Justiça vai ficar mais cara para empresas e difícil para particulares
Acções executivas e de grandes empresas ficam mais caras. Governo deixa de avançar verba para diligências. Proposta de novas custas entregue aos parceiros.
O Ministério da Justiça quer agravar as custas judiciais nas acções de valor superior a 250 mil euros – normalmente intentadas por grandes empresas – e obrigar as partes a pagar à cabeça os encargos das diligências. Além disso, as certidões, cópias e traslados vão ficar mais caros, a taxa para acções executivas vai duplicar e os litigantes de má fé – os que usam os tribunais sem fundamento – terão sanções muito mais elevadas.
São algumas das alterações previstas no projecto de proposta de lei que institui o novo Regulamento das Custas Judiciais, a que o Diário Económico teve acesso, enviado esta semana aos vários operadores judiciais. A alteração ao Código das Custas, no sentido da padronização, foi uma exigência da ‘troika’ e a ministra tem até ao final do mês para aprovar a proposta final.
Numa lógica de padronizar todas as normas avulsas sobre custas e taxas de Justiça – valor pago para dar entrada de um processo em tribunal -, no preâmbulo da proposta a ministra esclarece o objectivo é “a aplicação do mesmo regime de custas a todos os processos judiciais pendentes, independentemente do momento em que os mesmos se iniciaram”. Uma situação que leva o advogado Luís Filipe Carvalho a duvidar da constitucionalidade da medida (ver entrevista ao lado).
Na proposta, onde o Ministério da Justiça refere que algumas “correcções” têm em vista a “sustentabilidade financeira do sistema”, está previsto que o “não pagamento de encargos” implica a não realização da diligência requerida (por exemplo, perícia ou peritagem). Ora, o actual regulamento define que, se os encargos não forem pagos, “os valores em dívida são imputados na conta das custas” apresentada no final do processo. Isto é, se antes o Instituto de Gestão Financeira e das Infra- Estruturas da Justiça avançava com a verba para assegurar a diligência, agora o Ministério fecha a torneira e obriga a parte a pagar à cabeça, sob pena de não ver o pedido realizado.
Uma alteração que, segundo Luís Filipe Carvalho, vai encarecer indirectamente a Justiça a muitos particulares, embora a Unidade de Conta (UC) se mantenha nos 102 euros. “O encarecimento não se dá apenas pelo aumento ou não da UC, pode dar-se por valores absolutos no fim do processo ou formas de pagamento. O facto de a pessoa ter que pagar logo a diligência já é uma forma de encarecimento”, defende.
Além disso, as taxas devidas pela emissão de certidões, traslados e cópias certificadas passam de 12,5 euros até 25 páginas para cerca de 20 euros, quase o dobro. E se antes a parte contra quem é intentada a acção judicial só pagava custas no final do processo (se fosse total ou parcialmente vencido), agora vai pagar assim que apresentar contra-alegações.
Nas acções penais, a parte que pede abertura de instrução passa a ter de fazer prova de que efectuou pagamento. Caso contrário, a abertura da instrução é considerada “sem efeito”. Alterações que, explica a proposta, visam a sustentabilidade do sistema de Justiça e o “aumento de receitas” e que acabam indirectamente por encarecer o acesso aos tribunais.
Com a pendência das acções executivas a dominarem as preocupações da ‘troika’ e do Governo, Paula Teixeira da Cruz decidiu dobrar o valor da taxa de 200 para 400 euros para quem quer avançar com processos de cobrança de dívidas acima dos 30 mil euros.
No que toca às grandes empresas, a ministra manteve aquela que tinha já sido a alteração de Alberto Martins. Só que agora vale para todos os processos (pendentes) e não apenas para os que sejam intentados só depois da entrada em vigor do novo regulamento: acções acima de 250 mil euros vão pagar muito mais. Com as novas regras, o autor de uma acção de valor entre 250 e 275 mil euros passa a pagar mais 102 euros para dar entrada do processo (mais uma UC). Isto é, se hoje paga 1.530 euros vai pagar 1.632 euros. E nas acções a partir de 275 mil euros o aumento será progressivo – mais 306 euros (três UC) por cada 25 mil euros. “Normalmente, só as grandes empresas têm processos deste valor”, reconheceu ao Diário Económico o advogado Garcia Pereira.
O objectivo do Governo será o de levar muitas empresas a desistir de acções ou de tentarem a arbitragem. Aliás, a própria ministra diz na proposta que dá “um incentivo” as partes que desistam de acções.
Juízes, advogados, funcionários judiciários e Conselhos Superiores têm até sexta-feira para se pronunciarem.
NOVAS REGRAS DAS CUSTAS
• Objectivo: padronização. Processos passam a estar sujeitos a um único regime. E as novas regras aplicam-se até às acções pendentes.
• Instituto de Gestão Financeira deixa de avançar com verba para pagar encargos de diligências. A parte que requer a diligência terá que pagar à cabeça.
• Taxa das acções executivas acima de 30 mil euros passa a ser de pouco mais de 400 euros. Até agora, só os processos acima dos 300 mil pagavam este valor.
• Acções de valor acima dos 250 mil euros têm custas mais caras. E o aumento a partir dos 275 mil é progressivo.
• Preço das certidões sobe para quase o dobro.
• Sanção pela litigância de má fé dispara: passa de 10 UC (pouco mais de mil euros) para 100 UC (pouco mais de 100 mil euros).
• Incentivos à desistência de acções.
• Fica definido o momento do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça: no prazo de dez dias a contar da notificação para a audiência final.
• Revogação da conversão da taxa de justiça paga em pagamento antecipado de encargo.
TRÊS PERGUNTAS A… LUÍS FILIPE CARVALHO – Advogado
“Aplicação a todas as acções pode ser inconstitucional”
Advogado e ex-candidato a Bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Filipe Carvalho duvida da constitucionalidade da imposição das novas regras das custas judiciais agora propostas por Paula Teixeira da Cruz a todos os processos pendentes. E avisa que a padronização das regras, ainda que desejável, acaba por encarecer o acesso à Justiça por parte de empresas e particulares.
- Como vê a intenção do Governo de aplicar o novo regime de custas a todos os processos em curso?
- A padronização é desejável porque nos últimos anos com a sucessão de legislação sobre as custas gerou-se uma situação caótica. Mas ao aplicar-se esta padronização a processos pendentes vai criar-se outros problemas, porque a tendência é sempre de agravamento. E penso que se colocam até questões de constitucionalidade, porque poderão não ser respeitados os direitos adquiridos de pessoas que têm processos a correr em tribunal. E este é um direito que sempre foi respeitado.
- Como vai a esta padronização das custas encarecer o acesso à Justiça?
- A tendência é sempre essa. Mesmo não aumentando a Unidade de Conta (UC), o agravamento das custas poderá dar-se em valores absolutos ou até mesmo nas formas de pagamento, nomeadamente aquela que está prevista nesta proposta, segundo a qual as partes têm que pagar à cabeça as diligências que vão sendo requeridas. É um encargo significativo.
- A ideia poderá ser levar pessoas a desistir das acções?
- Existe de facto, sempre que é alterado um regulamento das custas judiciais, uma tendência de agravar custos para afastar as pessoas dos tribunais. Mas penso que, neste caso, está mais em causa o objectivo de tornar o sistema judicial auto-sustentável. E esta padronização, aplicada a todos os processos pendentes nos tribunais portugueses, é um factor adicional que contribui para essa sustentabilidade do sistema, porque o Estado vai poupar muitas horas de trabalho. No entanto, vai criar muitos problemas às pessoas que têm processos em tribunal. I.D.B.Inês David Bastos
Diário Económico, 21 de Setembro de 2011