sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Justiça: muita parra, pouca uva


O Ministério da Justiça demonstrou grande azáfama ao longo de 2012, mas os resultados não são visíveis
Como está a Justiça no fim do ano de 2012? Não se sabe bem. Sabe-se, no entanto, que não está bem.
O Ministério da Justiça demonstrou grande azáfama ao longo de 2012, mas os resultados não são visíveis. É verdade que as reformas legislativas levam tempo para produzir resultados na vida judicial. E as mais importantes em curso, como é o caso da reforma do mapa judiciário, do código do processo civil ou das alterações de carácter penal, ainda estão no processo de gestação da lei. O que quer dizer que, na prática, nada existe. A acção do Ministério da Justiça não é, assim, visível no terreno, ou seja, nos tribunais cíveis e criminais, o palco da Justiça por excelência.
Não faz, pois, sentido afirmar, como afirmou a ministra em Setembro, a propósito de umas buscas realizadas em casa de ex-governantes, que "houve um tempo de impunidade, que acabou". Não houve qualquer alteração legislativa introduzida pela ministra que tenha determinado aquelas buscas. A criação do Tribunal de Propriedade Intelectual é uma medida positiva, mas não me parece ter sido determinante na investigação criminal em causa.
A verdade é que a impunidade não acabou, nem nos processos cíveis, onde impera um sistema que protege o infractor e um regime de execuções/cobranças escandalosamente ineficaz; nem nos processos-crime, onde, entre outras realidades, se mantêm as manobras processuais que vão prolongando indefinidamente os processos a caminho de prescrições laboriosamente conquistadas.
Há, aliás, a salientar um facto notável que podemos mesmo considerar um nicho de mercado a explorar pelos portugueses: o tempo que levou a extradição da Grã-Bretanha do ex-presidente do Benfica indica que é possível exportar a nossa morosidade judicial, assim haja quem o saiba fazer.
Mas saliente-se que a falta de resultados positivos durante o ano de 2012 não é consequência do fracasso das reformas anunciadas pela ministra. Pois só depois de existirem (e ainda não existem como leis), se poderá dizer se são eficazes ou não.
Já não haverá, por outro lado, dúvidas em classificar como pouco eficaz a batalha da ministra da Justiça pela criminalização do enriquecimento ilícito.
A criação deste novo crime levanta problemas complexos em termos de teoria criminal-constitucional - será possível existir sem violar o princípio da presunção da inocência? - e sérias dúvidas sobre a sua eficácia em termos práticos - quantas pessoas virão a ser efectivamente condenadas pela prática de tal crime?
De qualquer forma, parece-me razoável ou aceitável a criação desse crime, desde que a sua formulação respeite a nossa Constituição. Ora, o Tribunal Constitucional (TC), ao considerar, em 4 de Abril deste ano, inconstitucional a legislação aprovada nesse sentido pela Assembleia da República - com votos favoráveis de todos os partidos, com excepção do Partido Socialista -, deixou pouco espaço para uma nova tentativa de criação desse crime.
Claro que se a ministra entende que é possível tipificar o crime de forma constitucional, deverá apresentar uma nova proposta de lei nesse sentido. Mas já parece um exagero dizer que irá ao TC "as vezes que for preciso". Parece-me que não se aplica ao TC o provérbio "água mole em pedra dura, tanto dá até que fura"...
De resto, há matérias muito mais importantes para a ministra da Justiça se dedicar de corpo e alma. Se resolvesse o problema das execuções, acabando com a impunidades dos devedores e a gritante ineficácia do sistema dos agentes de execução - salvo honrosas excepções -, seria lembrada por muitos anos, não só na comunidade judiciária mas, sobretudo, na sociedade civil.
Por último, parece extremamente preocupante que, tanto quanto consegui perceber, se esteja prestes a concretizar uma ambiciosa reforma do processo civil que visa, necessariamente, combater o excessivo formalismo e a lentidão dos nossos tribunais e seja completamente ignorado o recém-publicado e exaustivo estudo Justiça Económica, resultante de uma parceria da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a Associação Comercial de Lisboa.
Será que todo esse notável trabalho, não vai, em termos práticos, servir para nada? Faria todo o sentido que o Ministério da Justiça criasse uma task forcepara uma rápida análise daquele estudo no sentido de apurar aquilo que poderia ser útil inserir na reforma que se anuncia. É certo que o estudo foi feito à margem do Estado e à margem do grupo a quem o ministério entregou a reforma do Código do Processo Civil. Mas, ainda assim, ultrapassando as velhas capelinhas, convinha que se aproveitasse o que de bom há nesse estudo. Ou seremos, como sempre, demasiado bons e ricos para perdermos tempo com os contributos dos "outros"?
Público, de 28-12-2012

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