segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Advogados estagiários copiaram em exame


Treze advogados estagiários foram apanhados a copiar num exame que daria acesso à segunda fase do estágio. O bastonário da Ordem dos Advogados entende que deveriam ser expulsos da entidade, mas a lei admite que se inscrevam de novo, para repetirem o teste, dentro de meses. Sublinhando que os infractores são apenas uma dúzia em cerca de 1700 candidatos, Marinho e Pinto considerou, em declarações à agência Lusa, que a situação “não tem comparação com o escândalo” ocorrido recentemente no Centro de Estudos Judiciários (CEJ).
Neste caso, houve copianço generalizado e os candidatos a magistrados envolvidos no caso foram “premiados” administrativamente com uma nota positiva (10), antes de a prova ter sido anulada e repetida. A episódio deu origem à demissão da então directora do CEJ.
O bastonário notou ainda que os candidatos a magistrados do CEJ utilizaram “métodos fraudulentos” para aceder a um órgão de soberania, onde irão julgar outras pessoas, pelo que o grau de honestidade destes profissionais tem de ser o mais elevado possível. A irregularidade cometida no exame promovido pela ordem foi confirmada pelo Conselho Distrital de Lisboa Em comunicado, revela que alguns alunos copiaram na prova de aferição do 1º Curso de Estágio de 2011, realizada a 20 e 22 deste mês.
De acordo com o Conselho Distrital, 655 advogados estagiários realizaram a prova, o que totalizou 1965 testes escritos, dos quais 13 (“uma insignificante minoria”) foram anulados pela direção do Centro de Estágio, “por ter sido detectada a utilização de elementos cuja consulta não era permitida”. O Conselho Distrital realça o facto de as anulações se fundamentarem em “factos 
 Jornal de Notícias, 31 de Julho de 2011

Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Grã-Bretanha


Seria lamentável que por um nacionalismo legislativo a Grã-Bretanha viesse a afastar-se do TEDH
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem: um conflito aceso
No Reino Unido, o conflito com o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) mantémse aceso, havendo mesmo quem defenda abertamente que o país deverá deixar de aceitar a jurisdição do TEDH, mesmo que para isso seja necessário abandonar o Conselho da Europa.
O clímax do confronto entre o Reino Unido e o TEDH aconteceu no passado mês de Fevereiro, quando o Parlamento britânico, numa votação de 234 para 22, decidiu “desobedecer” ao TEDH e reafirmar a legislação que tinha sido considerada, por este, estar em conflito com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (Convenção).
A legislação em causa é, para nós portugueses, algo absurda e diria que ninguém de bom senso e com responsabilidades no nosso país a defenderia: na Grã-Bretanha, os presos, seja qual for o crime porque tenham sido condenados, não têm direito de voto. Consideram os deputados britânicos que só se vai para a prisão pela prática de crimes graves, isto é, em consequência de uma quebra grave do contrato que temos com a sociedade e que, em consequência dessa violação contratual, o cidadão perde não só a sua liberdade, como o seu direito de voto, independentemente do crime que tenha cometido.
Ora o TEDH em 2005, no caso Hirst contra o Reino Unido, considerou que tal proibição absoluta de voto a qualquer preso, só pelo facto de estar a cumprir uma pena, violava o direito a eleições livres, consagrado no artigo 3.° do 1.° Protocolo à Convenção. O TEDH não decidiu que a Grã-Bretanha devia conceder o direito de voto a toda a sua população prisional, mas tão-somente que deveria clarificar a legislação existente, acabando com a proibição absoluta de voto de todos os presos.
Esta decisão veio alimentar os anseios eurofobicos nas ilhas britânicas e criar o impasse actual em que se delineiam estratégias que poderão levar David Cameron a incluir no manifesto eleitoral para 2015 uma redução dos “poderes” do TEDH que implicaria o abandono da Convenção. Ao mesmo tempo, o anterior presidente do TEDH Jean-Paul Costa lembrou publicamente que o único país que, desde o início da Convenção em 1950, a denunciou, recusando a jurisdição do TEDH, foi, em 1967, a Grécia, então sob um regime de ditadura. E, embora compreendendo alguma irritação britânica com a decisão em causa do TEDH, considerou inimaginável a ideia de o Reino Unido se poder colocar na mesma situação da Grécia dos coronéis.
Convém, talvez, lembrar o que é o TEDH para melhor podermos perceber o que está em causa. O TEDH tem jurisdição sobre 47 países. Os juizes são eleitos por um mandato de nove anos não renovável, pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. Qualquer Estado contratante ou qualquer particular (pessoas singulares, grupos de particulares ou organizações não governamentais) que se considere vítima de uma violação da Convenção pode dirigir directamente ao Tribunal de Estrasburgo uma queixa alegando a violação por um Estado contratante de um dos direitos garantidos pela Convenção. O TEDH, após um processo contraditório e público, em que queixoso e Estado são ouvidos, pronuncia-se, declarando ter havido ou não uma violação da Convenção e determinando as medidas subsequentes.
Este tribunal representa, em termos da arquitectura jurídica supranacional, uma verdadeira jóia pela sua raridade e pela sua qualidade, já que permite a cidadãos individuais queixarem-se contra os Estados por atentados aos seus direitos fundamentais consagrados na Convenção e tem uma notável jurisprudência estabelecida de salvaguarda dos direitos dos cidadãos europeus. Consagra, naturalmente, este tribunal uma aceitação pelos Estados de uma redução da sua soberania a favor do TEDH, em nome das garantias dos direitos individuais dos cidadãos. Saliente-se ainda que os cidadãos só podem recorrer ao TEDH quando já estiverem esgotados todos os recursos internos do Estado de que se pretendem queixar, para reparar a alegada violação dos direitos dos seus cidadãos. E o TEDH não é um tribunal de recurso contra decisões nacionais que se consideram erradas, já que só aprecia as decisões nacionais em termos da sua compatibilidade ou não com o disposto na Convenção.
Entre os direitos consagrados na Convenção contamse o direito à vida, a proibição da tortura, a proibição da escravatura e do trabalho forçado, o direito à liberdade e à segurança, o direito a um processo equitativo, o princípio da legalidade, o direito ao respeito pela vida privada e familiar, a liberdade de pensamento, de consciência e de religião, as liberdade de expressão, de reunião e de associação, o direito ao casamento, o direito a um recurso efectivo e a proibição de discriminação. Com os protocolos que entretanto foram assinados, foram ainda consagrados, entre outros, a protecção da propriedade, o direito à instrução, o direito a eleições livres, a proibição da prisão por dívidas, a liberdade de circulação, a proibição da expulsão de nacionais e a proibição de expulsão colectiva de estrangeiros.
É por de mais evidente que seria lamentável, e acreditase que não acontecerá, que, por um nacionalismo legislativo de muito discutível relevância, a Grã-Bretanha viesse a afastar-se deste notável organismo internacional. Na verdade, para nós portugueses que acreditamos, pelo menos em termos legislativos, que a prisão deve sempre ser vista como uma passagem no sentido da reinserção, parece mesmo uma aberração a privação da participação dos presos na vida política da sociedade, em termos do direito de voto. Espera-se, assim, que o bom senso prevaleça… 
Público, 30 de Julho de 2011
Francisco Teixeira Mota


Informação Criminal


Rui Cardoso, Secretário-geral do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
Correio da Justiça
Informação Criminal
Nos últimos tempos, e por maus motivos, muito se tem falado de espiões, informações e segurança. Do que há muito ninguém fala e deve merecer cuidado acompanhamento é do Sistema Integrado de Informação Criminal (SIIC), construído pelo governo PS.
Foi claro o propósito de controlar politicamente a investigação criminal e as informações que esta produz: quer o SIIC quer o sistema de coordenação dos órgãos de polícia criminal (OPC) são “coordenados” pelo secretário–geral do Sistema de Segurança Interna, que depende directamente do 1º ministro. O governo, que não pode ter acesso aos inquéritos-crime, administra a base dos dados que os mesmos produzem! O MP, que dirige a investigação criminal e a quem todos os OPC devem obediência funcional, está afastado da direcção destes sistemas, sendo tratado como se fosse apenas mais uma polícia. Por esse motivo, nem os magistrados nem os polícias de investigação neles confiam. Tão-pouco deve qualquer cidadão fazê-lo. Aguarda-se que o PSD, que foi tão crítico, dê o primeiro passo na revisão destes sistemas.
Correio da Manhã, 01 de Agosto de 2011

Casa da Supplicação


Recurso de revisão - novos factos - novos meios de prova - testemunha
1 - Dispõe o art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, que a revisão de uma sentença transitada em julgado é admissível quando «se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação». Pode constituir também fundamento da revisão a existência de factos novos ou novos meios de prova, que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e que, sendo desconhecidos do tribunal na data do julgamento, possam ser susceptíveis de suscitar dúvidas sérias sobre a justiça da decisão.
2 - São factos novos e novos os meios de prova, os que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação, e que, sendo desconhecidos da jurisdição no acto do julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado; para efeito de fundamentar o pedido de revisão de decisões penais, os meios de prova são novos quando não foram administrados e valorados no processo que conduziu à condenação, e não fossem conhecidos ou não pudessem razoavelmente ser ignorados pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar.
3 - Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, ou seja, que não foram apresentados ou não poderiam ser apresentados por desconhecimento, no processo da condenação. Se foram apresentados no processo da condenação, ou poderiam tê-lo sido, não são novos no sentido da “novidade” que está subjacente na definição da al. d), no n.º 1 do art. 449.º do CPP.
4 - A novidade, neste sentido, refere-se a meio de prova, seja pessoal, documental ou outro, e não ao resultado da administração do meio de prova; no caso de provas pessoais, a “novidade” refere-se à testemunha na sua identidade e individualidade e não ao resultado da prova efectivamente produzida.
5 - Se os meios de prova eram conhecidos, ou não poderiam razoavelmente ser desconhecidos do arguido na ocasião do julgamento, e se, consequentemente, poderiam ter sido apresentados, não podem ser considerados, neste sentido, «novos meios de prova». De outro modo, criar-se-iam disfunções sérias contra a estabilidade e segurança do caso julgado, abrindo caminho a possíveis estratégias probatórias moldáveis numa atitude própria da influência da “teoria dos jogos” no processo.
6 - Se, o recorrente invoca como fundamento do recurso a existência/descoberta de factos novos, que fazem supor a «injustiça da condenação» e oferece um meio de prova – a existência e a identificação da testemunha – que não lhe era desconhecido no momento adequado para a produção de prova no processo, os motivos invocados não assumem a consistência pressuposta como fundamento do recurso extraordinário de revisão.
7 - Independentemente das considerações que possam ser formuladas a respeito da natureza e amplitude do fundamento, a «categoria» ou o conceito de «provas proibidas» que podem ser fundamento do recurso de revisão são enunciadas por clara remissão para o regime dos métodos proibidos de prova, como constam das definições categoriais do art. 126.º do CPP.
8 - As provas proibidas são as obtidas mediante meios que por natureza são ilegítimos, alguns constituindo mesmo infracção criminal, e que, por isso, inquinam total e absolutamente qualquer elemento que tenha sido adquirido com tal grau de violação de regras e princípios fundamentais.
9 - Nada tem que ver com o regime específico das «provas proibidas» a utilização no processo de meios que, embora afectando direitos fundamentais, podem assumir legitimidade se foram respeitados pressupostos materiais e procedimentais na aquisição, pelo que, sendo tal ocorrente no caso dos autos, é de negar a pretendida revisão.
AcSTJ de 18-05-2011, proc. n.º 140/05.0JELSB-N.S1-3, Relator: Conselheiro Henriques Gaspar

Habeas corpus - anulação de sentença - prazo da prisão preventiva
1 - A questão colocada na presente petição de habeas corpus prende-se em saber se uma decisão condenatória da 1.ª instância, que vem a ser anulada, releva para a definição da fase em que o processo se encontra e, por conseguinte, para estabelecer o prazo de duração máxima da prisão preventiva.
2 - A sentença condenatória proferida pela 1.ª instância, mesmo que, em fase de recurso venha a ser anulada, é relevante para efeitos de definir a fase do procedimento em que o processo se encontra e, em função dela, o prazo de duração máxima da prisão preventiva.
3 - Uma sentença condenatória, ainda que anulada, não se pode considerar um acto inexistente, por forma a suportar a «ficção» de que o procedimento ainda se encontra na fase anterior à condenação em 1.ª instância.
4 - Com a prolação de decisão condenatória em 1.ª instância, o processo entra na fase de recurso, justamente a fase a que se refere a al. d) do art. 215.º do CPP, e a circunstância de essa decisão condenatória vir a ser anulada não afecta o prazo de duração máxima de prisão preventiva que foi logo alargado por força de o processo ter entrado na fase de recurso.
AcSTJ de 05-05-2011, proc. n.º 52/09.8SMLSB-B.S1-5, Relatora: Conselheira Isabel Pais Martins

Recurso para fixação de jurisprudência - oposição de julgados - cumprimento de pena - desconto -detenção - prisão preventiva - obrigação de permanência na habitação - trânsito em julgado
1 - Na aplicação da norma do n.º 1 do art. 80.º do CP, na redacção introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09 – segundo a qual a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas –, a idênticas situações de facto, os acórdãos recorrido e fundamento, ambos do Tribunal da Relação de Lisboa, revelam decisões expressas e antagónicas sobre a mesma questão de direito.
2 - Enquanto que no acórdão recorrido se entendeu que o desconto daquelas medidas aplicadas em processo diferente daquele em que o arguido for condenado reclama que o facto por que o arguido for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas e ainda o trânsito em julgado da decisão final proferida no processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas, já no acórdão fundamento sustentou-se que o desconto daquelas medidas aplicadas em processo diferente daquele em que o arguido for condenado reclama tão só que o facto por que o arguido for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas, independentemente de se mostrar, ou não, transitada essa decisão final. 
3 - Centra-se, assim, a oposição na questão de saber se, na aplicação da norma do n.º 1 do art. 80.º do CP, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido devem ser descontadas, por inteiro, no cumprimento de pena de prisão em que for condenado, em processo diferente daquele em que essas medidas foram aplicadas e por facto praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas, logo no momento em que se proceda ao cômputo da execução da pena de prisão ou só após o trânsito em julgado da decisão final proferida no processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.
AcSTJ de 05-05-2011, proc. n.º 29/04.0JDLSB-O.S1-5, Relatora: Conselheira Isabel Pais Martins

 Competência da Relação - qualificação jurídica - alteração da qualificação jurídica - alteração não substancial dos factos - comunicação ao arguido - concurso de infracções - concurso aparente - consumpção - coacção sexual - violação - agravante -  parentesco - crime continuado - direitos de defesa - reformatio in pejus - medida concreta da pena
1 - A discordância do recorrente radica na unidade ou pluralidade de dois ilícitos típicos, em concurso efectivo:
- segundo a acusação e a pronúncia: um crime de violação e um crime de coacção sexual;
- segundo a decisão da 1.ª instância: um crime continuado de violação e um crime continuado de coacção sexual;
- segundo a decisão da Relação: o recorrente cometeu (pelo menos) dois crimes de coacção sexual e (pelo menos) dois crimes de violação.
2 - Dos factos dados como provados pode afirmar-se que a conduta do recorrente integra os crimes de coacção sexual, do art. 163.º, n.º 1, e de violação, do art. 164.º, n.º 1, sendo inquestionável que os factos provados demonstram, ainda, a agravação resultante da al. a) do n.º 1 do art. 177.º, todos do CP.
3 - Ponderando, nessa perspectiva, os factos provados, verifica-se que as coacções sexuais do art. 163.º, n.º 1, e as violações do art. 164.º, n.º 1, se apresentam autónomas, entre si, ou seja, os actos sexuais ocorridos tanto se integravam num tipo como no outro, coexistindo, no tempo, com independência, a prática quer de actos sexuais de relevo enquadráveis no art. 163.º, n.º 1, quer de violações do art. 164.º, n.º 1, com excepção do período final da actividade criminosa, em que a mesma se restringiu à prática de coacções sexuais do art. 163.º, n.º 1.
4 - Ou seja, no quadro dos factos provados as coacções sexuais não podem ser vistas, ou, pelo menos, não podem ser sempre vistas, como integrantes dum processo que conduziu à cópula. E, assim sendo, as coacções sexuais possuem um desvalor autónomo.
5 - A relação entre os dois tipos-de-ilícito é, por conseguinte, de concurso efectivo; quando os actos de coacção sexual não possam ser vistos como integrantes do processo que conduziu à cópula ou ao coito anal ou oral, o crime de violação não consome as coacções sexuais.
6 - É comum às soluções jurídicas da 1.ª instância e da Relação a compreensão da pluralidade de actos que conformam a conduta do recorrente como constitutiva de uma pluralidade de crimes, de um concurso efectivo de crimes.
7 - Na verdade, o crime continuado é uma figura que, tal como se encontra desenhada no nosso direito positivo, no art. 30.º, n.º 2, do CP, visa o tratamento, no quadro da unidade criminosa, de um concurso efectivo de crimes .
8 - O art. 30.º, n.º 2, reconduz o crime continuado a uma pluralidade de actos susceptíveis de integrar várias vezes o mesmo tipo legal de crime ou tipos diferentes se bem que análogos, mas que, apesar disso, apresentam entre si uma conexão objectiva e subjectiva que justifica a não consideração da pluralidade de actos como conformadores de um concurso efectivo de crimes e, coerentemente, subtrai a punição às regras da punição do concurso de crimes para a submeter a um regime adequado à consideração do caso como de unidade de crime (art. 79.º do CP).
9 - Trata-se, afinal, de tratar um concurso efectivo de crimes no quadro de uma unidade criminosa normativamente construída.
10 - À qualificação jurídica dos factos operada na 1.ª instância – um crime continuado de violação e um crime continuado de coacção sexual – não terão deixado de presidir as razões que, de um ponto de vista pragmático, estão subjacentes à construção normativa da figura do crime continuado.
11 - Os factos provados demonstram numerosas violações do mesmo bem jurídico (a liberdade sexual), realizadas de forma essencialmente homogénea, relacionando-se contextualmente umas com as outras.
12 - É, justamente, na base do entendimento de que, no caso, não se verifica uma diminuição sensível da culpa do recorrente que a Relação rejeitou a qualificação jurídica dos factos que vinha da 1.ª instância, ou seja, a subsunção do comportamento do recorrente à figura do crime continuado, um crime continuado de coacção sexual e um crime continuado de violação, ambos agravados, e em concurso efectivo.
13 - A figura do crime continuado, com acolhimento em diversas ordens jurídicas, ou por opção expressa do legislador ou por via de criação jurisprudencial, tem sido sujeita a uma crítica intensa: contra a figura esgrimem-se argumentos de justiça material que põem em relevo o benefício injustificado e injusto que, particularmente, resulta do seu regime de punição e afirmam-se, ainda, teses de princípio que partem da afirmação de que, no caso de violação de bens jurídicos eminentemente pessoais nunca poderá haver unificação normativa por falhar – falhar sempre – a culpa diminuída que constitui o seu verdadeiro pressuposto.
14 - Todavia, a crítica à figura do crime continuado não radica exclusivamente nos argumentos que se extraem dos benefícios injustificados para o arguido que dela resultam. Assenta, também, nas consequências desfavoráveis e injustas para o agente que a figura pode implicar: destaca-se muito especialmente que o crime continuado pode acarretar uma diminuição considerável das garantias de defesa do arguido por essa construção normativa.
15 - Enquanto que a 1.ª instância se decidiu pela unificação normativa das condutas subsumíveis a cada um dos tipos, de modo que condenou o recorrente pela prática de dois crimes continuados, um de coacção sexual, outro de violação, a Relação, na base do entendimento de que não se verificava a diminuição da culpa em razão de uma exigibilidade diminuída, requerida para tal unificação normativa, rejeitou essa solução mas, na falta de factos que permitissem determinar o número exacto de actos singulares, na falta de factos que permitissem determinar o conteúdo objectivo de cada um dos actos singulares, na falta de factos que permitissem determinar se a cada um dos concretos actos singulares presidiu uma nova e autónoma resolução criminosa, na falta de factos que permitissem determinar se cada um dos actos singulares foi precedido de uma concreta acção de constrangimento, criou uma ficção.
16 - Na falta de averiguação e valoração jurídico-penal de todos e cada um dos crimes e na impossibilidade reconhecida de a alcançar, a Relação decidiu, arbitrariamente, que o recorrente cometeu dois crimes de cada um dos tipos.
17 - Ainda que se tivesse por correcta a solução do concurso efectivo de crimes de cada um dos tipos de ilícito – o que se nos apresenta dificilmente sustentável em face dos factos fixados – sempre a decisão da Relação não poderia ser mantida por comportar violação dos direitos de defesa do recorrente e violação da proibição de reformatio in pejus.
18 - A Relação procedeu a uma alteração da qualificação jurídica dos factos: o recorrente vira o seu comportamento tratado no quadro da unidade criminosa de cada um dos tipos-de-ilícito; um único crime de coacção sexual e um único crime de violação, segundo a acusação e a pronúncia, uma unidade normativa de cada um dos tipos-de-ilícito, segundo a decisão da 1.ª instância.
19 - Contra essa unidade, e sem prejuízo da forma diversa que apresenta a sua construção, concluiu a relação por uma pluralidade de crimes, a importar uma alteração da qualificação jurídica dos factos.
20 - A alteração da qualificação jurídica está sujeita à regulamentação da alteração não substancial dos factos – arts. 358.º, n.º 3, e 424.º, n.º 3, do CPP.
21 - A alteração da qualificação jurídica não deriva da própria posição assumida pelo arguido no recurso para a relação. É certo que, nesse recurso, o recorrente questionou a verificação dos pressupostos do crime continuado mas fê-lo na perspectiva da não verificação dos elementos dos tipos e não – o que seria absolutamente incongruente – na sustentação de um concurso efectivo de crimes de cada um dos tipos. De referir, ainda, que, na fase de recurso, nenhum dos outros sujeitos processuais expressou discordância com a qualificação jurídica dos factos do acórdão da 1.ª instância.
22 - Se, no decurso da audiência no tribunal de recurso se verificar uma alteração não substancial dos factos ou uma alteração da qualificação jurídica, o presidente deve comunicá-la ao arguido e notificá-lo para se pronunciar em 10 dias. Não havendo audiência no tribunal de recurso, a comunicação deve ser feita por via postal. Se o tribunal de recurso não cumprir este dever de comunicação, o acórdão do tribunal de recurso é nulo (art. 425.º, n.º 4, que remete para o art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP).
23 - A Relação violou também a proibição de reformatio in pejus: esta é uma medida protectora do direito de recurso em favor do arguido, visando garantir ao arguido recorrente ou ao MP quando recorre no exclusivo interesse do arguido que o arguido não será punido com sanções mais graves pelo tribunal superior competente para conhecer do recurso.
24 - A alteração da qualificação jurídica pelo tribunal de recurso não permite a manipulação das sanções em desfavor do arguido recorrente. E, em caso de concurso de crimes, a proibição da reformatio in pejus vale não apenas para o agravamento da pena conjunta mas também para cada uma das penas parcelares.
25 - Ora é inquestionável que a Relação agravou as penas parcelares porque alterou uma condenação em duas penas, uma de 3 anos e 6 meses e outra de 7 anos, para uma condenação em quatro penas, duas de 3 anos e duas de 6 anos.
26 - Quer dizer, com a mera manutenção da pena única o acórdão da Relação não salvaguarda a proibição da reformatio in pejus; infringiu essa proibição pela circunstância de condenar o recorrente em quatro penas parcelares quando na decisão de que interpôs o recurso o recorrente tinha sido condenado em duas penas parcelares.
27 - Este agravamento prejudica efectivamente o recorrente. 
28 - Bastará considerar que o caso julgado relativo à formação do cúmulo jurídico de penas vale rebus sic stantibus, ou seja, nas circunstâncias que estiveram na base da sua formação. Se as mesmas se alterarem, por conhecimento de outro(s) crime(s), em relação de concurso, não considerado no cúmulo realizado, há uma modificação que altera a subsistência do concurso e da pena única anteriores, de modo que o caso julgado em que este se traduziu deva ficar sem efeito, adquirindo as penas parcelares nele contidas plena autonomia para determinação da moldura penal no novo concurso .
29 - Sendo o concurso anterior desfeito, não há qualquer “caso julgado” da anterior pena conjunta, pelo que a manutenção da pena única quando as penas parcelares são aumentadas no seu número e expressão conjunta, nomeadamente para efeitos da determinação da moldura da pena do concurso, não subtrai a decisão a uma violação da proibição da reformatio in pejus.
30 - Atendo-nos aos factos que foram dados por provados, como decorrência da “técnica” seguida na construção da acusação e da pronúncia, na falta de factos que permitam alicerçar um juízo seguro, objectiva e subjectivamente sustentado, sobre esses factos conformarem um concurso efectivo de crimes (também ele prévio à consideração da unificação normativa das condutas), impõe-se-nos, como solução jurídica, a subsunção da actividade criminosa do recorrente a um único crime de coacção sexual e a um único crime de violação, ambos agravados, e em concurso efectivo.
31 - Só essa solução acautela os direitos de defesa do recorrente por respeitar o objecto do processo tal como foi definido, em termos de construção de facto e de direito, pela acusação e pela pronúncia.
32 - Relativamente às medidas das penas – sempre no respeito pela proibição da reformatio in pejus –, as ponderações de prevenção, geral e especial, e da culpa do recorrente pelos factos, não fundamentam qualquer redução das penas, parcelares e única, cominadas na 1.ª instância [respectivamente, de 3 anos e 6 meses de prisão e de 7 anos de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 anos de prisão].
AcSTJ de 12-05-2011, proc. n.º 14125/08.0TDPRT.P1.S1-5, Relatora: Conselheira Isabel Pais Martins

Recusa - imparcialidade - isenção - prazo - extemporaneidade
1 - O arguido requereu a recusa do relator do processo já depois de proferida a decisão e dela ter sido notificado e sem ter indicado no seu requerimento qualquer motivo grave e sério capaz de suscitar dúvidas acerca da imparcialidade do magistrado.
2 - A lei – art. 43.º, n.º 1, do CPP –, exige a ocorrência dum motivo duplamente qualificado de «grave e sério», ou seja, a verificação de “circunstâncias muito rígidas e bem definidas, tidas por sérias, graves e irrefutavelmente denunciadoras de que o juiz deixou de oferecer garantias de imparcialidade e de isenção” (cf. Ac. deste Supremo Tribunal de 19-02-2004, 496/04 - 5.ª).
3 - Conforme decidiu o STJ, resulta do art. 44.º do CPP, que «é intempestivo o pedido de recusa de um Juiz Desembargador apresentado posteriormente à prolação do acórdão da Relação de que aquele foi relator e à arguição da nulidade desse mesmo acórdão, embora tal apresentação tenha ocorrido antes de se iniciar a conferência que julgaria aquela nulidade» (Ac. de 05-06-2003, 379/03 - 5.ª), interpretação julgada não inconstitucional (Ac. do TC n.º 143/04, de 10-03-2004).
4 - Porque o prazo previsto no referido art. 44.º tem a natureza de peremptório, o seu decurso extinguiu o direito de praticar o acto – art. 145.º, n.º 3, do CPC –, obstando, por isso, ao conhecimento do pedido.
AcSTJ de 18-05-2011, proc. n.º 31/08.2TELSB.L1.S1-A-5, Relator: Conselheiro Arménio Sottomayor



Revista do Ministério Público

Revista do Ministério Público nº 126
Indíce do nº 126

Diário da República n.º 146

Foi hoje publicado o Diário da República n.º 146, Série I de 2011-08-01.