar a pena aplicada na 1ª instancia, há que reenviar o processo para o tribunal recorrido, para que aí, após se mandar efectuar relatório social actualizado e perícia sobre a personalidade do arguido, se reabra a audiência, onde, entre outras diligências consideradas úteis, se podem ouvir o perito criminológico, o técnico de reinserção social e, quiçá, a mãe da vítima, tendo por única finalidade decidir se deve ou não ser aplicada pena de substituição.
AcSTJ de 24.01.2008, proc. n.º 4574/07-5, Relator: Cons. Santos Carvalho
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Recurso para fixação de jurisprudência - arguido - legitimidade - interesse em agir
I - A legitimidade do arguido, do assistente ou da parte civil para interpor qualquer recurso nunca é meramente formal, pois não basta apenas demonstrar que se tem essa posição processual para que possa prosseguir. Necessário é sempre comprovar que quem pretende recorrer ficou vencido pela decisão recorrida, isto é, que esta foi proferida contra si (art.º 401.º, n.º 1, als. b-c, do CPP) e, para além disso, que tem um interesse relevante em agir (n.º 2 da mesma norma).
II - Na altura da interposição do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência os actuais recorrentes eram arguidos no processo onde suscitaram o incidente de recusa, ficaram vencidos pela decisão recorrida, pois esta rejeitou por inadmissibilidade legal o recurso que haviam interposto da decisão da Relação que indeferiu o incidente e tinham, também, interesse em agir, pois, pelo menos, duas das juízas por eles recusadas iriam intervir no seguimento do processo
III - Mas, actualmente, os objectivos que os recorrentes perseguiam com o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência e que lhes conferiam interesse em agir – obter pelo provimento dos recursos extraordinário e ordinário que se lhe seguiria uma decisão que afastasse as referidas Juízas do novo julgamento - foram totalmente alcançados, embora por outra via, pelo que já não viriam a obter um «ganho» com o provimento deste recurso. E não lhes assiste legitimidade para recorrerem extraordinariamente no mero benefício da unidade do direito.
IV - Daí que haja uma perda superveniente do interesse em agir (pela via do recurso) e, nesta fase processual preliminar, em que o STJ verifica se estão reunidos os pressupostos para prosseguir o recurso para fixação de jurisprudência, há que declarar a ilegitimidade actual dos recorrentes.
AcSTJ de 24.01.2008, proc. n.º 4448/07-5, Relator: Cons. Santos Carvalho