domingo, 4 de março de 2012

Questão de transparência Director do CEJ defende que magistrados devem declarar participação em associações secretas


O director do CEJ defendeu que “registo de interesses é uma questão de transparência"  
 O director do Centro de Estudos Judiciários, Pedro Barbas Homem, defendeu no IX Congresso do Ministério Público, em Vilamoura, que os magistrados devem ter que fazer um registo de interesse, nomeadamente, quanto à participação em associações públicas ou secretas.
Sem falar na Maçonaria, uma organização secreta a que pertencem alguns magistrados que ocupam altos cargos da Justiça, Barbas Homem, nomeado em Setembro pela ministra Paula Teixeira da Cruz, sustentou que o “registo de interesses é uma questão de transparência que é necessária numa sociedade democrática”. 
Sublinhando que os magistrados, quer judiciais quer do Ministério Público, prestam um serviço público, o director do organismo que assegura a formação dos magistrados afirmou que procuradores e juízes devem declarar a “participação em organizações mais públicas ou menos públicas e até secretas”. Barbas Homem, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, enfatizou que esse registo constitui uma exigência ética da profissão. “Devia ser um direito dos arguidos saber quem são as pessoas que os estão a julgar ou a acusar”, sublinhou.
A posição foi justificada por uma pergunta da procuradora Joana Marques Vidal, presidente da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, irmã do procurador João Marques Vidal, responsável pela equipa de acusação do processo Face Oculta e filha de José Marques Vidal, magistrado de carreira e antigo director da Polícia Judiciária. José Marques Vidal, de 81 anos, também assistiu a este congresso, tendo feito uma intervenção onde contestou uma afirmação do ex-Procurador-Geral da República, Souto de Moura, sobre o papel passivo dos juízes. O ex-director da PJ sublinhou que na área criminal os juízes têm o dever de procurar a verdade material dos factos, o que os obriga a ter um papel activo. Souto de Moura, actual juiz no Supremo Tribunal de Justiça, acabou por concordar.
Miguel Madeira 
Mariana Oliveira
Público 04.03.2012

“Pinto Monteiro devia ter prestado contas politicamente”


Rui Cardoso. “Pinto Monteiro devia ter prestado contas politicamente”. O candidato à liderança do sindicato dos magistrados do MP diz que PGR não questionou se tinha legitimidade para continuar
Rui Cardoso não fala enquanto é fotografado. Depois de vários minutos sem dizer palavra e a ouvir os disparos da câmara, já não sabe onde meter as mãos e confessa que também lhe custa estar ali em silêncio. O secretário-geral do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), e único candidato à sucessão de João Palma na presidência, recebeu o i nas vésperas do congresso que este domingo termina em Vilamoura. Não poupa críticas ao procurador-geral, que “tem poderes que não exerce”, nem ao Ministério Público, que fica sentado à espera que as notícias de crime caiam no colo. Denuncia que há cada vez mais magistrados a saírem do Ministério Público por causa dos cortes salariais e deixa um alerta- o segredo de para onde vai trabalhar o procurador Orlando Figueira não pode passar de Setembro.
- Como vê o estado da justiça em Portugal?
- Precisa de melhorar muito. Há muitas razões de crítica, mas nem todas justificadas. Muitas são até um bocadinho exageradas, nomeadamente quanto à celeridade. Regra geral, hoje, em Portugal, ao contrário do que se pensa, não há grandes problemas de celeridade. Há é meia dúzia de casos isolados em que há enormes atrasos. São esses que são mediáticos e dão uma má imagem da justiça. Mas há áreas em que devemos exigir decisões em tempo mais razoável.
- Que áreas são essas?
- Nos grandes casos é difícil mais celeridade porque esses exigem investigações mais demoradas. Se necessitarmos de cooperação de um país estrangeiro demorará sempre muito, e isso hoje é necessário não só na grande criminalidade como na criminalidade informática, por exemplo, em que é impossível investigar sem colaboração de outros países. Depois precisamos de perícias de vários tipos e em regra estas demoram muito tempo. A única alternativa é aumentar a capacidade dos meios de resposta. O Ministério Público (MP) queixa-se de falta de meios informáticos para investigar. As perícias informáticas nesta altura estão a demorar cerca de três anos. Mas depois temos prazos legais de conclusão de um inquérito de seis meses. Por regra só em situações excepcionais são requisitados peritos exteriores. As perícias à violação dos direitos de autor, com os DVD contrafeitos, eram feitas pela Inspecção-Geral das Actividades Culturais e costumavam demorar para cima de três anos. Foram feitos protocolos com entidades externas certificadas e estão a ser feitas mais rapidamente. Mas tem de se pagar. Há sempre um custo.
- A solução é contratar entidades externas?
- É sempre uma questão de dinheiro. Ou reforçamos com meios humanos e técnicos a Polícia Judiciária (PJ) ou pagamos a outras entidades. Preferia ter uma polícia mais apta a satisfazer todas as necessidades que há na investigação criminal. A gastar por gastar, que fiquem os meios.
- Mas as perícias não são as únicas culpadas da demora da investigação criminal.
- Outra causa muito frequente é que cada vez mais estamos dependentes de entidades exteriores: bancos, operadoras de telecomunicações. A semana passada recebi uma resposta de uma operadora de telecomunicações três anos depois de a ter pedido. O nosso Código de Processo Penal não prevê uma obrigação de colaboração célere para as entidades privadas, só para as públicas. Tem de haver uma imposição legal. Enquanto não houver, haverá sempre demoras.
- O sindicato defende mais processos sumários. Em que casos?
- Algo que devia ser muito célere é o processo penal com flagrante delito. Hoje só podemos julgar em sumário crimes em que a pena de prisão é inferior a cinco anos, mesmo quando a prova é evidente. Os outros vão para processo comum, mesmo quando é possível ouvir as testemunhas e os arguidos foram detidos enquanto cometiam o crime. Hoje o que acontece é que provavelmente ficam em prisão preventiva, há um inquérito e um ano depois estamos a julgar esses indivíduos que poderiam ter sido julgados no espaço de um mês em processo sumário. Aí há duas soluções: ou atribuir a competência ao juiz singular para aplicar penas superiores a cinco anos, coisa que não me choca, ou prever a possibilidade de intervenção de um tribunal colectivo também nestes casos.
- Diz que regra geral não temos um problema de celeridade. Estamos melhor que outros países europeus?
- O organismo europeu que funciona no âmbito do Conselho da Europa e tem 47 países, que é a ACIPES, a Associação para a Eficiência do Sistema da Justiça, publica relatórios regulares e Portugal aí está em muitos campos no terço superior, até comparado com países economicamente muito mais fortes. Há muito a fazer, que há, mas também há muito a fazer por este país para aumentar a sua produtividade que não passa pela justiça.
- Porque é que a corrupção e os crimes económicos são tão difíceis de investigar?
- O primeiro grande problema é saber que houve crime. Na corrupção, todas as partes envolvidas têm interesse em que não se saiba E muitas vezes a denúncia chega ao MP anos depois de ter acontecido e aí é muito difícil reconstituir o que quer que seja É importante quebrar esse pacto de silêncio entre o corruptor activo e o passivo. A lei hoje já tem alguns incentivos para quem queira quebrar esse pacto. Mas os prazos para denunciar são curtos, deviam ser alargados. E apesar desse incentivo, como é difícil obter a notícia do crime, o mais importante é a prevenção. Neste campo exigese muito mais do MP do que o MP tem dado. O MP não pode ficar parado à espera que alguém venha denunciar. Há tempos ouvimos o senhor PGR dizer numa entrevista a propósito das suspeitas de parcerias público-privadas que à procuradoria-geral não chegou nada. O MP não pode estar à espera que chegue. Hoje há uma lei que dá ao MP poderes para fazer averiguações preventivas em determinado tipo de crimes no qual se inclui a corrupção. Por exemplo, quando há uma notícia de uma privatização, se está em curso uma parceria público-privada, o MP que vá pedindo documentos, que esteja atento.
- O PGR já culpou os megaprocessos do DCIAP dizendo que dão azo a megabsolvições. Está aí parte do problema?
- Se há situações em que esses megaprocessos aglomeram situações com pouca conexão entre si e que poderiam ter sido julgadas de forma isolada sem prejuízo para a prova, outras há em que estão de tal forma ligados que se fragmentarmos teremos dificuldade em apurar a prova ou teremos depois vários julgamentos em que teremos de reproduzir toda a mesma prova. E isso é um desperdício de meios. A lei tem regras quanto à conexão processual que diz quando situações distintas devem ser investigadas juntas. Os magistrados não fazem por capricho, fazem porque a lei o diz. Nessa entrevista Pinto Monteiro disse uma coisa curiosa sobre o maior megaprocesso, o Furacão: disse que foi ao DCIAP para que fosse encerrado e ninguém o apoiou. Ora ele é procurador-geral e tem poder, não precisa do apoio de quem deve obedecer às suas ordens. Ou seja, não deu ordem nenhuma.
- Já não foi a primeira vez que o PGR se queixou de falta de poderes.
- Ao longo da história do MP democrático, alguns procuradores-gerais, como Cunha Rodrigues, foram acusados de ter poderes a mais. Este PGR tem todos os poderes que Cunha Rodrigues tinha e mais alguns que foram introduzidos no seu mandato com a alteração do estatuto em que teve intervenção directa Não há falta de poderes. O que se estranha é que a repetição dessa informação esconda ou queira esconder o facto de ele não os exercer. No processo Furacão ele não exerceu o seu poder, ponto. Temos um PGR que tem uma visão do MP que não é de modo algum a visão da Constituição nem a que está no estatuto. Ele quer poderes que transformariam o MP num MP autocrático, em que ele teria todos os poderes e os magistrados não teriam autonomia. É um sistema válido nalguns ‘ países, mas nesses sistemas a investigação criminal não é dirigida pelo MP mas por um juiz de instrução.
- Noutras circunstâncias o PGR terá abusado do seu poder?
- Não foi com ele, foi com o vice, que no processo Freeport emitiu um despacho fixando um prazo máximo para terminar uma investigação. O vice-procurador-geral não tem poderes próprios, nos termos do estatuto tem apenas os poderes que o procurador-geral delegar nele. No caso fixou um prazo máximo para resolver a extinção. No caso do Furacão disse que queria mandar acabar mas ninguém o apoiou. O que o sindicato reclama é que o PGR coordene o MP. São raras as circulares. Outro exemplo: muitas vezes o procurador-geral já defendeu que um magistrado que faça a acusação deverá sustentá-la em julgamento. Para quê? É por passar uma vergonha em julgamento que a acusação já não é má? É um problema do foro disciplinar e o Conselho deve agir sobre esse magistrado. O que é preciso é coordenação entre quem está em julgamento e quem está em inquérito. E para isso o PGR tinha o poder para impor coordenação mas nunca deu nenhuma instrução nesse sentido. E um poder que reclama e que não exerceu.
- Porque é que esses inquéritos disciplinares nunca dão em nada?
- Nos inquéritos disciplinares temos de ver se há algo que justifique a abertura de um processo. Às vezes simplesmente não há prova de infracção disciplinar. O conselho superior do MP que trata desta matéria tem uma composição alargada. Se há corporativismo, tem sido de todo o órgão, porque muitos foram arquivados com os votos de magistrados e de não magistrados. Quanto à violação do segredo de justiça, houve um caso recente, o do Duarte lima, em que foi aberto um processo disciplinar, coisa que estranhamos porque, a haver alguma coisa, é crime. Teria de haver um processo-crime para saber de onde veio a fuga. Não sabemos de onde veio. Pode ter partido do MP, da PJ, do juiz de instrução, dos funcionários do MP, dos funcionários do juiz de instrução, dos próprios advogados. Não tenho qualquer razão para considerar que a violação do segredo de justiça vem do MP, por isso não concebo que se abra um inquérito disciplinar. A violação do segredo de justiça é grave, mas não é o maior problema da justiça. Até porque dos 750 mil inquéritos que o MP tramita todos os anos são muito poucos os que estão em segredo de justiça.
- Quem deve ser o próximo PGR?
- Nomes não sei. Mas tem de ser alguém que conheça verdadeiramente o MP. Se vier com ideias erradas, passará seis anos a tentar desestruturar aquilo que existe e a criar novos problemas.
- Alguma vez conseguiremos ter um PGR totalmente independente do poder político, quando a sua nomeação é política?
- Depende sempre da personalidade do PGR. Há pessoas mais vulneráveis. Mas admito que este sistema talvez não seja o mais perfeito. Se desligássemos a nomeação do governo e a substituíssemos por uma nomeação pelo parlamento, com uma maioria qualificada, teríamos uma base mais despartidarizada.
- O Presidente da República deveria ter exonerado Pinto Monteiro?
- O PGR não responde perante o Conselho, como respondem todos os magistrados. Responde apenas perante ó governo e o Presidente da República. Logo, deve prestar contas politicamente perante esses órgãos, deve ser politicamente responsabilizado. Se assim não for, alguém que tem o poder que o PGR tem, que é muito, sentir-se-á irresponsável, com poder para fazer tudo. E o PGR não pode fazer tudo.
- É admissível que tenha continuado em funções mesmo quando entra uma nova ministra que crítica o seu mandato?
- Não defendo um sistema em que uma mudança de governo significa uma mudança de PGR. Isso partídarizaria a sua actuação. Mas seria um juízo do próprio ver se tinha condições para continuar no exercício da sua função, se tinha a sua legitimidade intacta.
- Deveria ter pedido para ser exonerado?
- O que deveria era questionar se tinha legitimidade para continuar.
- Não tinha?
- [Silêncio.] Ele entendeu que tinha.
- Como olha para a actuação da ministra da Justiça?
- Está muito empenhada em ter um correcto diagnóstico dos problemas da justiça e em apresentar soluções. Passámos seis anos, nas duas anteriores legislaturas, em que não encontrámos no Ministério da Justiça quem quisesse detectar o que estava mal ou corrigir. Agora podemos discordar das soluções da ministra, mas reconhecemos que ela está genuinamente empenhada em encontrá-las.
- Poderão vir a ter os problemas que tiveram com o anterior governo?
- Os magistrados foram muito afectados pelos cortes salariais, porque foram dos poucos trabalhadores do Estado que sofreram um corte efectivo de 10% porque têm exclusividade absoluta Mas neste momento nada nos faz temer qualquer ataque localizado aos magistrados, quanto ao seu estatuto socioprofissional ou condições de exercício da sua função.
- Como olha para esta proposta de reforma do mapa judiciário?
- A reforma é necessária, temos um sistema que não é racional. Por outro lado, vemos com preocupação a extinção de tribunais em locais onde não há transportes públicos para os tribunais que vão assumir as competências dos extintos. Percebemos que não seja razoável manter em funcionamento toda uma estrutura num tribunal. Alguns magistrados poderão ter de acumular duas comarcas. Temos consciência do problema, mas não podemos concordar com um sistema que não ofereça uma garantia de que aquelas pessoas continuarão a ter acesso à justiça.
- O ensaio fala de quadros excedentários. Não há falta de meios humanos no MP?
- Hoje é uma evidência porque já temos 55 licenciados em Direito a exercer as funções de magistrados não sendo magistrados. Têm muito boa vontade e capacidade técnica, mas não receberam formação de magistrados nem um estatuto legal que lhes garanta autonomia.
- Como se impedem polémicas como a de Orlando Figueira na transferência dos magistrados para o sector privado?
- Esta situação suscita dúvidas porque o colega recusa informar para onde vai e o que vai fazer e porque, por estar no departamento em que está, em que existe muita informação sobre actividade de bancos, está sob segredo. Tudo isso suscitou na opinião pública uma dúvida legítima sobre se o magistrado estaria a preservar integralmente os conhecimentos que teria obtido no exercício das suas funções. As pessoas têm direito a um esclarecimento.
- Como é que isto se evita? Ao pedir licença sem vencimento devia ser obrigado a dizer para onde vai?
- Não vejo qualquer problema nisso, se bem que possa mudar para a empresa A e uns meses depois para a empresa B, mas isso é o mínimo exigível. Os magistrados, porque exercem funções importantes no Estado de direito, têm o dever especial de transparência O segredo deste procurador de Setembro não poderá passar.
- Aquele período de nojo defendido pelo PGR faz sentido nestes casos?
- Das duas uma: ou estabelecemos regras claras sobre eventuais impedimentos ou temos aproveitamento indevido de segredo. Talvez o estatuto devesse ser mais esclarecedor nas incompatibilidades. Não se pode impedir que os magistrados saiam da profissão, porque isto não é um sacerdócio, mas como todas as outras pessoas também eles podem cometer um crime de aproveitamento indevido de segredo. Muitos magistrados saíram do MP neste e no último ano por dificuldades financeiras. Gostávamos que o estatuto socioeconómico dos magistrados impedisse isso, mas não impede.
- Há magistrados alvo de pressões ou só aconteceu no caso Freeport?
- Aquilo de que o sindicato teve conhecimento foi denunciado. Se houve mais casos de coacção ou pressão, não chegaram ao sindicato.
- Casos concretos. Isaltino Morais. O MP já disse que deveria ter havido ordem de captura, ajuíza de primeira instância também já disse que transitou em julgado. Há pessoas que estão acima da lei?
- Quero acreditar que a lei é sempre aplicada com objectividade e isenção por parte dos magistrados. Sei que quem tem os meios económicos que lhe permitem pagar custas e ordenados de advogados pode recorrer indefinidamente de tudo e nada. A lei permite isso hoje porque com isso pode conseguir-se a prescrição do procedimento criminal ou a prescrição da pena. E tem de ser formulado de modo que o arguido, assistente ou vítima exerça todos os seus direitos, mas não abuse deles.
- Deveria haver uma revisão dos prazos de prescrição?
- Bastaria simplesmente uma causa de suspensão, algo que diga que o prazo de prescrição fica suspenso após a sentença condenatória de primeira instância. E aí deixará de compensar recorrer por tudo e por nada, porque já se sabe que o prazo não está a correr e nunca vai prescrever, por mais recursos que se ponham.
- E como vê o desfecho do caso Rui Pedro? Muitos ficaram com a sensação de que 13 anos depois se queria incriminar alguém à força.
- Não posso comentar a decisão do tribunal, mas posso dizer o que é uma evidência mas não tem sido referido. Essa investigação demorou muito tempo mas não para investigar o rapto, foi para excluir tudo aquilo que tinha acontecido. Provavelmente estes indícios estavam recolhidos desde o início mas foi necessário continuar a investigar para tentar descobrir onde estava a criança. Não posso dizer se devia ter sido posto um ponto final antes, mas o magistrado tentou ao máximo descobrir o que aconteceu.
- E demora-se 13 anos a julgar o caso de uma criança que desapareceu?
- A questão foi tentar descobrir a criança. Não é um processo normal, nesses não se demora todos estes anos.
- E no Casa Pia, houve desrespeito na Relação pelo trabalho anterior do MP?
- Houve manifestamente falta de coordenação. Os colegas que estão na Relação ou no Supremo não estão vinculados às decisões tomadas pelo MP em primeira instância ou segunda. Mas sendo o MP uma magistratura hierárquica, que deve actuar de forma coordenada, isto foi um sinal de descoordenação. Não é compreensível para a população que, num processo com esta importância e este impacto mediático, o MP na primeira instância diga uma coisa e na Relação diga outra muito diferente.
- Está ou não alguém a ser favorecido com o arrendamento dos tribunais?
- Não tenho elementos para dizer se há alguém a ser beneficiado, mas sei que o Estado está a ser prejudicado: rendas elevadíssimas, autênticas parcerias público-privadas com rentabilidades asseguradas pelo Estado elevadíssimas, Estado esse que no final do período de arrendamento não ficará com nada.
- Como se justifica que um Campus de Justiça construído de raiz para albergar tribunais não tenha condições para isso?
- Logo na altura foi dito pelos magistrados que havia problemas estruturais. Havia outras propostas com custos de capital muito mais baratos para o Estado e o Estado ficaria com o Imóvel. Foi uma opção política incompreensível.
- Mas foram opções políticas que beneficiaram alguém?
- Não sei. Mas espero que o MP tenha visto se havia alguma suspeita de crime para investigar, não podemos estar num sofá no palácio à espera que as notícias de crime nos caiam ao colo.
Sílvia Caneco
Jornal i de 03-03-2012

Jurisprudência do Tribunal Constitucional

CONGRESSO DO M.º P.º: Magistrados europeus querem indulto para o juiz Garzón


Associação europeia de juízes e procuradores vai avançar com iniciativa em Espanha e mostra-se preocupada com queda dos direitos fundamentais dos cidadãos na Europa. A associação reuniu hoje em Vilamoura, onde decorre o IX Congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.
A MEDEL (Magistrats Européens pour la Democracie et les Libertés), associação europeia de juízes e procuradores, vai avançar em Espanha com um pedido de indulto para o juiz Baltasar Garzón, condenado recentemente pelo Supremo Tribunal Espanhol por ter autorizado escutas telefónicas a arguidos e aos respetivos advogados num processo de corrupção. Segundo explicou hoje o presidente da MEDEL, o procurador português António Cluny, o pedido, que será feito ao ministro da justiça espanhol, terá por base as "características especiais de todo o processo".
O juiz espanhol foi, recorde-se, condenado a 11 anos de inibição do exercício das suas funções de magistrado judicial. Porém, António Cluny considerou, hoje, que o processo crime aberto contra o juiz espanhol pode criar um precedente por toda a Europa. "Transformou-se uma questão interna num processo - de se saber se certas escutas eram ou não válidas - num processo crime contra um juiz", disse o procurador, acrescentando que "o juiz que substituiu Baltasar Garzón no processo validou as mesmas escutas, as quais só foram declaradas inválidas num tribunal superior, com um voto contra". Concluiu António Cluny: "Houve mais dois processos crime contra os juízes que defenderam o mesmo que Baltasar Garzón?". Não.
A associação de magistrados europeus reuniu, hoje, em Vilamoura, onde decorre o IX Congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, apresentando um manifesto no qual declara-se muito preocupada com a queda dos direitos fundamentais dos cidadãos europeus. "Nenhuma liberdade económica ou regra da concorrência deve ter primazia sobre os direitos sociais fundamentais. Em caso de litígio, são os direitos sociais fundamentais que devem prevalecer", lê-se no documento.
E, segundo disse António Cluny, "os direitos fundamentais são, por definição, algo que não está no mercado, não são negociáveis". "Os problemas da Europa não resultam da efetivação destes direitos. Eles resultam do insuficiente controlo dos Estados sobre a esfera da finança, e o desvio criminoso de determinados recursos", refere ainda o manifesto.
Carlos Rodrigues
Diário de Noticias 3-3-2012