sexta-feira, 6 de maio de 2011

Casa da Supplicação

fraude fiscal - direito ao recurso - direito de defesa - aplicação da lei processual penal no tempo - duplo grau de jurisdição - dupla conforme - competência do STJ - competência da relação - admissibilidade de recurso - confirmação in mellius - alteração da qualificação jurídica - bem jurídico - princípio do contraditório - comunicação ao arguido - reformatio in pejus - concurso de infracções - medida da pena - interpretação da lei - motivação do recurso - ónus da impugnação especificada - manifesta improcedência - rejeição de recurso - responsabilidade criminal - responsabilidade civil emergente de crime - pedido de indemnização civil - lesado - notificação - princípio da adesão - reparação oficiosa da vítima - princípio da necessidade - caso julgado - competência material - nexo de causalidade - facto - dano - ilicitude - culpa - dolo - negligência - amnistia - prescrição - interrupção da prescrição - remessa para os meios comuns - queixa - renúncia - princípio da investigação - princípio da verdade material - livre apreciação da prova - absolvição crime - enriquecimento ilegítimo - juros
I - O direito ao recurso inscreve-se numa manifestação fundamental do direito de defesa, no direito a um processo justo, decidido em tempo razoável, por um tribunal independente, imparcial e regulado por lei, como resulta dos arts. 8.º e 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e dos arts. 6.º e 13.º da CEDH, que, por via de regra não demanda o seu exercício em mais de um grau, e é decidido por um tribunal superior àquele de que se recorre. 
II - A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.
III - A lei reguladora da admissibilidade do recurso – e, por consequência, da definição do tribunal de recurso – será assim, a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso (seja na integração do interesse em agir, da legitimidade, seja nas condições objectivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime e da pena aplicável), isto é, no momento em que primeiramente for proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a da 1.ª instância, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido – Ac. do STJ de 18-06-2008, Proc. n.º 1624/08 - 3.ª.
IV - Na verdade, conforme jurisprudência remota e pacífica do STJ, a lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão de que se recorre (entre outros, os Acs. de 17-12-69 e de 10-12-86, in BMJ 192 e 362, págs. 192 e 474).
V - Ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa, o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.
VI - A lei processual posterior que retirar o direito a um desses graus de recurso constitui um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
VII - É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1.ª instância o mandasse admitir.
VIII - É aplicável a nova lei processual à recorribilidade de decisão que na 1.ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.
IX - O art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, determina que não é admissível recurso de acórdãos condenatórios, proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.
X - À luz da redacção anterior à Lei 48/07 de 29-08 era entendimento do STJ (Ac. de 08-11-2006, Proc. n. 3113/06 - 3.ª, entre outros) a não admissibilidade de recurso de acórdãos condenatórios proferidos pelas relações, que confirmassem decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que fosse aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, face à denominada dupla conforme.
XI - Entendia-se que a expressão «mesmo em caso de concurso de infracções», constante da al. f) do n.° 1 do art. 400.° do CPP, significava que, apesar de no caso se configurar um concurso de infracções, a regra primária da referida norma continuava a valer, incluindo nela também as situações em que os crimes do concurso integrassem nos limites da primeira referência a pena aplicável, isto é, em que uma das penas aplicáveis a um dos crimes do concurso não ultrapassasse 8 anos de prisão havendo identidade de condenação nas instâncias.
XII - Nesta ordem de ideias, desde que a pena abstractamente aplicável independentemente do concurso de infracções, não fosse superior a 8 anos, não seria admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ, sendo que uma outra tese, defendia numa interpretação mais favorável para o recorrente, que apenas seria admissível recurso da pena conjunta que correspondesse ao concurso de crimes a que fosse aplicável pena de prisão superior a 8 anos.
XIII - Com a revisão do CPP operada pela referida lei 48/2007, de 29-08, deixou de subsistir o critério do crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, para se estabelecer o critério da pena aplicada não superior a 8 anos.
XIV - Assim, por efeito da sua entrada em vigor, foi alterada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, tendo-se limitado a impugnação daquelas decisões para este tribunal, no caso de dupla conforme, às situações em que seja aplicada pena de prisão superior a 8 anos, – redacção dada à al. f) do n.º 1 art. 400.º do CPP –, quando no domínio da versão pré-vigente daquele diploma a limitação incidia relativamente a decisões proferidas em processo por crime punível com pena de prisão não superior a 8 anos – neste sentido, o Ac. do STJ de 10-09-2008, Proc. n.º 1959/08 - 3.ª.
XV - Há que ter como abrangida na expressão legal "confirmem decisão de primeira instância", constante do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, as hipóteses de confirmação apenas parcial da decisão, quando a divergência da Relação com o decidido se situa apenas no quantum (em excesso) punitivo advindo da 1.ª instância (Ac. do STJ de 29-03-2007, Proc. n.º 662/07 - 5.ª).
XVI - Como se decidiu no Ac. do STJ de 11-07-2007, Proc. n.º 2427/07 - 3.ª, “se a dupla conforme pressupõe, além do mais, uma confirmação de penas, por maioria de razão, ela não deixa de ocorrer se a decisão posterior melhora os efeitos sancionatórios da anterior decisão”.
XVII - Ao instituto da dupla conforme, como excepção ao princípio do direito ao recurso – constitucionalmente consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP – subjaz a ideia de que a concordância de duas instâncias quanto ao mérito da causa é factor indiciador do acerto da decisão, o que, em casos de absolvição ou de condenação em pena de prisão de pequena ou média gravidade, prévia e rigorosamente estabelecidos pelo legislador, justifica a limitação daquele direito – Ac. do STJ de 16-09-2008, Proc. n.º 2383/08 - 3.ª 
XVIII - Aliás, como resulta do Ac. do STJ de 4-02-2009, Proc. n.º 4134/08 - 3.ª, é maioritária a posição jurisprudencial do STJ, segundo a qual se deve considerar confirmatório, não só o acórdão do Tribunal da Relação que mantém integralmente a decisão da 1.ª instância, mas também aquele que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta ao recorrente, sendo o argumento decisivo fundamentador desta orientação o de que não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica do facto, o arguido tivesse que conformar-se com o acórdão confirmatório da pena, mas já pudesse impugná-lo caso a pena fosse objecto de redução.
XIX - Por esse motivo, não é admissível que, movendo-se a condenação do arguido na Relação, em pena de prisão inferior à aplicada na 1.ª instância, pudesse impugná-la, ao querer discutir a qualificação jurídica no âmbito dos mesmos factos e da mesma tipicidade, pelo facto de a Relação não integrar a conduta em um só crime, mas em três, no mesmo tipo de ilícito de fraude fiscal, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 103.º do RGIT.
XX - Quando o Tribunal se limita a alterar a qualificação jurídica, “desagravando” um crime de qualificado para simples, por entender que determinada circunstância qualificativa acaba por não ter no caso em apreciação o valor agravativo suposto pela norma, não só não se verifica surpresa, pois o interessado já fora chamado a pronunciar-se sobre a circunstância qualificativa que agora se tem por não verificada, como o bem jurídico protegido é o mesmo e se trata de uma reforma para melhoria da qualificação e consequente condenação – cf. Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II, anotação ao art. 358.º. 
XXI - Se a alteração da qualificação jurídica – o arguido vinha acusado de um crime de fraude fiscal (não continuado) e viria a ser condenado por vários – não teve por base qualquer alteração de factos e a possibilidade desta qualificação jurídica – que vai beneficiar o arguido – esta já é do conhecimento do arguido, pois que é um dos pressupostos do crime continuado, pelo que não há que dar cumprimento ao art. 424.º, n.º 3, do CPP, porquanto não ocorre agravamento da posição do arguido, nem violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, pois que o bem jurídico protegido é o mesmo, a ilicitude manteve-se no âmbito da mesma tipicidade e apenas a punibilidade da mesma sofreu uma reforma para melhoria punitiva na consequente condenação.
XXII - Deste modo, na situação em que a decisão da Relação não ampliou, mas reduziu as penas, aplicando penas parcelares e de cúmulo, inferiores a 8 anos de prisão, houve confirmação in mellius, não sendo, por conseguinte admissível recurso.
XXIII - O art. 32.º da CRP, não confere a obrigatoriedade de um duplo grau de recurso, ou terceiro grau de jurisdição, assegurando-se o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.
XXIV - Por outro lado, anteriormente à vigência da citada Lei 48/2007 – art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP – não havia dúvida de que não era admissível recurso de acórdão da Relação que tivesse por objecto crime a que em abstracto correspondesse pena não superior a 5 anos de prisão.
XXV - Actualmente, embora a al. b) do art. 432.º do CPP se mantenha com a mesma redacção, já a redacção da al. e) do art. 400.º do mesmo diploma, alterada na revisão operada pela mesma lei, se configura neutralmente descomprometida, pois que nada contempla quanto às possibilidades legais de admissibilidade de recurso quando a condenação tenha aplicado pena de prisão.
XXVI - A delimitação do objecto da inadmissibilidade de recurso para o STJ constante da citada al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP é pois, exclusivamente concernente à aplicação de pena não privativa de liberdade. A pena não privativa de liberdade é assim, o limite intransponível do objecto da referida norma.
XXVII - A norma da al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP nada adianta quanto aos recursos de decisões condenatórias em pena de prisão, pela Relação. Havendo norma que admite o recurso para o Supremo de decisões de 1.ª instância proferidas pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, e norma que não admite o recurso de decisões da Relação que aplique pena de prisão superior a 5 e inferior a 8 anos de prisão, em caso de dupla conforme, é evidente que há necessidade de interpretação das normas legais, em conjugação intrínseca e na sua dimensão teleológica no sistema jurídico, sobre as situações em que as Relações, em recurso, apliquem pena de prisão não superior a 5 anos.
XXVIII - De igual modo, a norma que integra a al. b) do n.º 1 do art. 432.º do CPP, que prevê a recorribilidade para o STJ de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do art. 400.º é vaga, – qual norma em branco – de reenvio, mas de solução tautológica, que remete para o art. 400.º, criando-se assim entre elas uma tautologia de imprecisão.
XXIX - A actividade leginterpretativa, reclama uma hermenêutica sistémica das disposições legais, na unidade do sistema jurídico, que permite formular o entendimento de que o legislador não se quis afastar do patamar mínimo de pena superior a 5 anos de prisão, para que possa haver recurso para o Supremo Tribunal.
XXX - Assim, se a pena de prisão aplicada na Relação, não excede 5 anos de prisão, e foi proferida em recurso, não é admissível recurso para o STJ dessa decisão da Relação, inadmissibilidade que não traduz qualquer diminuição das garantias de defesa nem prejudica o arguido, nem limita o exercício do direito ao recurso, uma vez que o art. 32.º, n.º 1, da CRP, não garante a existência de um duplo grau de recurso, mas sim de recurso, que foi efectivamente exercido pelo arguido.
XXXI - A admissibilidade ou não de determinado recurso é questão prévia ao conhecimento do mesmo. Só pode conhecer-se de qualquer recurso depois de ser admitido no tribunal a quo e o tribunal ad quem considerar que essa admissão é válida, donde, sendo o recurso inadmissível, tudo se passa como se não tivesse sido admitido, apesar de ter sido admitido na 1.ª instância e nessa medida, se o acórdão se prefigura irrecorrível na parte criminal, óbvio é, que das questões que lhe subjazem, sejam elas de constitucionalidade, processuais e substantivas, sejam interlocutórias, ou finais, referentes às razões de facto e direito da condenação em termos penais, não poderá o STJ conhecer, por não se situarem no círculo jurídico-penal legal do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes de cognição do Supremo Tribunal. 
XXXII - Como se escreveu no Ac. do STJ de 07-11-2007, Proc. n.º 3990/07 – 3.ª, “ quando a questão objecto do recurso interposto para o Supremo seja a mesma do recurso interposto para a Relação, tem o recorrente de alegar (motivando e concluindo) como fundamento do recurso, as razões específicas que o levam a discordar do acórdão da Relação: - É que o acórdão recorrido é o acórdão do tribunal superior – o tribunal da Relação –, que decidiu o recurso interposto e, não o acórdão proferido na 1ª instância”.
XXXIII - Se o recorrente não aduz discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, que infirme os fundamentos apresentados pela Relação, no conhecimento e decisão das mesmas questões já suscitadas no recurso interposto da decisão da 1.ª instância, nada mais há a acrescentar à fundamentação constante do acórdão da Relação que conheceu de todas as questões que lhe foram colocadas.
XXXIV - Pelo que, não indicando o recorrente qualquer fundamento que não tenha sido devidamente considerado na decisão recorrida, nem especificamente referindo por que deveria ter sido diferentemente considerado, relativamente a essas questões nada havendo, de novo, a acrescentar relativamente aos fundamentos já aduzidos pela Relação sobre elas, na fundamentação utilizada para o julgamento dessas mesmas questões, e que justifique a alteração das mesmas, conclui-se pela manifesta a improcedência do recurso, que deve, em consequência, ser rejeitado – art. 420.º, n.º 1, do CPP.
XXXV - A manifesta improcedência constitui um fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial, visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, ou quando, versando sobre questão de direito, a pretensão não estiver minimamente fundamentada, ou for claro, simples, evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento. Será o caso típico de invocação contra a matéria de facto directamente provada, de discussão processualmente inadmissível sobre a decisão em matéria de facto, ou de o recurso respeitar à qualificação e à medida da pena e não ser referida, nem existir fundamentação válida para alterar a qualificação acolhida ou a pena que foi fixada pela decisão recorrida, conforme decidiu o Ac. do STJ de 22-11-2006, Proc. n.º 4084/06 - 3.ª.
XXXVI - A violação da lei penal pode gerar duas espécies de responsabilidade: a responsabilidade penal, que consiste na obrigação de reparar o dano causado à sociedade, cumprindo a pena estabelecida na lei e imposta por tribunal competente e, a responsabilidade civil que se funda na obrigação de reparar as perdas e danos causados pela infracção criminal.
XXXVII - Deste modo, sendo certo que o delito é uma conduta tipicamente antijurídica, culpável e sancionada com uma pena, – sanção penal – não é menos certo que o crime, na medida em que lesa também interesses individuais ou particulares, pode dar origem a uma sanção extra penal – sanção civil  Ac. do STJ de 10-04-2002,Proc. n.º 352/02 - 3.ª.
XXXVIII - A indemnização de perdas e danos emergentes de crime era, na tradição jurídica portuguesa, uma consequência jurídica de carácter penal, dimensão de política criminal ligada à reacção criminal – é o que testemunhava o art. 75.º § 3.º do CP1886.
XXXIX - O arbitramento oficioso da indemnização era uma consequência jurídica do crime que não se identificava com a indemnização civil, quer nos fins e fundamentos, nem tinha que coincidir com o seu montante.
XL - Embora fosse legalmente possível o exercício da acção cível em conjunto com a acção penal, nos termos do disposto nos arts. 29.º a 34.º do CPP29, (referindo-se o art. 29.º à indemnização por perdas e danos, já o art. 34.º respeitante à respectiva reparação por perdas e danos determinava que o juiz, no caso de condenação, arbitraria aos ofendidos uma quantia como reparação por perdas e danos, ainda que lhe não tivesse sido requerida), o quantitativo da indemnização era determinado segundo o prudente arbítrio do julgador, que atenderia à gravidade da infracção, ao dano material e moral por ela causado, à situação económica e à condição social do ofendido e do infractor – § 2.º
XLI - No domínio do direito anterior ao CP82, a reparação por perdas e danos arbitrada em processo penal tinha natureza especificamente penal. Com efeito, na medida em que se postergava o princípio da necessidade do pedido e se considerava a indemnização como um efeito necessário da condenação penal, definiam-se critérios próprios da sua avaliação, distintos dos estabelecidos pela lei civil e não se previa a possibilidade de transacção ou de renúncia ao direito e desistência do pedido. Era esta a posição dominante da jurisprudência – Acs. do STJ de 10-05-1955 e 29-11-1955, BMJ, 49 e 52, págs. 323 e 577. Porém, a doutrina dominante considerava a indemnização arbitrada como de natureza civil – Vaz Serra, Cavaleiro de Ferreira, Gomes da Silva e Pereira Coelho.
XLII - Passando a ser determinada de acordo com os pressupostos e critérios substantivos da lei civil, por força da norma do art. 128.º do CP82 (reproduzida no art. 129.º do CP95), a reparação assume-se, agora, como pura indemnização civil que, sem embargo de se lhe reconhecer uma certa função adjuvante, não se confunde com a pena.
XLIII - No plano do direito adjectivo, o actual CPP, mantendo o sistema de adesão, veio conferir àquela acção de indemnização pela prática de um crime, formalmente enxertada no processo penal, a estrutura material de uma autêntica acção civil, acolhendo, inequivocamente, os princípios da disponibilidade e da necessidade do pedido (arts. 71.º, 74.º a 77.º e 377.º do CPP) e prescrevendo que a decisão final, ainda que absolutória, que conheça do pedido cível, constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis (art. 84.º do CPP).
XLIV - Seria legalmente inadmissível no processo penal e ao tribunal criminal faleceria competência, em razão da matéria, para dele conhecer, caso o pedido cível não se fundasse em indemnização por danos ocasionados pelo crime ou não se fundamentasse na responsabilidade civil do agente pelos danos que, com a prática do crime causou, pois que a acção cível que adere ao processo penal é a que tem por objecto a indemnização por perdas e danos emergentes do crime, e só essa – arts. 128.º do CP/82 e 129.º do CP95 e Acs. do STJ de 25-02-1998 e de 12-01-2000, Procs. n.º 97/98 1146/99 - 3ª. 
XLV - Consequentemente, pelos danos causados por um facto que não é susceptível de integrar um tipo legal de crime e que viola, exclusivamente, um crédito ou uma obrigação em sentido técnico, não pode pedir-se a respectiva indemnização no processo penal.
XLVI - Este efeito “não penal” da condenação ligada à prática de crime – a fonte ou causa de pedir era o crime mas a indemnização assentava nos pressupostos de natureza cível – continuou a afirmar-se no universo jurídico criminal português, de forma que, pelo Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 16-10-1997, BMJ, 470, pág. 33, mesmo quando por aplicação da amnistia se extingue a acção penal, e apesar de ainda não ter sido deduzida acusação, poderá o ofendido requerer o prosseguimento da acção penal, para apreciação do pedido cível.
XLVII - A protecção civil do lesado tem sido garantida no processo penal extinto por amnistia independentemente do facto de o lesado se ter constituído ou não assistente e, ainda que o crime seja de acusação particular.
XLVIII - A amnistia não extingue a responsabilidade civil emergente dos factos amnistiados, e sendo a amnistia aplicável em processo penal pendente, o lesado que ainda não tivesse sido notificado para deduzir pedido cível, tem de ser notificado para, se quiser, e no prazo de 10 dias, deduzir o pedido cível oferecendo prova nos termos do processo declarativo sumário.
XLIX - De igual modo, também nos casos de extinção do procedimento criminal por prescrição, como se decidiu pelo Ac. para Fixação de Jurisprudência n.º 3/2002 de 17-01-2002, publicado no DR, n.º 54, I-A, de 05-03-2002. 
L- Como resulta claramente do disposto dos arts. 128.º e 129.º do actual CP, versões respectivamente de 1982 e 1995, a indemnização de perdas e danos, ainda que emergentes de crimes, deixou de constituir pois, um efeito penal da condenação, para passar a ser regulada pela lei civil, assumindo, pois, a natureza de uma obrigação civil em sentido técnico, significando que atribuição da indemnização em processo penal é regulada quantitativamente nos seus pressupostos pela lei civil e não já pela lei penal.
LI - No CC consagra-se basicamente a concepção clássica de que a responsabilidade civil tem a função de reparar os danos causados e não fins sancionatórios (arts. 483.º, n.º 1, e 562.º, entre outros e Ac. do STJ, de 07-06-2000, Proc. n. 117/2000 - 3.ª).
LII - Por outro lado, dada a sua função essencialmente reparadora ou reintegrativa, o instituto da responsabilidade civil está sempre submetido aos limites da eliminação do dano, o que significa que, inexistindo este, inexiste obrigação de indemnizar (art. 483. do CC). Portanto, nunca pode haver condenação cível, em processo penal, quando se não provar a existência do dano invocado pelo autor do respectivo pedido – neste sentido, o Ac. do STJ de 12-01-2000, Proc. n.º 1146/99 - 3. 
LIII - Por força do princípio da adesão, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, (regra) só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei, (excepção), sem prejuízo de, quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, remeta as partes para os tribunais civis. – n.º 3 do art. 72.º do CPP.
LIV - O princípio da adesão em processo penal é de tal forma abrangente, que, nos crimes de acusação particular, a lei retira efeitos penais do comportamento assumido pelo lesado em matéria cível, quando afirma no n.º 2 do art. 72.º, que no caso de o procedimento depender de queixa ou de acusação particular, a dedução do pedido perante o tribunal civil pelas pessoas com direito de queixa ou de acusação vale como renúncia a esse direito.
LV - Embora o processo civil defina vários aspectos do regime da acção enxertada, como da definição da legitimidade, das partes, é a acção penal que verdadeiramente suporta, orienta e conforma todo o rito processual, marcando definitivamente a cadência de intervenção dos demandantes civis na causa e os principais aspectos de forma a observar no seu desenrolar.
LVI - O art. 377.º, n.º 1, do CPP, determina que a sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no art. 82.º, n.º 3, do CPP. Assim, se o pedido tem de se fundar na prática de um crime, a absolvição (do crime) não obsta à condenação do arguido no pedido – se fundado – de indemnização. O fundamento da condenação não será obviamente a prática de um crime, mas a responsabilidade extracontratual ou aquiliana, ainda que (eventualmente) não criminosa – Assento 7/99 de 17-06-1999, DR I-A, de 03-08-1999 e, no seu seguimento, o Ac. do STJ de 06-06-2002, Proc. n.º 1671/02 - 5.ª.
LVII - Quando o legislador utiliza a expressão "danos ocasionados pelo crime", pressupõe que entre o delito e os prejuízos indemnizáveis, exista um nexo de causalidade.
LVIII - A responsabilidade civil do arguido, a apreciar em processo penal, se não é sempre consequência de uma condenação por infracção penal, tem no entanto por suporte a imputação de um crime, com verificação dos seus elementos constitutivos e de uma subsunção à fattispecie legal – Ac. do STJ de 07-05-1997, Proc. n.º 1234/96 - 3.ª.
LIX - Considerando a natureza e os fins do processo penal e o princípio da adesão, o princípio da investigação, também designado da verdade material, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, aplica-se à actividade processual relativa à prova dos pressupostos e montantes dos danos integrantes da responsabilidade civil emergente de crime, podendo existir responsabilidade civil, sem haver responsabilidade criminal, como é o caso de apreciação do pedido cível, em processo penal, em caso de absolvição criminal, ou de extinção do procedimento criminal.
LX - Decorre do art. 483, do CC, que são elementos da responsabilidade civil extracontratual o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
LXI - A imputação do facto ao lesante pode fazer-se a título de dolo ou de mera negligência. Nos casos de mera culpa há que considerar que a culpa para efeitos de responsabilidade civil não tem que coincidir com a culpa para efeitos de responsabilidade criminal.
LXII - Vem sendo entendido por este Supremo que a pendência de processo-crime interrompe a prescrição: enquanto se mantiver pendente essa lide – ainda que em sede de inquérito – não pode ocorrer a contagem do prazo prescricional, como que representando uma interrupção contínua ou continuada do prazo de prescrição do direito à indemnização contra o civilmente responsável, quer o pedido de indemnização cível, possa, quer não possa, ser deduzido em separado – cf. Acs. do STJ de 03-12-09, 16-01-2003 e de 22-01-2004, disponíveis em www.dgsi.pt. e de 27-01-2005 e de 31-01-2007, estes dois publicados, respectivamente, na CJSTJ, Anos XIII e XV, tomo I, págs. 97 e 5, 54 e 55.
LXIII - O instituto da prescrição pressupõe que a parte possa opor-se ao exercício de um direito quando este não for exercitado durante o tempo fixado na lei. Trata-se, a um tempo, de punir a inércia do titular do direito em fazê-lo valer em tempo útil e de tutelar os valores da certeza e segurança das relações jurídicas pela respectiva consolidação operada em prazos razoáveis, o que implica que a prescrição não corra ou não opere enquanto o direito não puder ser exercido pelo respectivo titular, tal como postula o n.º 1 do art. 306.º do CC. 
LXIV - Com efeito, a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto de interrupção, ficando a nova prescrição sujeita ao primitivo prazo de prescrição (art. 326.º do CC).
LXV - Se, no caso dos autos, o MP determinou a instauração de inquérito em 15-07-2000, ocorrendo o interrogatório do denunciado como arguido em 09-06-2005, não podia o tempo decorrido em inquérito ser utilizado na contagem do prazo de prescrição, uma vez que só depois de apurada jurídico criminalmente a conduta da arguido, (que delimitada, conduziria, findo o inquérito, a um despacho de acusação ou de arquivamento, nomeadamente pela verificação ou não do ilícito criminal, fonte do pedido de indemnização civil e independentemente dos termos da qualificação da conduta criminal do arguido), é que poderia saber-se se deveria ser formulado o pedido cível nos termos do princípio da adesão ou em separado. 
LXVI - Se os factos que constituíram o objecto do processo criminal integram o fundamento de responsabilidade civil, lesivos de interesse objecto de reparação patrimonial, ocorreram na consideração de uma resolução criminosa continuada, que cujo último acto ocorreu em 2004, e se iniciara em 1991, a prescrição somente começaria a correr se, esgotada a via processual penal, houvesse que ser deduzido o pedido cível em separado.
LXVII - No caso dos autos, tendo resultado provado que o arguido, em execução do desígnio por si formulado de não declarar à Administração Fiscal valores obtidos em território nacional, os não declarou, com o intuito de não proceder ao pagamento da prestação tributária a que estava obrigado, fazendo sua as respectivas quantias, bem sabendo que desta forma obtinha um benefício patrimonial que não lhe era devido, o que, consequentemente, prejudicava os cofres do Estado, sendo tal benefício no valor global de € 463 368,12, torna-se inquestionável a ocorrência de um enriquecimento indevido por parte do arguido/lesante, na certeza de que o mesmo dolosamente violou o direito do Estado ao pronto recebimento dos quantitativos referentes aos impostos devidos a título de IRS, tornando-se civilmente obrigado a indemnizar o lesado/Estado pelos danos decorrentes dessa violação, por sobre si impender a obrigação de restituir aquilo com que injustamente se locupletou (cf. art. 473.°, do CC).
LXVIII - A obrigação de indemnizar inclui ainda o pagamento de juros de mora, à taxa legal dos juros civis, computados sobre cada uma das prestações em falta, desde o termo final do respectivo prazo de pagamento voluntário, por ser essa a data da prática do facto ilícito. 
LXIX - Deste modo, preenchendo os factos provados, face à lei vigente ao tempo do seu cometimento, a prática pelo arguido de ilícito de natureza penal – crime de fraude fiscal – se houver sido deduzido pedido de indemnização cível, o processo penal deve continuar para conhecimento desse pedido. A descriminalização da conduta não arrasta a extinção da responsabilidade civil, uma vez que aquela, assacada ao agente era criminalmente punida face à lei vigente ao tempo do seu cometimento”, 
LXX - Se, os actos de cooperação levados a cabo pela Câmara Municipal A, com o Município B cabem nos poderes da edilidade e do seu presidente – o ora arguido e recorrente – e não foram desrespeitadas quaisquer formalidades essenciais, nem ocorreu abuso de poder, não há que alterar a decisão da Relação quando decidiu revogar a declaração de perda do terreno X, sito em Cabo Verde, a favor do Estado, na medida em que não resultou provado que o recebimento de vantagem oferecida ao arguido por terceiro, proviesse do comportamento do arguido, tendente à obtenção desse benefício (facto ilícito). (AcSTJ de 27-04-2011, proc. n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1, Relator: Conselheiro Pires da Graça)


Impedimentos - juiz - conferência - audiência de julgamento - composição do tribunal - reformatio in pejusconfirmação da pena
I - O STJ já teve ocasião de dizer, pelo acórdão de 10-03-2010, proc. n.º 36/09.6GAGMR.GI-A.SI - 3.a Secção, que "No caso de um juiz da Relação ter participado em decisão de recurso proferido em conferência, que deveria ter sido processado com realização de audiência, não existe impedimento para intervir nesta e, consequentemente, no julgamento do respectivo recurso, na sequência de decisão anulatória pelo mesmo proferida, pois não estamos perante situação em que o julgador haja tido intervenção em fase anterior do processo, sendo certo que também não ocorre motivo susceptível de colocar em causa a sua imparcialidade. Com efeito, a fase processual é a mesma. Por outro lado, inexiste razão geradora de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, posto que se trata da repetição de acto processual anulado pelo próprio julgador que irá proceder à sua realização, sendo certo que ao acto de anulação está subjacente motivação de índole meramente formal».
II - Diga-se ainda que a composição dos juízes na audiência dos recursos não é, por força da lei, a mesma da conferência, pois, embora participem o relator e o adjunto, acresce a intervenção obrigatória do Presidente da secção, o qual, na conferência, só tem intervenção no caso de haver divergência entre aqueles dois (cfr. art.ºs 419.º e 423.º, n.º 5, do CPP).
III - Também nos casos de recursos em que surgem questões prévias, procede-se frequentemente a uma conferência antes da audiência – e o contrário também sucede quando há incidentes posteriores à audiência – e é a própria lei que indica que alguns dos juízes que intervêm numa têm de intervir obrigatoriamente na outra, pelo que está excluído que haja aí qualquer situação de impedimento legal.
IV - A 1ª instância partiu do princípio de que a quantidade de cocaína pura que os arguidos fizeram transportar para desembarque em Portugal e posterior comercialização em Espanha era de 1 398 026,65 gramas. E foi isso que deu como provado.
V- Porém, do relatório de exame em que se fundou a prova de tal facto resulta que foram apreendidos e enviados para exame uma caixa com 6 770,00 gramas com um grau de pureza de 17% e 156 205,00 gramas, em saco de plástico, com um grau de pureza de 15%. O Tribunal da Relação fez as contas e concluiu que a cocaína em estado puro tinha, afinal, o peso total de 24 580,90 gramas e, consequentemente, quanto a esse aspecto, modificou a matéria de facto provada. Em rigor deveria ter concluído que o peso total era de 24 581,65 g de cocaína em estado puro (6770 g*17% + 156 205 g*15% = 24 581,65 g.). Mas esse pequeno erro de contas não tem qualquer interferência nem na fundamentação nem na decisão.
VI - Mas, apesar dessa enorme diminuição relativamente à quantidade do produto estupefaciente traficado, a Relação não atenuou a pena da recorrente, nem as penas dos co-arguidos.
VII- Como se sabe, o tribunal de recurso não pode agravar a pena quando o recurso é somente interposto pela defesa (cfr. art.º 409.º do CPP). É o chamado princípio da proibição da reformatio in pejus.
VIII- Tem-se entendido que a proibição da reformatio in pejus não se limita à situação que é descrita no mero texto da lei, pois tem outras implicações, nomeadamente quando a pena se mantém apesar do crime ou da ilicitude terem sido desagravados ou atenuados no tribunal de recurso. 
IX- Ora, se a pena fixada na 1ª instância teve em grande conta, para a sua graduação, a quantidade de droga traficada, a manutenção da pena pelo tribunal superior representa, na prática, um agravamento do tratamento penal que lhe tinha sido aplicado na instância inferior, pois agora os pressupostos para a fixação daquela são diferentes e mais favoráveis à arguida.
X- Houve, pois, uma violação do dito princípio, quer quanto à recorrente, quer quando aos outros condenados, pois a pena dos mesmos também foi fixada tendo em conta a quantidade de produto estupefaciente transportado e há que, de algum modo, baixar a pena aplicada àquela e a estes. (AcSTJ de 05-05-2011, Proc. n.º 157/05.4JELSB.L1.S1, Relator: Conselheiro Santos Carvalho)

D.R. do dia 6-Mai-2011

Foi hoje publicado o Diário da República n.º 88, com o seguinte teor.
É de salientar o Decreto-Lei n.º 60/2011. D.R. n.º 88, Série I de 2011-05-06 (Ministério da Justiça): Cria a Rede Nacional de Centros de Arbitragem Institucionalizada (RNCAI) e estabelece as formas e critérios de financiamento e avaliação dos centros que a integram.