quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Dia-a-dia

* Diário da República n.º 167, Série I, de 2011-08-31
* Tribunais (alguns)

terça-feira, 30 de agosto de 2011

O Juízo de Instrução Criminal

Teve mau nome e pior cheiro o Juízo de Instrução Criminal. Criado como instrumento de repressão aos republicanos, só nominalmente se diria que era servido por um juiz. A propósito do que ele simbolizava escreveria mais tarde Francisco Salgado Zenha que para se ser juiz não basta envergar beca de juiz, é preciso ter-se alma de juiz. Lembrei-me disto tudo e do que sobre tal instituição escreveu Aquilino Ribeiro no livro de memórias "Um Escritor Confessa-se", quando. bombista detido, foi apresentado ao juiz Veiga, porque calhou encontrar num alfarrabista o opúsculo, no fundo o panfleto, que, vibrante e irado, contra ele escreveu o Advogado José de Castro. Causídico com escritório na Rua de São Julião,, n.º 118, em Lisboa. Chamou-lhe, para que nessa frase se resumisse o que queria dizer, «O Maior Crime do Regime». 
Sobre as leis que lhe deram vida a tal persecutória instituição verteu no pórtico da magra publicação: «as disposições d'esta vergonha nacional parecem inspiradas por Machiavel, escriptas por Torquemada, interpretadas e executadas por Telles Jordão». 
Imagina-se o que possa ser nele o anátema contra o arbítrio, os poderes superavitários, o espírito liberticida com o qual foi criado e mantido, o ressentimento que causou: «os sujos calabouços do Juízo d'Instrução Criminal teem produzido mais revoltados que a melhor escola d'anarchismo», acusou José de Castro.
Toda a violência gera a violência que combate.

Dia-a-dia

* Diário da República n.º 166, Série I, de 2011-08-30

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O Advogado de Deus

Talvez tenha uma atracção mal explicada por todos quantos saíram do Direito para outras actividades, nomeadamente aqueles que eu digo, maldosamente, procuraram asilo nas Artes e na Literatura. Só a escrita recebeu uma boa leva deles. 
Talvez isso suceda porque ante a secura das leis a alma procure qualquer outro alimento mais suculento com que matar a sua sede de vida ou talvez porque pelos labirintos da Justiça passam almas mais penadas que na melhor narrativa de ficção. 
Do ponto de vista estrito do acto de escrever sempre me causou viva impressão a que tem como destino final os fólios dos processos, quais corpos inertes em esquifes, condenados ao pó do esquecimento. 
A melhor prosa forense, a mais burilada sentença, a mais refinada acusação serão um dia - salvo raríssimas excepções históricas - afinal um nada literário na memória dos seus autores e daqueles que forem seus forçados leitores.
Correspondendo ao repto que aqui me foi lançado pelo Simas Santos e pelo Lemos da Costa, vou voltar. Não falarei propriamente do Direito no esquemático da sua literalidade, nem no denso da sua legitimação. Talvez sobre os pretextos que a vida lhe deu para se ensaiar como Justiça.
Dito agora, deste momento em que é impossível exemplificar antecipando o exemplo, o leitor teme que sejam vacuidades sazonais, fruto ainda da preguiça do tardio Verão. Espero conseguir melhor do que isso. 
No momento em que escrevo lembro-me, como intróito de prédica, de um homem que foi advogado até que um processo de inventário lhe matou a paciência causídica. A partir daí, escritor, editor, prosélito, tornou-se advogado de Deus, conversando com ele, num mundo dos diabos. Chama-se - porque os grandes vultos não morrem nunca - António Alçada Baptista, Começo com ele. 
A sua editora, a Moraes, ali a São Carlos, por onde o chic se tornou hoje num café, editou, por exemplo, o Formulário e um Código de Processo Penal do juiz Pinheiro Farinha. E tanta outra obra, sobretudo a que trouxe aos portugueses o personalismo cristão. E depois foi O Tempo e o Modo que acabou às mãos do MRPP. Esgotou o dinheiro que tinha e o que lhe emprestaram por uma causa. Advogado uma vez, advogado sempre.

Dia-a-dia

* Diário da República n.º 165, Série I, de 2011-08-29

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Dia-a-dia

* Diário da República n.º 163, Série I, de 2011-08-25
* Tribunais e Ministério Público (alguns escolhidos)

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Justiça em três meses


No caso Strauss-Kahn, sabemos que não foi possível provar nada “além da dúvida razoável”
A 14 de Maio, Dominique Strauss-Kahn, director do FMI, estava dentro de um avião quando a polícia o prendeu por suspeita de abuso sexual. Ontem, três meses depois, as acusações foram retiradas, Strauss-Kahn foi libertado e o caso encerrado.
Não deixa de ser extraordinário - num caso que é isso mesmo do princípio ao fim -, que em apenas três meses se tenha feito justiça. Há uma leitura possível deste desfecho: um homem branco e poderoso conseguiu esmagar legalmente uma imigrante africana, humilhando-a e, ao mesmo tempo, dando um sinal universal às mulheres que, no futuro, venham a ser vítimas de abusos sexuais. Mas há outra leitura, talvez mais correcta: dois advogados, ambos excelentes e famosos, trabalharam os seus casos e a justiça fez, e fez-se depressa.
Strauss-Kahn contratou Benjamin Brafman, que defendeu Michael Jackson e outras estrelas americanas. Nafissatou Diallo, a empregada do hotel, teve Kenneth P. Thompson a defendê-la, um homem que em Nova Iorque todos conhecem como o procurador que pôs na prisão os polícias que foram acusados de uma dos mais horríveis actos de brutalidade policial na história da cidade contra um imigrante negro, o famoso “caso Abner Louima”.
A mulher que apresentou queixa contra Strauss-Kahn mentiu várias vezes e isso destruiu o caso. Não é relevante que tenha mentido na sua documentação para conseguir entrar nos EUA, mas é relevante que tenha mentido sobre o caso, mudado a versão dos acontecimentos várias vezes e falado ao seu namorado em extorquir dinheiro. Perdeu a credibilidade, o caso foi encerrado. Nunca saberemos o que aconteceu naquele quarto de hotel e se o sexo foi ou não consensual. Mas sabemos que não era possível provar fosse o que fosse “além da dúvida razoável”.
Público, 24 de Agosto de 2011
Editorial

Casa da Supplicação


Livre apreciação da prova * fundamentação * sentença * motivação * regras da experiência comum * causalidade adequada * indícios * in dubio pro reo * homicídio qualificado * culpa * ilicitude * medida concreta da pena

1 - Momento fundamental em processo penal é o julgamento com o objectivo de produzir uma decisão que comprove, ou não, os factos constantes do libelo acusatório e, assim, concretizar, ou não, a respectiva responsabilidade criminal. Nessa concretização o julgador aprecia livremente a prova produzida com sujeição às respectivas regras processuais de produção aos juízos de normalidade comuns a qualquer cidadão bem como às regras de experiência que integram o património cultural comum e decide sobre a demonstração daqueles factos, extraindo, em seguida, as conclusões inerentes à aplicação do direito.
2 - Perante os intervenientes processuais, e perante a comunidade, a decisão a proferir tem de ser clara, transparente, permitindo acompanhar de forma linear a forma como se desenvolveu o raciocínio que culminou com a decisão sobre a matéria de facto e, também, sobre a matéria de direito. Estamos assim perante a obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador, ou seja, na obrigação de exposição dos motivos de facto e de direito que há-de fundamentar a decisão.
3 - A mesma fundamentação implica um exame crítico da prova que se situa nos limites propostos, ente outros, pelo Ac. do TC 680/98, e que já tinha adquirido foros de autonomia também a nível do STJ com a consagração de um dever de fundamentação no sentido de que a sentença há-de conter também os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num sentido, ou seja, um exame crítico sobe as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido
4 - Como refere Letizia Gianformaggio motivar significa justificar. E justificar significa justificar-se dar a razão do trabalho produzido admitindo como linha de princípio a legitimidade das críticas formuladas ou seja a legitimidade de um controle.
5 - A exigência de motivação responde, assim, a uma finalidade do controle do discurso, neste caso probatório, do juiz com o objectivo de garantir até ao limite de possível a racionalidade da sua decisão, dentro dos limites da racionalidade legal. Um controle que não só visa uma procedência externa como também pode determinar o próprio juiz, implicando-o e comprometendo-o na decisão evitando uma aceitação acrítica como convicção de algumas das perigosas sugestões assentes unicamente numa certeza subjectiva
6 - Também Paulo Saragoça da Mata se pronuncia sobre o tema referindo que a fundamentação das sentenças consistirá num elenco das provas carreadas para o processo que se consubstanciará numa análise crítica e racional dos motivos que levaram a conferir relevância a determinadas provas e a negar importância a outras; numa concatenação racional e lógica das provas relevantes e dos factos investigados (o que permitirá arrolar e arrumar lógica e metodologicamente os factos provados e não provados); e numa apreciação dos factos considerados assentes à luz do direito vigente.
7 - A motivação existirá, e será suficiente, sempre que com ela se consiga conhecer as razões do decisor. É evidente que o dever de fundamentação da decisão começa, e acaba, nos precisos termos que são exigidos pela exigência de tornar clara a lógica de raciocínio que foi seguida. Não conforma tal conceito uma obrigação de explanação de todas as possibilidades teóricas de conceptualizar a forma como se desenrolou a dinâmica dos factos em determinada situação e muito menos de equacionar todas as perplexidades que assaltam a cada um dos intervenientes processuais, no caso o arguido, perante os factos provados.
8 - O tribunal tem o dever de indicar os factos que se provam e os que não se provam e a forma como alcançou a respectiva conclusão. Por seu turno, aquele que discorda da forma como se formou tal conclusão e caso lhe assista o respectivo direito de recurso virá indicar aquilo de que discorda e o motivo que discorda.
9 - Se em face das premissas que constituem a matéria de facto, o julgador ensaia um salto lógico no desconhecido dando por adquirido aquilo que não é suportável à face da experiência comum pode-se afirmar a existência do vício do erro notório. Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis (Simas Santos e Leal Henriques, C.P.Penal Anotado, II vol., pág. 740).
10 - A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da (in)existência dos vícios do art.º 410.º, n.º 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na al. c).do citado normativo.
11 - Não faz a nossa lei processual penal qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária, pelo que o funcionamento e creditação desta estão dependente da convicção do julgador que, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável.
12 - Para Jaime Torres, Presuncion de incencia y prueba en el processo penal, pág 65, importa distinguir dois tipos diferentes de regra de experiência: as regras de experiência de conhecimento geral ou, dito por outra forma, as regras gerais empíricas cujo conhecimento se pressupõe existente em qualquer pessoa que tenha um determinado nível de formação geral e, por outro lado, as máximas de experiência especializada cujo conhecimento só se pode supor em sujeitos que tenham uma formação especifica num determinado ramo de ciência, técnica ou arte.
13 - Usando tais regras de experiência entendemos que o juiz pode utilizar livremente, sem necessidade de prova sobre elas, as regras de experiência cujo conhecimento se pode supor numa pessoa com a sua formação (concretamente formação universitária no campo das ciências sociais). O próprio ordenamento jurídico parte da liberdade do juiz para utilizar estas máximas da experiência de conhecimento geral sem que as mesmas se inscrevam no processo através da produção de prova.
14 - As razões que fundamentam a liberdade do juiz para a utilização dos seus conhecimentos de máxima da experiência são as mesmas que impõem a desnecessidade de fixação de factos notórios. Em qualquer um destes casos o que se pede ao juiz é que utilize os seus conhecimentos sobre máximas da experiência comum sem que importe a forma como os adquiriu.
15 - A necessidade de controle dos instrumentos através dos quais o juiz adquire a sua convicção sobre a prova visa assegurar que os mesmos se fundamentam em meios racionalmente aptos para proporcionar o conhecimento dos factos e não em meras suspeitas ou intuições ou em formas de averiguação de escassa ou nula fiabilidade. Igualmente se pretende que os elementos que o julgador teve em conta na formação do seu convencimento demonstrem a fidelidade as formalidades legais e as garantias constitucionais.
16 - As regras da experiência, ou regras de vida, como ensinamentos empíricos que o simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano e que se obtém mediante uma generalização de diversos casos concretos tendem a repetir-se ou reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte efectuar a generalização.             Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseia na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa ou porque se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária.
17 - O princípio da causalidade significa formalmente que a todo o efeito precede uma causa determinada, ou seja, quando nos encontramos face a um efeito podemos presumir a presença da sua causa normal. Dito por outra forma, aceite uma causa, normalmente deve produzir-se um determinado efeito e, na inversa, aceite um efeito deve considerar-se como verificada uma determinada causa. O princípio da oportunidade fundamenta a eleição da concreta causa produtora do efeito para a hipótese de se apresentarem como abstractamente possíveis várias causas. A análise das características próprias do facto permitirá excluir normalmente a presença de um certo número de causas pelo que a investigação fica reduzida a uma só causa que poderá considerar-se normalmente como a única produtora do efeito. Provado no caso concreto tal efeito deverá considerar-se provada a existência da causa.
18 - Num hipotético conflito entre a convicção em consciência do julgador no sentido da culpabilidade do arguido e uma valoração da prova que não é capaz de fundamentar tal convicção será esta que terá de prevalecer. Para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com géneses em material probatório, é suficiente para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória. Significa o exposto que não basta a certeza moral mas é necessária a certeza fundada numa sólida produção de prova.
19 - A forma como se explana aquela prova fundando a convicção do julgador tem de estar bem patente o que se torna ainda mais evidente no caso da prova indiciária pois que aqui, e para alem do funcionamento de factores ligados a um segmento de subjectividade que estão inerente aos principio da imediação e oralidade, está, também, presente um factor objectivo, de rigor lógico que se consubstancia na existência daquela relação de normalidade, de causa para efeito, entre o indicio e a presunção que dele se extrai.
20 - Como tal a enunciação da prova indiciária como fundamento da convicção do juiz tem de se expressar no catalogar dos factos base ou indícios que se considere provados e que vão servir de fundamento à dedução ou inferência e, ainda, que na sentença se explicite o raciocínio através do qual e partindo de tais indícios se concluiu pela verificação do facto punível e da participação do arguido no mesmo. Esta explicitação ainda que sintética é essencial para avaliar da racionalidade da inferência.
21 - Na prova indiciária devem estar presentes condições relativas aos factos indiciadores; à combinação ou síntese dos indícios; à indiciária combinação das inferências indiciárias; e à conclusão das mesmas.
22 - Assim:
- 1 ) Os indícios devem estar comprovados e é relevante que esta comprovação resulte de prova directa, o que não obsta a que a prova possa ser composta, utilizando-se, para o efeito, provas directas imperfeitas ou seja insuficientes para produzir cada uma em separado prova plena.
- 2) Os factos indiciadores devem ser objecto de análise crítica dirigida à sua verificação, precisão e avaliação o que permitirá a sua interpretação como graves, média ou ligeiras.
- 3) Os indícios devem também ser independentes e, consequentemente, não devem considerar-se como diferentes os que constituam momentos, ou partes sucessivas, de um mesmo facto.
- 4) Quando não se fundamentem em leis naturais que não admitem excepção os indícios devem ser vários.
- 5) Os indícios devem ser concordantes, ou seja, devem conjugar-se entre si, de maneira a produzir um todo coerente e natural, no qual cada facto indiciário tome a sua respectiva colocação quanto ao tempo, ao lugar e demais circunstancias.
- 6) As inferências devem ser convergentes ou seja não podem conduzir a conclusões diversas.
- 7) Por igual forma deve estar afastada a existência de contra indícios pois que tal existência cria uma situação de desarmonia que faz perder a clareza e poder de convicção ao quadro global da prova indiciária.
23 - O princípio in dubio pro reo, constitucionalmente fundado no princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (art. 32.º, n.º 2, da CRP), vale só em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito. Aqui, a única solução correcta residirá em escolher não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto. Relativamente, porém, ao facto sujeito a julgamento o princípio aplica-se sem qualquer limitação e, portanto, não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude e da culpa, às condições objectivas de punibilidade, bem como às circunstâncias modificativas atenuantes e, em geral, a todas as circunstâncias relevantes em matéria de determinação da medida da pena que tenham por efeito a não aplicação da pena ao arguido ou a diminuição da pena concreta, Em todos estes casos, a prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido.
24 - Conforme refere Figueiredo Dias a sindicância do respeito pelo princípio em causa configura uma questão de direito pois que se trata de um princípio geral do processo penal, pelo que a sua violação conforma uma autêntica questão de direito que cabe, como tal, na cognição do STJ e das Relações ainda que estas conheçam apenas de direito. Nem contra isto está o facto de dever ser considerado como princípio de prova, mesmo que assente na lógica e na experiência (e por isso mesmo), conforma ele um daqueles princípios que devem ter a sua revisibilidade assegurada, mesmo perante o entendimento mais estrito e ultrapassado do que seja uma "questão de direito" para efeito do recurso de revista.
25 - A qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação sendo um tipo de culpa. Seguindo Roxin, por tipo de culpa entende-se aquele que na descrição típica da conduta contem elementos da culpa que integra factores relativos à actuação do agente que estão relacionados com a culpa mais grave ou mais atenuada. A culpa consiste no juízo de censura dirigido ao agente pelo facto deste ter actuado em desconformidade com a ordem jurídica quando podia, e devia, ter actuado em conformidade com esta, sendo uma desaprovação sobe a conduta do agente.
26 - O juízo de censura, ou desaprovação, é susceptível de se revelar maior ou menor sendo, por natureza, graduável e dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta traduzindo igualmente um juízo de exigibilidade determinado pela vinculação de cada um a conformar-se pela actuação de acordo com as regras estipuladas pela ordem jurídica superando as proibições impostas. Em suma, o agente actua culposamente quando realiza um facto ilícito podendo captar o efeito de chamada de atenção da norma na situação concreta em que desenvolveu a sua conduta e, possuindo uma capacidade suficiente de auto controlo, e poderia optar por uma alternativa de comportamento.
27 - O especial tipo de culpa do homicídio qualificado é conformado através da especial censurabilidade ou perversidade do agente
28 - O crime de homicídio constitui uma violação do bem mais precioso de qualquer pessoa que é a própria vida e, como tal, será sempre inadmissível. Porém, o processo causal que leva à consumação de tal crime, isto é, a dinâmica de emoções e sentimentos que lhe esta associada assume uma policromia por tal forma plurifacetada que, necessariamente, terá de lhe corresponder uma maior, ou menor, compreensão da sua génese. Por outras palavras dir-se-á que, sendo sempre o objecto da mais viva reprovação jurídico criminal, o homicídio pode ter na sua origem uma situação que face à experiência comum poderia conduzir àquele desenlace (v.g., o confronto extremo para desagravo da honra: a defesa de bens que se consideram essenciais)
29 - Porém, casos existem em que o homicídio surge numa situação em que de todo não era expectável porquanto os motivos que lhe estão na causa são mínimos; são razões menores. A prática do crime surge aqui como resultado de um processo pautado pela ilógica, ou de plena irracionalidade, em que uma culpa do agente acentuada por um alto grau de censurabilidade leva a tirar a vida a alguém por razões fúteis.
30 - No caso concreto, mostrando-se assente a prática de um crime de homicídio praticado com manifesta superioridade em razão da arma; com um tiro nas costas por razões fúteis ou de menor relevância (acções judiciais para impugnação da paternidade de um neto da vítima), em que se detecta uma culpa profunda; um dolo intenso e uma ilicitude densa, a pena aplicada de 20 anos de prisão não merece qualquer censura, sendo de confirmar a decisão recorrida.
AcSTJ de 23-02-2011, Proc. n.º 241/08.2GAMTR.P1.S2-3, Relator: Conselheiro Santos Cabral

Estatísticas prisionais nos EUA

Um estudo da American Civil Liberties Union, dado a conhecer por Nuno Lemos Jorge no Facebook
June 17, 2011
The war on drugs has helped make the U.S. the world's largest incarcerator.

America’s criminal justice system should keep communities safe, treat people fairly, and use fiscal resources wisely. But more Americans are deprived of their liberty than ever before - unfairly and unnecessarily, with no benefit to public safety. Especially in the face of economic crisis, our government should invest in alternatives to incarceration and make prisons options of last – not first – resort.

Dia-a-dia

Diário da República n.º 162, Série I, de 2011-08-24
Conselho Superior da Magistratura: Nomeia Manuel Joaquim Alves Gonçalves secretário de inspecções judiciais

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Criminalização


Baker, Dennis J., The right not to be criminalized: demarcating criminal Law's authority, Ashgate Publishing Limited, Reino Unido2011, ISBN: 9781409427650
Da apresentação:This book presents arguments and proposals for constraining criminalization, with a focus on the legal limits of the criminal law. This book approaches the issue by showing how the moral criteria for constraining unjust criminalization can and has been incorporated into constitutional human rights and thus provides a legal right not to be unfairly criminalized. This book sets out the constitutional limits of the substantive criminal law. As far as specific constitutional rights operate to protect specific freedoms, for example, free speech, freedom of religion, privacy, etc, the right not to be criminalized has proved to be a rather powerful justice constraint in the U.S. Yet the general right not to be criminalized has not been fully embraced in either the U.S. or Europe, although it does exist. This volume lays out the legal foundations of that right and the criteria for determining when the state might override it. This book will be of interest to researchers in the areas of legal philosophy, criminal law, constitutional law, and criminology.

APRESENTAÇÃO DA OBRA JUSTIÇA E SOCIEDADE


justica_e_sociedade
A Almedina e a Associação de Juízes pela Cidadania, têm o prazer de convidar V. Exa. para a apresentação do livro Justiça e SociedadeA apresentação teve lugar no dia 23 de Julho de 2009, na Livraria Almedina Oriente, Edifício Infante, Av. D. João II, Lote 1.16.05 – Fracção B – Loja piso 1, em Lisboa. A obra terá sido apresentada pelo Dr. José Manuel Fernandes (Director do Jornal Público) e pelo Dr. Eduardo Dâmaso (Director-Adjunto do Correio de Manhã)

Dia-a-dia

• Diário da República n.º 161, Série I, de 2011-08-23

Casa da Supplicação


Livre apreciação da prova * fundamentação * sentença * motivação * regras da experiência comum * 
causalidade adequada * indícios * in dubio pro reo * homicídio qualificado * culpa * ilicitude * medida concreta da pena

I - Momento fundamental em processo penal é o julgamento com o objectivo de produzir uma decisão que comprove, ou não, os factos constantes do libelo acusatório e, assim, concretizar, ou não, a respectiva responsabilidade criminal. Nessa concretização o julgador aprecia livremente a prova produzida com sujeição às respectivas regras processuais de produção aos juízos de normalidade comuns a qualquer cidadão bem como às regras de experiência que integram o património cultural comum e decide sobre a demonstração daqueles factos, extraindo, em seguida, as conclusões inerentes à aplicação do direito.
II - Perante os intervenientes processuais, e perante a comunidade, a decisão a proferir tem de ser clara, transparente, permitindo acompanhar de forma linear a forma como se desenvolveu o raciocínio que culminou com a decisão sobre a matéria de facto e, também, sobre a matéria de direito. Estamos assim perante a obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador, ou seja, na obrigação de exposição dos motivos de facto e de direito que há-de fundamentar a decisão.
III - A mesma fundamentação implica um exame crítico da prova que se situa nos limites propostos, ente outros, pelo Ac. do TC 680/98, e que já tinha adquirido foros de autonomia também a nível do STJ com a consagração de um dever de fundamentação no sentido de que a sentença há-de conter também os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num sentido, ou seja, um exame crítico sobe as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido
IV - Como refere Letizia Gianformaggio motivar significa justificar. E justificar significa justificar-se dar a razão do trabalho produzido admitindo como linha de princípio a legitimidade das críticas formuladas ou seja a legitimidade de um controle.
V - A exigência de motivação responde, assim, a uma finalidade do controle do discurso, neste caso probatório, do juiz com o objectivo de garantir até ao limite de possível a racionalidade da sua decisão, dentro dos limites da racionalidade legal. Um controle que não só visa uma procedência externa como também pode determinar o próprio juiz, implicando-o e comprometendo-o na decisão evitando uma aceitação acrítica como convicção de algumas das perigosas sugestões assentes unicamente numa certeza subjectiva
VI - Também Paulo Saragoça da Mata se pronuncia sobre o tema referindo que a fundamentação das sentenças consistirá num elenco das provas carreadas para o processo que se consubstanciará numa análise crítica e racional dos motivos que levaram a conferir relevância a determinadas provas e a negar importância a outras; numa concatenação racional e lógica das provas relevantes e dos factos investigados (o que permitirá arrolar e arrumar lógica e metodologicamente os factos provados e não provados); e numa apreciação dos factos considerados assentes à luz do direito vigente.
VII - A motivação existirá, e será suficiente, sempre que com ela se consiga conhecer as razões do decisor. É evidente que o dever de fundamentação da decisão começa, e acaba, nos precisos termos que são exigidos pela exigência de tornar clara a lógica de raciocínio que foi seguida. Não conforma tal conceito uma obrigação de explanação de todas as possibilidades teóricas de conceptualizar a forma como se desenrolou a dinâmica dos factos em determinada situação e muito menos de equacionar todas as perplexidades que assaltam a cada um dos intervenientes processuais, no caso o arguido, perante os factos provados.
VIII - O tribunal tem o dever de indicar os factos que se provam e os que não se provam e a forma como alcançou a respectiva conclusão. Por seu turno, aquele que discorda da forma como se formou tal conclusão e caso lhe assista o respectivo direito de recurso virá indicar aquilo de que discorda e o motivo que discorda.
IX - Se em face das premissas que constituem a matéria de facto, o julgador ensaia um salto lógico no desconhecido dando por adquirido aquilo que não é suportável à face da experiência comum pode-se afirmar a existência do vício do erro notório. Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis (Simas Santos e Leal Henriques, C.P.Penal Anotado, II vol., pág. 740).
X - A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da (in)existência dos vícios do art.º 410.º, n.º 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na al. c).do citado normativo.
XI - Não faz a nossa lei processual penal qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária, pelo que o funcionamento e creditação desta estão dependente da convicção do julgador que, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável.
XII - Para Jaime Torres, Presuncion de incencia y prueba en el processo penal, pág 65, importa distinguir dois tipos diferentes de regra de experiência: as regras de experiência de conhecimento geral ou, dito por outra forma, as regras gerais empíricas cujo conhecimento se pressupõe existente em qualquer pessoa que tenha um determinado nível de formação geral e, por outro lado, as máximas de experiência especializada cujo conhecimento só se pode supor em sujeitos que tenham uma formação especifica num determinado ramo de ciência, técnica ou arte.
XIII - Usando tais regras de experiência entendemos que o juiz pode utilizar livremente, sem necessidade de prova sobre elas, as regras de experiência cujo conhecimento se pode supor numa pessoa com a sua formação (concretamente formação universitária no campo das ciências sociais). O próprio ordenamento jurídico parte da liberdade do juiz para utilizar estas máximas da experiência de conhecimento geral sem que as mesmas se inscrevam no processo através da produção de prova.
XIV - As razões que fundamentam a liberdade do juiz para a utilização dos seus conhecimentos de máxima da experiência são as mesmas que impõem a desnecessidade de fixação de factos notórios. Em qualquer um destes casos o que se pede ao juiz é que utilize os seus conhecimentos sobre máximas da experiência comum sem que importe a forma como os adquiriu.
XV - A necessidade de controle dos instrumentos através dos quais o juiz adquire a sua convicção sobre a prova visa assegurar que os mesmos se fundamentam em meios racionalmente aptos para proporcionar o conhecimento dos factos e não em meras suspeitas ou intuições ou em formas de averiguação de escassa ou nula fiabilidade. Igualmente se pretende que os elementos que o julgador teve em conta na formação do seu convencimento demonstrem a fidelidade as formalidades legais e as garantias constitucionais.
XVI - As regras da experiência, ou regras de vida, como ensinamentos empíricos que o simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano e que se obtém mediante uma generalização de diversos casos concretos tendem a repetir-se ou reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte efectuar a generalização.             Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseia na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa ou porque se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária.
XVII - O princípio da causalidade significa formalmente que a todo o efeito precede uma causa determinada, ou seja, quando nos encontramos face a um efeito podemos presumir a presença da sua causa normal. Dito por outra forma, aceite uma causa, normalmente deve produzir-se um determinado efeito e, na inversa, aceite um efeito deve considerar-se como verificada uma determinada causa. O princípio da oportunidade fundamenta a eleição da concreta causa produtora do efeito para a hipótese de se apresentarem como abstractamente possíveis várias causas. A análise das características próprias do facto permitirá excluir normalmente a presença de um certo número de causas pelo que a investigação fica reduzida a uma só causa que poderá considerar-se normalmente como a única produtora do efeito. Provado no caso concreto tal efeito deverá considerar-se provada a existência da causa.
XVIII - Num hipotético conflito entre a convicção em consciência do julgador no sentido da culpabilidade do arguido e uma valoração da prova que não é capaz de fundamentar tal convicção será esta que terá de prevalecer. Para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com géneses em material probatório, é suficiente para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória. Significa o exposto que não basta a certeza moral mas é necessária a certeza fundada numa sólida produção de prova.
XIX - A forma como se explana aquela prova fundando a convicção do julgador tem de estar bem patente o que se torna ainda mais evidente no caso da prova indiciária pois que aqui, e para alem do funcionamento de factores ligados a um segmento de subjectividade que estão inerente aos principio da imediação e oralidade, está, também, presente um factor objectivo, de rigor lógico que se consubstancia na existência daquela relação de normalidade, de causa para efeito, entre o indicio e a presunção que dele se extrai.
XX - Como tal a enunciação da prova indiciária como fundamento da convicção do juiz tem de se expressar no catalogar dos factos base ou indícios que se considere provados e que vão servir de fundamento à dedução ou inferência e, ainda, que na sentença se explicite o raciocínio através do qual e partindo de tais indícios se concluiu pela verificação do facto punível e da participação do arguido no mesmo. Esta explicitação ainda que sintética é essencial para avaliar da racionalidade da inferência.
XXI - Na prova indiciária devem estar presentes condições relativas aos factos indiciadores; à combinação ou síntese dos indícios; à indiciária combinação das inferências indiciárias; e à conclusão das mesmas.
XXII - Assim:
- 1 ) Os indícios devem estar comprovados e é relevante que esta comprovação resulte de prova directa, o que não obsta a que a prova possa ser composta, utilizando-se, para o efeito, provas directas imperfeitas ou seja insuficientes para produzir cada uma em separado prova plena.
- 2) Os factos indiciadores devem ser objecto de análise crítica dirigida à sua verificação, precisão e avaliação o que permitirá a sua interpretação como graves, média ou ligeiras.
- 3) Os indícios devem também ser independentes e, consequentemente, não devem considerar-se como diferentes os que constituam momentos, ou partes sucessivas, de um mesmo facto.
- 4) Quando não se fundamentem em leis naturais que não admitem excepção os indícios devem ser vários.
- 5) Os indícios devem ser concordantes, ou seja, devem conjugar-se entre si, de maneira a produzir um todo coerente e natural, no qual cada facto indiciário tome a sua respectiva colocação quanto ao tempo, ao lugar e demais circunstancias.
- 6) As inferências devem ser convergentes ou seja não podem conduzir a conclusões diversas.
- 7) Por igual forma deve estar afastada a existência de contra indícios pois que tal existência cria uma situação de desarmonia que faz perder a clareza e poder de convicção ao quadro global da prova indiciária.
XXIII - O princípio in dubio pro reo, constitucionalmente fundado no princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (art. 32.º, n.º 2, da CRP), vale só em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito. Aqui, a única solução correcta residirá em escolher não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto. Relativamente, porém, ao facto sujeito a julgamento o princípio aplica-se sem qualquer limitação e, portanto, não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude e da culpa, às condições objectivas de punibilidade, bem como às circunstâncias modificativas atenuantes e, em geral, a todas as circunstâncias relevantes em matéria de determinação da medida da pena que tenham por efeito a não aplicação da pena ao arguido ou a diminuição da pena concreta, Em todos estes casos, a prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido.
XXIV - Conforme refere Figueiredo Dias a sindicância do respeito pelo princípio em causa configura uma questão de direito pois que se trata de um princípio geral do processo penal, pelo que a sua violação conforma uma autêntica questão de direito que cabe, como tal, na cognição do STJ e das Relações ainda que estas conheçam apenas de direito. Nem contra isto está o facto de dever ser considerado como princípio de prova, mesmo que assente na lógica e na experiência (e por isso mesmo), conforma ele um daqueles princípios que devem ter a sua revisibilidade assegurada, mesmo perante o entendimento mais estrito e ultrapassado do que seja uma "questão de direito" para efeito do recurso de revista.
XXV - A qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação sendo um tipo de culpa. Seguindo Roxin, por tipo de culpa entende-se aquele que na descrição típica da conduta contem elementos da culpa que integra factores relativos à actuação do agente que estão relacionados com a culpa mais grave ou mais atenuada. A culpa consiste no juízo de censura dirigido ao agente pelo facto deste ter actuado em desconformidade com a ordem jurídica quando podia, e devia, ter actuado em conformidade com esta, sendo uma desaprovação sobe a conduta do agente.
XXVI - O juízo de censura, ou desaprovação, é susceptível de se revelar maior ou menor sendo, por natureza, graduável e dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta traduzindo igualmente um juízo de exigibilidade determinado pela vinculação de cada um a conformar-se pela actuação de acordo com as regras estipuladas pela ordem jurídica superando as proibições impostas. Em suma, o agente actua culposamente quando realiza um facto ilícito podendo captar o efeito de chamada de atenção da norma na situação concreta em que desenvolveu a sua conduta e, possuindo uma capacidade suficiente de auto controlo, e poderia optar por uma alternativa de comportamento.
XXVII - O especial tipo de culpa do homicídio qualificado é conformado através da especial censurabilidade ou perversidade do agente
XXVIII - O crime de homicídio constitui uma violação do bem mais precioso de qualquer pessoa que é a própria vida e, como tal, será sempre inadmissível. Porém, o processo causal que leva à consumação de tal crime, isto é, a dinâmica de emoções e sentimentos que lhe esta associada assume uma policromia por tal forma plurifacetada que, necessariamente, terá de lhe corresponder uma maior, ou menor, compreensão da sua génese. Por outras palavras dir-se-á que, sendo sempre o objecto da mais viva reprovação jurídico criminal, o homicídio pode ter na sua origem uma situação que face à experiência comum poderia conduzir àquele desenlace (v.g., o confronto extremo para desagravo da honra: a defesa de bens que se consideram essenciais)
XXIX - Porém, casos existem em que o homicídio surge numa situação em que de todo não era expectável porquanto os motivos que lhe estão na causa são mínimos; são razões menores. A prática do crime surge aqui como resultado de um processo pautado pela ilógica, ou de plena irracionalidade, em que uma culpa do agente acentuada por um alto grau de censurabilidade leva a tirar a vida a alguém por razões fúteis.
XXX - No caso concreto, mostrando-se assente a prática de um crime de homicídio praticado com manifesta superioridade em razão da arma; com um tiro nas costas por razões fúteis ou de menor relevância (acções judiciais para impugnação da paternidade de um neto da vítima), em que se detecta uma culpa profunda; um dolo intenso e uma ilicitude densa, a pena aplicada de 20 anos de prisão não merece qualquer censura, sendo de confirmar a decisão recorrida.
AcSTJ de 23-02-2011, Proc. n.º 241/08.2GAMTR.P1.S2-3, Relator Conselheiro Santos Cabral

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Casa da Supplicação (recurso de revisão - Março 2011)


Recurso de revisão - direitos de defesa - assistente - legitimidade - caso julgado - notificação - sentença - trânsito em julgado - rejeição de recurso - manifesta improcedência
I – As garantias do processo criminal não se cingem à perspectiva de garantias de defesa.
II – De acordo com o comando constitucional do n.º 7 do art. 32.º da CRP, aditado pela 4.ª revisão constitucional (Lei 1/97, de 20-04), o ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei.
III – Em consonância, a Lei 26/2007, de 23-07-2007, teve em vista o reforço não só dos direitos de defesa do arguido, como do papel do assistente, como garante da prossecução da justiça e fiscalizador da actividade do MP, em processo penal.
IV – O assistente tem legitimidade para requerer a revisão, relativamente a sentenças absolutórias ou a despachos de não pronúncia - art. 450.º, n.º 1, al. b), do CPP. 
V – O direito à revisão de sentença encontra consagração constitucional no art. 29.º da CRP, versando em concreto sobre «Aplicação da lei criminal», no domínio dos direitos, liberdades e garantias, inserido no Título II “Direitos, liberdades e garantias”, e a partir da primeira revisão constitucional – LC 1/82, de 30-09 – no Capítulo I, sob a epígrafe “Direitos, liberdades e garantias pessoais”. Trata-se de preceito que contém o essencial do “regime constitucional” da lei criminal. 
VI – Esta norma reconhece e garante: (a) o direito à revisão de sentença; e b) o direito à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos no caso de condenações injustas. «É um caso tradicional de responsabilidade do Estado pelo facto da função jurisdicional o ressarcimento dos danos por condenações injustas provadas em revisão de sentença», como se pode ler em Constituição da República Portuguesa Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 2007, volume I, pág. 498.
VII – Nos termos do referido art. 449.º do CPP, na redacção anterior à Lei 48/2007, de 29-08, a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão; b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo; c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
VIII – A Lei 48/2007, de 29-08, entrada em vigor em 15-09, introduziu 3 novas alíneas ao n.º 1 do referido art. 449.º, com a redacção seguinte: e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º; f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação; g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça – O preceito em causa tem-se mantido inalterado nas subsequentes modificações do CPP operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26-02, pela Lei n.º 52/2008, de 28-08, pela Lei n.º 115/09, de 12-10 e pela Lei n.º 26/2010, de 30-08).
IX – A reparação da decisão, condenatória ou absolutória, reputada de materialmente injusta, pressupõe que a certeza, a paz e a segurança jurídicas que o caso julgado encerra (a justiça formal, traduzida em sentença transitada em julgado), devem ceder perante a verdade material; por esta razão, trata-se de um recurso marcadamente excepcional e com fundamentos taxativos – Vicente Gimeno Sendra, Derecho Procesal Penal, Editorial Colex, 1.ª Edição, 2004, pág. 769.
X – Conforme escreveu Eduardo Correia (A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, 1983, pág. 302) “o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto” (em registo semelhante ver, do mesmo autor, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, pág. 7).
XI – Nas palavras do Ac. do STJ de 20-04-2005, publicado na CJSTJ 2005, tomo 2, pág. 179, o recurso extraordinário de revisão consagrado no art. 449.º do CPP, apresenta-se como uma válvula de segurança do sistema, modo de reparar o erro judiciário cometido, sempre que, numa reponderação do decidido, possa ser posta em causa, através da consideração de factos índice, taxativamente enumerados naquele normativo, seriamente a justiça da decisão ou do despacho que ponha termo ao processo.
XII – A revisão consiste num recurso extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento.
XIII – Este recurso extraordinário apenas pode ser interposto de decisões transitadas em julgado, como de forma clara ressalta dos arts. 449.º, n.º 1, e 451.º, n.º 3, do CPP, e do próprio fundamento, da razão de ser do carácter extraordinário do recurso.
XIV – Se, para além do mais, incluída a alteração de data da segunda sessão de julgamento, a sentença proferida, absolutória para o arguido, mas condenatória para o assistente/demandante cível, jamais lhe foi notificada, como se impunha, é de concluir que, aquando da interposição do presente recurso a sentença absolutória (condenatória em termos tributários para o demandante) ainda não havia transitado em julgado, falecendo este pressuposto imprescindível, para que pudesse ser interposto o recurso de revisão.
XV – Assim, se ao tempo em que foi deduzido, o recurso não era admissível, terá de ser rejeitado, nos termos do art. 420.º, n.º 1, al. b), do CPP.
XVI – É inadmissível o recurso de revisão interposto por um assistente/demandante cível, que viu desatendida a queixa-crime e o deduzido, por adesão, pedido cível de indemnização, em virtude da absolvição do arguido da imputada pelo queixoso/ofendido/lesado, prática de um crime de furto simples, bem como da conexa responsabilidade civil pela impetrada indemnização pelos prejuízos alegadamente produzidos, na medida em que a desenhada pretensão recursiva, face à sua indefinição, não é de ter-se como alicerçada, mesmo que longinquamente, em algum dos limitados pressupostos previstos, taxativamente, nas diversas alíneas do art. 449.º do CPP, mas fundamentada na inobservância de preceitos processuais.
XVII – Se o demandante cível não alberga a sua pretensão em qualquer fundamento de revisão previsto, o recurso de revisão não configura o meio processual idóneo, pelo que deve ser julgado improcedente.
AcSTJ de 02-03-2011, proc. n.º 829/05.3PJLSB-A.S1-3, Relator: Conselheiro Raul Borges 

Recurso de revisão - novos meios de prova
I – O recurso de revisão de sentença é um meio de impugnação extraordinário das decisões judiciais, que visa a realização de um novo julgamento, por a justiça do julgamento efectuado estar seriamente posta em causa, devido a facto ou meio de prova posteriormente conhecido, razão pela qual só perante facto verdadeiramente relevante ou face a novo meio de prova de reconhecida credibilidade é admissível a revisão da sentença.
II – Como se refere no Ac. do STJ de 01-07-2004, in CJSTJ, XII, tomo II, pág. 242, não será uma indiferenciada nova prova que, por si só, terá a virtualidade para abalar a estabilidade resultante de uma decisão judicial transitada em julgado. A nova prova deverá revelar-se tão segura e (ou) relevante – seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade – que o juízo rescidente que nela se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato.
AcSTJ de 10-03-2011, Proc. n.º 19/04.2JALRA-B.S1-3, Relator: Conselheiro Oliveira Mendes

Recurso de revisão - novos factos - novos meios de prova
I – A dúvida relevante para a revisão de sentença tem, pois, de ser intensa, há-de ultrapassar a mera existência, para existência, para atingir a “gravidade” que baste.
II – Não é uma “nova prova” ou um “novo facto”que por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade, razoavelmente reclamada, por uma decisão judicial transitada.
III – Hão-de, também, esses novos factos assumir qualificativo correlativo da “gravidade” da dúvida que hão-de guarnecer e que constitui a essência do pressuposto de revisão.
IV – Se o pretendido pelo recorrente é a obtenção de uma alteração da decisão, em termos próprios de um recurso ordinário, o recurso de revisão não é o meio próprio para o efeito, uma vez que com ele não se visa a correcção do decidido, nem a sua alteração, mas um novo julgamento.
AcSTJ de 10-03-2011, proc. n.º 153/04.9TAFIG-D.S1-3, Relator: Conselheiro Pires da Graça

Recurso de revisão - caso julgado - novos factos - novos meios de prova - falsidade de testemunho ou perícia
testemunha - prova
I – Consiste a revisão num meio extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento.
II – Como se assinala no Ac. do TC 376/2000 de 13-07-2000, 379/99 – 1.ª, BMJ, 499, pág. 88, trata-se de recurso com uma natureza específica, que no próprio plano da Lei Fundamental se autonomiza do genérico direito ao recurso garantido no processo penal pelo art. 32.º, n.º 1, da CRP.
III – O direito à revisão de sentença encontra consagração constitucional no art. 29.º da CRP, versando em concreto sobre «Aplicação da lei criminal», no domínio dos direitos, liberdades e garantias, exactamente inserido no Título II, subordinado à epígrafe “Direitos, liberdades e garantias”, e a partir da primeira revisão constitucional – Lei Constitucional 1/82, de 30-09 – no Capítulo I, sob a epígrafe “Direitos, liberdades e garantias pessoais”.
IV – Trata-se de preceito que contém o essencial do “regime constitucional” da lei criminal. 
V – Releva para o nosso caso, o n.º 6 deste preceito, que reconhecendo e garantindo o direito a revisão, estabelece: “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos”.
VI – Este n.º 6, acrescentado ao art. 29.º pela Lei Constitucional 1/82, mais não é do que a reprodução do n.º 2 do primitivo art. 21.º da CRP, inserto então em norma que versava sobre “Responsabilidade civil do Estado”, procurando responder a reparação de caso de erro judiciário, fora do plano da prisão preventiva ilegal ou injustificada, e constante já do art. 2403.º do CC de 1867 e do art. 690.º do CPP de 1929, no que respeita ao plano específico da “indemnização ao réu absolvido” (a revisão era então versada nos arts 673.º a 700.º).
VII – O aludido n.º 6 reconhece e garante: (a) o direito à revisão de sentença; e b) o direito à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos no caso de condenações injustas.
VIII – Como se pode ler em Constituição da República Portuguesa Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 2007, volume I, pág. 498, «É um caso tradicional de responsabilidade do Estado pelo facto da função jurisdicional o ressarcimento dos danos por condenações injustas provadas em revisão de sentença». 
IX – Através do mecanismo processual da revisão de sentença, procura-se alcançar a justiça da decisão: “Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e, através dela, a justiça, o legislador tem que escolher. O grau em que sobrepõe um ao outro é questão de política criminal. Variam as soluções nas diferentes legislações. Mas o que pode afirmar-se resolutamente é que em nenhuma se adoptou o dogma absoluto do caso julgado frente à injustiça patente, nem a revisão incondicional de qualquer decisão transitada. Se aceitamos pois, como postulado, que a possibilidade de rever as sentenças penais deve limitar-se, a questão que doutrinalmente se nos coloca é onde colocar o limite” – Emílio Gomez Orbaneja e Vicente Herce Quemada, Derecho Procesal Penal, 10.ª Edição, Madrid, 1984, pág. 317 (a autoria do capítulo respeitante aos recursos é do 1.º Autor). 
X – Mais do que meros interesses individuais, são ponderosas razões de interesse público que ditam a existência desta última garantia, cuja teleologia se reconduz em fazer prevalecer a justiça (material, real ou extraprocessual), sobre a segurança jurídica – José Maria Rifá Soler e José Francisco Valls Gombau, Derecho Procesal Penal, Madrid, Iurgium Editores, pág. 310.
XI – Admitindo que a sentença judicial não tem o alcance de modificar a realidade do direito substantivo, transformando por misericordiosa ficção o injusto em justo, deverá tirar-se a consequência de que nenhuma decisão judicial seria definitiva e irrevogável. 
XII – Contra esta consequência se move, porém, a necessidade de segurança jurídica que, em largo limite, assim é chamada a restringir a justiça – Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, III volume, Lisboa, 1958, pág. 36; de modo concordante, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.ª Edição, 1974, Reimpressão, Coimbra Editora, 2004, págs. 42 a 45.
XIII – A reparação da decisão, condenatória ou absolutória, reputada de materialmente injusta, pressupõe que a certeza, a paz e a segurança jurídicas que o caso julgado encerra, (a justiça formal, traduzida em sentença transitada em julgado) devem ceder perante a verdade material; por esta razão, trata-se de um recurso marcadamente excepcional e com fundamentos taxativos – Vicente Gimeno Sendra, Derecho Procesal Penal, Editorial Colex, 1.ª ed., 2004, pág. 769.
XIV – Conforme escreveu Eduardo Correia (A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, 1983, pág. 302) “o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto” (em registo semelhante ver, do mesmo autor, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, pág. 7).
XV – Figueiredo Dias (loc. cit., pág. 44) afirma que a segurança é um dos fins prosseguidos pelo processo penal, “o que não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser, só, no fundo, a força da tirania”.
XVI – Nas palavras de Luís Osório de Oliveira Batista, no Comentário ao CPP Português, Coimbra Editora, 1934, 6.º volume, págs. 402 e 403: “O princípio da res judicata pro veritate habetur é um princípio de utilidade e não de justiça e assim não pode impedir a revisão da sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde em matéria de facto à verdade histórica que o processo penal quer e precisa em todos os casos de alcançar. (…) A revisão tem a natureza de um recurso. (…) A revisão é um exame do caso quando surgem novos e importantes elementos de facto. Pode assim dizer-se que se não trata de uma revisão do julgado, mas de um julgado novo sobre novos elementos”.
XVII – Para Simas Santos/Leal-Henriques, in Recursos em Proc. Penal, Rei dos Livros, 2.ª edição, pág. 129, o legislador, “com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material”, consagrou a possibilidade de revisão das sentenças penais, limitando a respectiva admissibilidade aos fundamentos taxativamente enunciados no art. 449.º, n.º 1, do CPP. Segundo os mesmos autores, in CPP Anotado, II volume, págs. 1042 e 10433, “ O recurso extraordinário de revisão apresenta-se como um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material”.
XVIII – A Lei 48/2007, de 29-08, entrada em vigor em 15-09, introduziu três novas alíneas ao n.º 1 do referido art. 449.º, com a redacção seguinte: e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º; f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação; g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça” – O preceito em causa tem-se mantido inalterado nas subsequentes modificações do CPP operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/09, de 12 de Outubro e pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto.
XIX – O fundamento de revisão previsto na citada al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP importa a verificação cumulativa de dois pressupostos: por um lado, a descoberta de novos factos ou meios de prova e, por outro lado, que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não podendo ter como único fim a correcção da medida concreta da sanção aplicada.
XX – Segundo Cavaleiro de Ferreira, in Revisão Penal, Scientia Iuridica, Tomo XIV, n.ºs 75/76, pág. 522, citado por Simas Santos / Leal-Henriques, ob. cit., pág. 137 e Ac. do STJ de 25-01-2007, 2042/06-5: “Factos são os factos probandos; elementos de prova, as provas relativas a factos probandos.
XXI – Factos probandos em processo penal são ainda de duas espécies, para esquematicamente os compreender. Em primeiro lugar, os factos constitutivos do próprio crime, os seus elementos essenciais; em segundo lugar, os factos, dos quais, uma vez provados, se infere a existência ou inexistência de elementos essenciais do crime. (…) Quer dizer, por factos há que entender todos os factos que devem ou deveriam constituir “tema” da prova.
XXII – Elementos de prova, são as provas destinadas a demonstrar a verdade de quaisquer factos probandos, quer dos que constituem o próprio crime, quer dos que são indiciantes de existência ou inexistência do crime ou seus elementos.
XXIII – Como se extrai do Ac. do STJ de 12-09-2007, 2431/07-3 (com argumentário repetido no acórdão de 11-02-2009, no 4215/04, do mesmo relator) “o fundamento de revisão previsto na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP reporta-se exclusivamente à factualidade do crime, ou seja, às circunstâncias históricas, ao episódio ou evento, circunscrito no tempo e no espaço, que foi considerado na sentença condenatória como integrante de uma determinada infracção. A lei admite a revisão se a descoberta de novos factos ou novos meios de prova (de factos) vier a alterar ou pôr em crise a matéria de facto fixada na sentença condenatória, modificando-a ou invalidando-a, de tal forma que fique seriamente em dúvida a justiça da condenação, isto é, que resulte muito provável, dos novos factos ou meios de prova, que o condenado não cometeu a infracção, devendo assim ser absolvido. (...) É o chamado «erro judiciário», a incompleta ou incorrecta averiguação da verdade material, que determinou a subsunção dos factos a um certo tipo legal, e consequentemente a condenação, que o legislador pretende remediar com a aludida al. d). Só um erro deste tipo pode caracterizar como injusta a decisão condenatória. A injustiça, no contexto daquela alínea, está efectivamente conexa com a descoberta de um erro na fixação dos factos que levaram à condenação”.
XXIV – Quanto ao primeiro dos indicados pressupostos do fundamento de revisão previsto na al. d), não é pacífico o entendimento quanto à questão de saber se a “novidade” do facto ou do meio de prova deve reportar-se ao julgador, ou ao apresentante da fonte de prova. 
XXV – Na doutrina, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, reimpressão 2004, volume I, pág. 99, a propósito da função integrante de lacuna do direito processual penal por norma de processo civil, refere que, colocando-se o problema de saber para quem devem ser novos os factos que fundamentam a revisão: se para quem os apresenta, que era a solução processual civil (art. 771.º, n.º 1, al. c), do CPC), conferindo-lhe então função integrante, ou se apenas para o processo que era a tomada de posição acolhida por jurisprudência pacífica, é esta a solução aceitável, e já defendida, à luz do art. 673.º do CPP de 1929, por Eduardo Correia, in separata da RDES, 6/381.No mesmo sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, volume III, pág. 388. 
XXVI – Maia Gonçalves, CPP Anotado, 16.ª edição, 2007, Almedina, pág. 982 (e 17.ª, de 2009, pág. 1062), reeditando posição da 4.ª edição de Janeiro de 1980, pág. 717, em anotação ao art. 673.º do CPP de 1929, esclarece que deve “entender-se que os factos ou meios de prova devem ser novos, no sentido de não terem sido apresentados e apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar”.
XXVII – Em sentido diverso, Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do CPP, Universidade Católica Editora, 2007, em anotação ao art. 449.°, nota 12, pág. 1212, expende: “factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste, não bastando que os factos sejam desconhecidos do tribunal, só esta interpretação fazendo jus à natureza excepcional do remédio da revisão e, portanto, aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da protecção do caso julgado”. 
XXVIII – No domínio do anterior CPP, Luís Osório, Comentário ao CPP, 1934, volume VI, pág. 416, ao comentar o art. 673.º, entendia que os factos ou os elementos de prova deviam ser novos, isto é, não deviam ser conhecidos de quem os devia apresentar na data em que a apresentação devia ter lugar. E num outro registo: “Os factos devem ter sido desconhecidos do requerente da revisão ao tempo em que foi proferida a sentença a rever não bastando que sejam desconhecidos do Tribunal”.
XXIX – Na jurisprudência do STJ, na controvérsia presente, foi durante muito tempo largamente maioritário o entendimento de que a “novidade” dos factos deve existir para o julgador, ainda que o recorrente os conhecesse já, podendo ver-se, os Ac. de 2-11-1966, BMJ n.º 101, pág. 491; de 20-03-1968, BMJ n.º 175, pág. 220; de 15-11-1989, AJ, n.º 3; de 09-07-1997, BMJ n.º 469, pág. 334; de 24-11-1999, 911/99-3; de 16-02-2000, 713/99-3; de 15-03-2000, 92/00-3; de 06-07-2000, 99/00-5; de 25-10-2000, 2537/00-3; de 05-04-2001, CJSTJ 2001, tomo 2, pág. 173; de 10-01-2002, 4005/01-5, CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 163; de 20-06-2002, 1261/02; de 04-12-2002, 2694/02-3; de 28-05-2003, 872/03-3, CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 202; de 04-06-2003, 1503/03-3, CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 208; de 06-11-2003, 3368/03-5 e, do mesmo relator, de 20-11-2003, 3468/03-5, ambos in CJSTJ 2003, tomo 3, págs. 229 e 233; de 01-07-2004, 2038/04-5, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 242; de 25-11-2004, 3192/04-5, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 232; de 03-02-2005, 4309/04-5, CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 191; de 09-02-2005, 4003/04-3; de 03-03-2005, 764/05-3; de 20-04-2005, 135/05-3, CJSTJ 2005, tomo 2, pág. 179; de 20-06-2007, 1575/07-3; de 21-06-2007, 1767/07-5; de 05-12-2007, 3397/07-3; de 14-05-2008, 1417/08-3; de 25-06-2008, Proc. n.° 2031/08-3 e 441/08-5.
XXX – No que tange ao segundo pressuposto e sobre o que deverá entender-se por dúvidas graves sobre a justiça da condenação, a dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade” que baste, tendo os novos factos e/ou provas de assumir qualificativo correlativo da “gravidade” da dúvida. 
XXXI – Os “novos factos” ou as “novas provas” deverão revelar-se tão seguros e (ou) relevantes – pela patente oportunidade e originalidade na invocação, pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas ou pelo significado inequívoco dos novos factos ou por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescidente que neles se venha a apoiar não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, o que reclama do requerente do pedido a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau do que aquela em que se fundamentou a decisão a rever – cfr. neste sentido, os Acs. de 12-05-2005, Proc. n.° 1260/05-5; de 23-11-2006, Proc. n.° 3147/06-5; de 20-06-2007, 1575/07-3; de 26-03-2008, 683/08-3.
XXXII – A revisão de sentença transitada em julgado é ainda consentida quando “uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão”.
XXXIII – Em anotação a este preceito, Maia Gonçalves, CPP, Almedina, 4.ª edição, 1980, pág. 715, esclarecia que bastava que os meios de prova falsos tivessem influenciado a decisão a rever e que se aplicava tanto no caso de a decisão a rever ter sido condenatória, como no de ter sido absolutória.
XXXIV – Para Germano Marques da Silva, Curso de Proc. Penal, III, Verbo, pág. 361, os fundamentos das alíneas a) e b) são entendidos pro reo e pro societate e os das alíneas c) e d) exclusivamente pro reo, esclarecendo que no caso da alínea a) o fundamento da revisão é a existência de uma sentença transitada em julgado, quer tenha emanado de um tribunal penal, quer de um tribunal não penal, e neste caso, quer seja condenatória, quer seja absolutória, pois o que importa é que a sentença considere falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão a rever. Basta também que a causa da revisão, a falsidade do meio de prova tenha de algum modo contribuído para a decisão a rever, não sendo necessário que esses meios, só por si, tenham sido determinantes dessa decisão. 
XXXV – Para Simas Santos e Leal Henriques, CPP Anotado, Rei dos Livros, 2000, 2º volume, pág. 1045, no que se refere à falsidade dos meios de prova, é relevante a sentença que tiver reconhecido a falsidade, independentemente de ser emanada de um tribunal penal ou de um tribunal não penal. 
XXXVI – Por outro lado, basta que estes elementos tenham contribuído para a decisão, não sendo necessário que eles tenham sido de per si só suficientes para motivar a decisão.
XXXVII – Paulo Pinto Albuquerque, no Comentário do CPP, Universidade Católica Editora, 2007, a propósito da falsidade dos meios de prova, (anotação 4 ao art. 449.º), pág. 1210, diz: “A falsidade não consiste apenas na fabricação de meios de prova documentais. Ela inclui também a manipulação de depoimentos de arguidos, suspeitos, assistentes, ofendidos, partes civis, testemunhas, peritos, consultores técnicos, intérpretes, mediante tortura, coacção, ofensas à integridade física ou moral, administração de substâncias químicas que perturbem a liberdade da vontade ou de decisão, hipnose, utilização de meios cruéis ou enganosos, perturbação, por qualquer meio, da capacidade [de] memória ou de avaliação, ameaças e promessas ilícitas, ou quaisquer outros meios de instrumentalização da vontade de quem presta depoimento. Esta é, aliás, a tradição do direito português (art. 673.º, n.º 2, do CPP de 1929)”. Adianta que a mesma “pode ser estabelecida em qualquer outra sentença transitada em julgado, seja ela proferida em processo criminal (é o caso do Ac. do STJ , de 08-01-2003, in CJ, Acs. do STJ, XXVIII, tomo 1, pág.155 ou noutro processo, e que também pode ser declarada no dispositivo da sentença nos termos do art. 170.º, n.º 1”. 
XXXVIII – Como referimos nos Acs. de 07-07-2009 e 17-09-2009, relatados nos Procs. n.º 60/02.0TAMBRA.S1 e n.º 1566/03.9PALGS.S1, “impõe-se que os meios de prova tenham sido considerados falsos por sentença passada em julgado, sendo indispensável a verificação da falsidade por sentença transitada em julgado, que a falsidade do meio de prova seja comprovada por esse meio”.
XXXIX – Por outras palavras, a falsidade do meio de prova deve constar de decisão transitada em julgado. 
XXXX – Exige-se que uma outra sentença transitada em julgado tenha considerado falsos os meios de prova de que o colectivo lançou mão, tornando-se necessário que a falsidade tenha sido constatada, declarada, atestada, certificada, reconhecida, por forma consolidada, segura e definitiva, por uma outra sentença passada em julgado. Só a partir daí, sendo possível a análise e o confronto de duas decisões transitadas, é que cumpriria averiguar de que modo e em que medida a outra, posterior, sentença transitada em julgado seria susceptível de por em crise a convicção do tribunal no plano do assentamento da matéria de facto, havendo então nesse quadro de confrontar as duas realidades, maxime, os factos dados por provados na decisão revidenda, bem como a prova em que se baseou o tribunal.
XXXXI – A apresentação, pelo recorrente, em sede de recurso de revisão, de uma nova testemunha, sem alegar qualquer motivo justificativo da tardia apresentação, designadamente uma situação de impossibilidade de a mesma ter podido depor nos autos ao tempo do julgamento, não o tendo então feito, mostra-se vedada, pois que não pode ele agora indicar como testemunha alguém que não foi oportunamente indicado nem ouvido no processo.
XXXXII – O arrolamento de novas testemunhas só poderá ocorrer se se justificar que era ignorada a sua existência ao tempo da decisão, ou que as mesmas estiveram impossibilitadas de depor, o que não aconteceu.
AcSTJ de 10-03-2011, proc. n.º 482/91.0GBVRM-A.S1-3, Relator: Conselheiro Raul Borges

Recurso de revisão - princípio da investigação - direitos de defesa - caso julgado - ónus da prova - novos meios de prova
I – O recurso de revisão é abrangido pelas garantias de defesa, constitucionalmente consagrado, no art. 29.º, n.º 6, da CRP ao dispor que os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão de sentença e à indemnização pelos danos sofridos 
II – Em casos de injustiça notória, as legislações contemporâneas não tornam perene o caso julgado, sendo certo, por outro lado, que face à razão de ser do instituto do caso julgado, também não aceitam ad libitum a revisão de sentença transitada, outrossim, acolhendo as legislações “uma solução de compromisso entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e através dela, a justiça, solução que se revê na consagrada possibilidade limitada de revisão de sentenças penais” (Maia Gonçalves in CPP Anotado – Legislação Complementar, 17ª edição, págs. 159 e 160).
III – Em processo penal não existe um verdadeiro ónus da prova em sentido formal; nele vigora o princípio da aquisição da prova ligado ao princípio da investigação, donde resulta que são boas as provas validamente trazidas ao processo, sem importar a sua origem, devendo o tribunal, em último caso, investigar e esclarecer os factos na procura da verdade material.
IV – Perante as provas admissíveis, é dos princípios gerais da produção da prova que o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, sem prejuízo do contraditório.
V – O CPP não enumera taxativamente as provas proibidas, mas aponta limites à produção de provas e à sua valoração. Assim, considera métodos proibidos de prova os indicados no art. 126.º do CPP.
VI – Quanto à proibição de valoração de provas, como resulta do art. 355.º do CPP, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, ressalvando-se apenas as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas.
VII – E, como se sabe, não são inconstitucionais os normativos do art. 355.º do CPP, interpretados no sentido de que os documentos juntos aos autos não são de leitura obrigatória na audiência de julgamento, considerando-se nesta produzidos e examinados, desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida. (Ac. do TC 87/99 de 10-02, 444/98, in DR II-A, de 01-07-99).
VIII – O recurso de revisão não se destina a ajuizar dos termos de produção de um determinado meio de prova efectivado na altura própria no decurso da audiência e julgamento e da forma como foi valorada a prova, para isso servem os recursos ordinários, mas a descobrir que serviram de fundamento à revisão provas proibidas nos termos dos n.º s 1 a 3 do art. 126.º.
IX – O recurso de revisão como recurso extraordinário não é um recurso ordinário, nem sucedâneo deste, pelo que perante provas legalmente permitidas e valoradas que serviram de suporte a determinada decisão, e que veio a transitar em julgado, não pode infirmar-se essa decisão com fundamento nessas provas, em sede de recurso extraordinário de revisão, nem alegar-se a inconstitucionalidade das mesmas, se o caso julgado não se encontra posto em causa por decisão vinculativa do TC, nos termos dos art. 282.º n.º s 1 e 2 da CRP, nem se posteriormente à mesma decisão não existiu qualquer descoberta de que as provas produzidas foram obtidas de forma legalmente proibida.
AcSTJ de 24-03-2011, proc. n.º 520/00.7TBABT-B.S1-3, Relator: Conselheiro  Pires da Graça

Recurso de revisão - novos factos - novos meios de prova - direito ao silêncio - declarações do co-arguido
I – Deve interpretar-se a expressão «factos ou meios de prova novos» no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão. Com efeito, só esta interpretação observa a natureza excepcional do recurso de revisão e os princípios constitucionais de segurança jurídica, da lealdade processual e da protecção do caso julgado. 
II – Mas, para além de os factos ou meios de prova deverem ser novos, no sentido apontado, é, ainda, necessário que eles, por si ou em conjugação com os já apreciados no processo, sejam de molde a criar dúvidas fundadas sobre a justiça da condenação; requer-se, afinal, que os novos factos ou meios de defesa sejam adequados a levantar fundadas suspeitas da inocência do condenado. 
III – É de indeferir a tomada de declarações a um co-arguido no processo de onde resultou a condenação, que esteve presente na audiência e usou do seu direito a não prestar declarações, já que tais declarações não podem ser compreendidas no conceito de meio de prova novo.
AcSTJ de 10-03-2011, proc. n.º 451/09.5JAPRT-B.S1-5, Relator: Conselheiro Isabel Pais Martins

Recurso de revisão - novos factos- novos meios de prova - carta de condução - falsidade
I – No âmbito do presente recurso o requerente invoca a al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP – descoberta de novos factos ou meios de prova –, juntando um documento a que, segundo alegou, não tivera acesso na fase de julgamento, por ser procedente de Cabo Verde, em que se atesta que é portador, desde 2001, de carta de condução da categoria B, com grau de exigência idêntico ao previsto na legislação portuguesa. 
II – Invocando o acordo assinado entre os dois Estados, publicado no DR de 05-06-2007, segundo o qual as cartas de condução emitidas pelas autoridades cabo-verdianas são desde 2007 reconhecidas em Portugal, com dispensa de exame, o recorrente pretende que se reconheça a injustiça da sua condenação.
III – Todavia, na sequência de diligências encetadas neste Supremo Tribunal, veio a Direcção Geral de Transportes Terrestres da República de Cabo Verde dizer que o recorrente não é possuidor de carta de condução de veículos automóveis obtida naquele Estado, facto que reafirmou quando confrontada com o documento junto pelo recorrente e, bem assim, que o documento por si apresentado no processo é falso. 
IV – Não existe fundamento para a revisão de sentença, devendo o recorrente ser condenado em pagamento de multa por o pedido ser manifestamente infundado, independentemente do procedimento criminal que possa vir a ser instaurado.
AcSTJ de 24-03-2011, proc. n.º 1242/08.6GTABF-A.S1-5, Relator: Conselheiro Rodrigues da Costa 

Recurso de revisão - estrangeiro - residência permanente - pena de expulsão - novos factos - menor - constitucionalidade
I – A CRP, assim como estabelece a garantia de que os cidadãos portugueses não poderão ser expulsos do território nacional (art. 33.º, n.º 1), garante aos filhos o direito a não serem separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais e mediante decisão judicial (art. 36.º, n.º 6).
II – Dando execução a tal garantia, o art. 135.º, al. b), da Lei 23/2007, de 04-07, estabelece que não podem ser expulsos do país cidadãos estrangeiros que tenham efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal, sem fazer qualquer distinção entre estrangeiros legalmente residentes e não residentes. 
III – Para que as razões de interesse e ordem pública que servem de fundamento à pena acessória de expulsão do território nacional cedam perante o interesse na conservação da unidade familiar, é necessário que o filho menor do requerente tenha nacionalidade portuguesa, resida em Portugal e esteja efectivamente a seu cargo.
IV – Não preenche o requisito, a declaração de intenção formulada pelo requerente de que “… logo que cesse a sua condição de detido, o arguido participará para o sustento e terá a seu cargo o menor …”, pois só no caso do cidadão estrangeiro ter efectivamente a seu cargo o filho menor é que se justifica que seja dada prevalência ao direito de o menor não ser afastado do progenitor.
AcSTJ de 24-03-2011, proc. n.º 26/08.6TALLE-A.S1-5, Relator: Conselheiro Arménio Sottomayor, Conselheiro Souto Moura (“sem implicar o comprometimento com a jurisprudência referida no ponto 2.2.”)