quinta-feira, 5 de junho de 2008

C asa da Supplicação

Recurso de matéria de facto - Especificações necessárias - Conclusões da motivação - Convite à correcção
1 – Se nas conclusões da motivação se não especificam os pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, pois que se dirige genericamente a toda a matéria provada, mesmo a estabelecida com base nos exames e perícias efectuados, e depois a toda a matéria da sua culpabilidade e não indica as provas que, na opinião do recorrente impõem decisão diversa da recorrida, apresentando antes a sua leitura subjectiva de todo o julgamento e que não contém qualquer referência aos suportes técnicos, deve entender-se que não foi cumprido o formalismo dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, por respeitar o recurso a matéria de facto
2 – E se essas especificações não constam do texto da motivação, não deve o recorrente ser convidado a corrigir as conclusões da motivação.
3 – Com efeito, o ónus de formular conclusões da motivação do recurso visa, assim, proporcionar ao tribunal um maior facilidade e rapidez na apreensão dos fundamentos deste. E, para isso, aquelas devem conter um resumo preciso e claro dos fundamentos de facto e de direito da tese ou teses defendidas na motivação, de tal modo que possibilite um apreciação crítica ao tribunal de recurso. Daí que, quando o texto da motivação contenha fundamentos que não reaparecem nas conclusões, seja compreensível que se admita a correcção: a impugnação assentou também naqueles fundamentos que não aparecem, ou só aprecem incorrectamente retomados nas conclusões, que importa corrigir.
4 – Mas se no texto que fixa os fundamentos da impugnação não contem algum dos que depois aparecem nas conclusões, também é compreensível que se não admita a correcção do texto da motivação. É que então a impugnação não assentou naquelas razões do pedido que só aparecem nas conclusões.
5 – Quando as conclusões (algumas das conclusões) não encontram correspondência no texto da motivação, está-se perante a insuficiência da motivação que deve ser tratada, no respectivo âmbito, como falta de motivação.
6 – A recente Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, veio, aliás, consagrar esta posição na nova redacção dada ao art. 417.º do CPP. Estabelece no seu n.º 3 que, se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do art. 412.º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada. Mas logo esclarece, no n.º 4, que tal aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação. Ou seja, que o texto da motivação constitui o limite da correcção possível das conclusões.
AcSTJ de 05.06.2008, proc. n.º 1884/08-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Aplicação da lei no tempo - aplicação da lei processual penal no tempo - direito ao recurso - recurso penal - admissibilidade de recurso - esgotamento dos recursos -prazo de interposição de recurso
I- A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido
II- Importa distinguir, para efeitos de aplicação da lei no tempo, entre regras que fixam as condições de admissibilidade do recurso e as que se limitam a regular as formalidades de preparação, instrução e julgamento do recurso, estas, sem margem para dúvidas, de imediata aplicação (cf. Alberto dos Reis, RLJ, Ano 86.º, págs. 49-53 e 84-87).
III- Assim, embora se aplique à admissibilidade de todos os recursos as normas do CPP na sua versão original, por ser a vigente na altura em que foi proferida a decisão da 1ª instância e a que melhor protege o direito ao recurso, o prazo de interposição de tais recursos é de 20 dias, por aplicação do art.º 411.º, n.º 1, do CPP na sua versão actual, por ser a que já vigorava quando foi proferida a decisão recorrida “stricto sensu” (aplicação imediata da lei processual).
AcSTJ de 05/06/2008, Proc. 1151/08-5, Relator: Cons. Santos Carvalho

"Bando" e "prova do crime"

Dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (selecção de CM), sobre dois temas interessantes:
A noção de bando e a prova indirecta do facto criminoso
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I - O bando introduz uma perigosidade acrescida tanto na execução do furto como no seu resultado; tal qualificativa (prevista na al. f) do n.º 2 do art. 204.º), como as demais, à excepção do valor, é de funcionamento ipso facto, como presunção de que, in casu, se verifica uma exasperação especial da ilicitude ou da culpa; se, porém, se demonstrar o contrário, as qualificativas serão afastadas, em termos tais que o funcionamento é automático – entendimento sustentado por Lopes Rocha (Jornadas de Direito Criminal, CEJ, págs. 375-376), Maia Gonçalves (Comentário ao CP) e Figueiredo Dias (2.ª Sessão da CRCP, em 14-05-1990), para quem «com a introdução de dois escalões – com o que se erigiu um novo sistema – será muito difícil fugir ao funcionamento automático das circunstâncias.»
II - O bando é um grupo social ou institucionalizado com relativa autonomia sociológica e psicológica que, dadas as suas características, pode desaguar na criminalidade incontrolada, pela mobilidade que lhe é própria (Ac. deste STJ de 07-03-1997, Proc. n.º 10/97).
III - A situação do bando visa abarcar aquelas situações de pluralidade de agentes – dois apenas, segundo alguns autores, necessariamente mais do que dois, segundo outros – actuando de uma forma voluntária e concertada, com uma incipiente estruturação de funções que, embora mais graves do que a co-autoria e menos do que a associação criminosa, por nelas inexistir uma organização estruturada, sem níveis de hierarquias de comando, de divisão de tarefas ou estruturação de funções; o bando é um grupo inorgânico destinado à prática reiterada de delitos – Ac. deste STJ de 01-10-1997, Proc. n.º 627/97 - 3.ª.
IV - O bando, situa-se, de acordo com as melhores regras interpretativas, a meio caminho entre a co-autoria e associação, recuperando o Ac. deste STJ de 05.02.2003, Proc. n.º 280/02 - 5.ª, a definição de bando encetada no Ac. de 24-02-1999, Rec. n.º 1136/99 - 3.ª, aferida com maior precisão no Ac. de 04-06-2002, Proc. n.º 1218 /02 - 3.ª, reeditada no Ac. da 5.ª secção deste STJ prolatado no Proc. n.º 280 em 05-02-2003, mas dentro da fidelidade ao esquema de que o bando é um minus, integrante do tipo, relativamente à associação, um grupo desarticulado, em que os seus membros gozam de relativa autonomia, mas visando a prática de crimes em comum, sem líder, distribuição de tarefas e especialização.
V - O furto cometido por membro de bando destinado à prática de crimes contra o património, com a colaboração de, pelo menos, outro membro, expõe o agente à pena de 2 a 8 anos de prisão. Bastará qualquer forma de participação, mas uma acção isolada de um dos membros do bando não é suficiente, como se disse, para a qualificação.
AcSTJ de 12-09-2007 Proc. n.º 2605/07 - 3.ª Secção: Relator. Cons. Armindo Monteiro
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I - A prova do facto criminoso nem sempre é directa, de percepção imediata; muitas vezes é necessário fazer uso dos indícios.
II - “Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua actuação pelo que, evidentemente, é frequente a ausência de provas directas. Exigir a todo o custo, a existência destas provas implicaria o fracasso do processo penal ou, para evitar tal situação, haveria de forçar-se a confissão o que, como é sabido, constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e o seu máximo expoente: a tortura” (J. M. Asencio Melado, Presunción de Inocência y Prueba Indiciária, 1992, citado por Euclides Dâmaso Simões, in Prova Indiciária, Revista Julgar, n.º 2, 2007, pág. 205).
III - Indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão, firme, segura e sólida de outro facto; a indução parte do particular para o geral e, apesar de ser prova indirecta, tem a mesma força que a testemunhal, a documental ou outra.
IV - A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova directa (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência.
V - O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência.12-AcSTJ de 09-2007 Proc. n.º 4588/07 - 3.ª Secção, Relator: Cons. Armindo Monteiro