domingo, 4 de dezembro de 2011

O essencial e o acessório


A voragem do tempo faz com que os temas da Justiça sejam, por vezes, discutidos tendo por base casos concretos ou um conjunto de aspectos parciais que reproduzem apenas parte do problema.
Em bom rigor, passamos o tempo a discutir o acessório, esquecendo o que é essencial.
Afirmamos todos que estamos preocupados com os direitos dos cidadãos perante a administração da Justiça sem que saibamos o que isso é. Ou que a Justiça é morosa mas não queremos saber porque motivo isso acontece. Falamos em corporações e dizemos que estas impedem mudanças mas não sabemos bem que mudanças queremos.
A organização judiciária é o perfeito exemplo do tipo de discussão em que o acessório se faz em prejuízo do essencial.
Queremos uma justiça de proximidade ou uma justiça especializada? Essa é uma questão a colocar aos utentes da justiça, uma vez que os recursos do país não permitem um tribunal especializado em cada localidade mas também não podemos afastar o exercício do Poder Judiciário junto dos cidadãos de tal forma que se impeça a própria ideia de Justiça.
António José Fialho, Juiz de Direito
Correio da Manhã, 03-12-2011

Governo prepara-se para alterar prazos de prescrição


Legislação. Passados mais de 15 anos, crimes do estripador praticados em Lisboa já não podem ser julgados, mas as leis penais vão mudar.
O Ministério da Justiça (MJ) está a preparar novas leis penais no sentido de alterar os prazos de prescrição, incluindo os criminais. Casos como o do “estripador de Lisboa”, que já não será responsabilizado pelo homicídio de três mulheres visto terem passado mais de 15 anos sobre a data dos crimes, deverão ser afectados com a nova legislação. Em 2009, recorde-se, 1489 pessoas, sendo arguidas, acabaram por não chegar a julgamento devido à prescrição dos respectivos processos-crime.
O caso do “estripador de Lisboa” voltou à actualidade depois de na quinta-feira o semanário Sol ter anunciado a identificação do presumível autor da morte de três mulheres, em 1992 e 1993, um caso que chocou a sociedade portuguesa. Além da identificação, o jornal adiantava que José Guedes, de 46 anos, tinha sido detido na quarta-feira alegadamente por ter confessado a autoria de um outro homicídio, em 2000, em Caria, Aveiro, sendo vítima uma mulher de 20 anos.
Por este crime poderá ainda ser julgado. Mas, o procedimento criminal já prescreveu relativamente aos outros e, por eles, nunca mais será responsabilizado.
As prescrições, curiosamente, têm sido uma preocupação da ministra da Justiça desde que tomou posse: “Os cidadãos não suportam mais processos que se arrastam anos e anos e que muitas vezes prescrevem.” Paula Teixeira da Cruz, neste sentido, adiantou que “o Governo tem em preparação legislação para revisitar as prescrições e pôr fim aos expedientes dilatórios”. E sublinhou: “Há um conjunto infindável de disfunções. É preciso revisitar as prescrições, o número de testemunhas admitidas nos processos, tudo isso através da clarificação das leis.” Palavras que tem vindo a repetir em várias ocasiões, nomeadamente no congresso dos funcionários judiciais, no Algarve, dia 25. Ontem, em declarações ao DN, fonte oficial do MJ confirmou o andamento dos trabalhos. A alteração dos prazos de prescrição do procedimento criminal, note-se, insere-se num conjunto de outras “revisitações” às leis penais que o MJ está a levar a cabo, tendo já nomeado uma comissão para mexer nos códigos penal e processual penal.
Sem julgamento
Todos os homicídios, em Portugal, com penas de prisão superiores a 10 anos, prescrevem ao fim de 15 anos. Findo este período, o processo é definitivamente arquivado, sem hipótese de julgamento, mesmo que os culpados venham a ser descobertos, como poderá ser agora o caso do “estripador de Lisboa”.
Mas, não se trata de um caso raro em Portugal. Segundo as estatísticas do MJ, em2009, devido às prescrições, quase 1500 pessoas (1,6% do total dos arguidos constituídos nesse ano) não chegaram à sala dos tribunais para serem julgadas. Em 2008 registaram-se ainda muitos mais casos: 2592 arguidos não foram condenados devido à prescrição dos respectivos processos.
O caso do “estripador de Lisboa” acabou por lançar o debate em volta da prescrição: saber se será legítimo que crimes como os imputados ao estripador, seja ele quem for, podem prescrever.
Apesar de parecer chocante, o certo é que os juristas estão de acordo que deve haver prazos para a extinção dos processos quando seja impossível responsabilizar alguém pela prática de um determinado crime.
“Um Estado que durante 15 anos não consegue perseguir um crime, ou ao menos instaurar um processo que suspenderia a prescrição, esse Estado perde a legitimidade moral e ética para punir”, disse ao DN Costa Andrade, catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra.
“A responsabilidade penal visa punir quem cometeu o crime e a reposição dos valores. Decorrido mais do que um determinado tempo sobre a prática do crime, a acção penal deixa de ter efeito porque os valores têm uma determinada actualidade”, defendeu Fernando Silva, especialista em direito penal da Universidade Autónoma.
“Não pode ficar na mão do Estado punir se e quando quiser”, defendeu João Correia, ex-secretário de Estado da Justiça. Para Rodrigo Santiago, da comissão dos direitos humanos da Ordem dos Advogados, o Estado tem de ter um prazo para punir porque as pessoas têm direito “à sua paz jurídica”.
PROCESSOS TRIBUTÁRIOS
O prazo de prescrição de uma dívida tributária é de oitos anos, se não houver lei especial.
O prazo prescricional começa a contar desde a data em que a obrigação deveria ter sido cumprida.
Esta norma aplica-se aos processo tributários e também às dívidas à Segurança Social. Os prazos podem ser interrompidos ou suspensos.
PENAL
Crime O procedimento criminal extingue-se, por prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido 15 anos, quando se tratar de crimes com penas superiores a 10 anos. Pode extinguir-se ao fim de 10 anos quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 1 ano, mas inferior a 5.
MENORES
Abuso sexual Nos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual de menores, o prazo de prescrição do procedimento criminal pode extinguir-se ao fim de 10 anos após a data da prática dos crimes, mas nunca sem antes a vítima tiver completado 23 anos. É uma prerrogativa que foi implementada após o processo “Casa Pia”.
CAPITAIS
Branqueamento No caso de ser provado o crime de branqueamento de capitais, a pena de prisão pode ir até 12 anos, o que quer dizer que o processo só poderá ser declarado extinto, por prescrição, quinze anos depois. Este prazo foi alargado no seguimento do combate ao terrorismo que a Europa e os Estados Unidos iniciaram.
Licínio Lima, 
Diário de Notícias, 03-12-2011

Tentativa e acção


Pablo César Busato, La tentativa del delito análisis a partir del concepto significativo de la acción, Juruá Editorial, Lisboa, 2011, ISBN: 9789898312730