segunda-feira, 19 de março de 2012

Casa da Suplicação


habeas corpus - prisão preventiva - incompetência - juiz natural - prisão ilegal - medidas de coacção
(1) - A providência de habeas corpus constitui um incidente que se destina a assegurar o direito à liberdade constitucionalmente garantido – arts. 27.º, n.º 1, e 31.º, n.º 1, da CRP –, sendo que visa pôr termo às situações de prisão ilegal, efectuada ou determinada por entidade incompetente, motivada por facto pelo qual a lei a não permite ou mantida para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial – art. 222.º, n.ºs 1 e 2, als. a) a c), do CPP.
(2) - No caso vem alegado que a medida de coação de prisão preventiva em consequência do qual o peticionante se encontra preso foi determinada com violação das regras de competência (em razão do território), violação que constitui nulidade insanável nos termos da al. e) do art. 119.º do CPP, por violação do princípio do Juiz natural.
(3) - Sendo taxativos os fundamentos de habeas corpus previstos na lei, esta providência não pode ser utilizada para sindicação de outros motivos ou fundamentos susceptíveis de pôr em causa a regularidade e a legalidade da prisão, designadamente a sindicação de eventuais anomias processuais situadas a montante ou a jusante da prisão ou a verificação da legalidade da prisão reportada a momentos anteriores, sindicação que só é admissível através do meio normal de impugnação das decisões judiciais, ou seja o recurso ordinário.
(4) - A lei ao aludir no art. 222.º, n.º 2, al. a), do CPP, à ilegalidade da prisão efectuada ou ordenada por entidade incompetente, apenas contempla situações em que a prisão é decretada por outra autoridade que não um juiz, apelidada a prisão de non judice, não abrangendo situações em que a prisão é determinada por juiz incompetente, tanto mais que, de acordo com o n.º 3 do art. 33.º daquele diploma, as medidas de coacção ordenadas por tribunal declarado incompetente conservam eficácia mesmo após a declaração de incompetência 
(5) - Como se refere no Ac. do STJ de 10-10-2010, Proc. n.º 3777/07, a «incompetência» a que se refere a al. a) do n.º 2 do art. 222.º do CPP é essencialmente a falta de jurisdição, ou seja, a situação em que a entidade que decidiu a prisão é alguém que não detém poder jurisdicional para intervir e decidir no caso concreto. A intervenção de juiz diferente do competente segundo as regras da repartição funcional de competências não envolve nenhuma diminuição de garantias para o arguido e, por isso, não é fundamento de habeas corpus.
(6) - Carece, igualmente, de fundamento, no âmbito da presente providência, o pedido efectuado pelo requerente de reapreciação das medidas de coacção que lhe foram aplicadas pelo tribunal a seu ver incompetente.
AcSTJ de 11-01-2012, proc. 1928/11.8JAPRT-A.S1-3, Relator:Conselheiro Armindo Monteiro

habeas corpus - prisão ilegal - prisão preventiva - constituição de arguido - interrogatório de arguido - defensor
 (1) - A providência de habeas corpus é uma providência urgente e expedita, com uma celeridade incompatível com a prévia exaustão dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação, destinada a responder a situações de gravidade extrema, visando reagir, de modo imediato, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como uma violação directa, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação.
(2) - Resulta do art. 219.º, n.º 2, do CPP, que mesmo em caso de recurso de decisão que aplicar, mantiver ou substituir medidas de coacção legalmente previstas, inexiste relação de dependência ou de caso julgado entre esse recurso e a providência de habeas corpus, independente dos respectivos fundamentos. Com efeito, a excepcionalidade da providência não se refere à sua subsidiariedade em relação aos meios de impugnação ordinários das decisões judiciais, mas antes e apenas à circunstância de se tratar de providência vocacionada a responder a situações de gravidade estrema, com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação.
I(2) - O peticionante solicita a sua imediata restituição à liberdade alegando a ilegalidade da sua detenção e subsequente prisão por excesso de prazo de apresentação ao juiz, considerando que a mesma foi decretada sem que previamente tivesse sido constituído arguido, e sem que tivesse sido previamente ouvido, não tendo a respectiva defensora legitimidade para, em nome do arguido, prescindir do que quer que fosse, uma vez que nem sequer conheceu o arguido ou falou com ele.
(4) - Conforme se extrai do art. 194.º, n.º 2, do CPP, a aplicação de medida de coacção não implica necessária ou obrigatoriamente a audição prévia do arguido, ressalvando-se no n.º 3 os casos de «impossibilidade devidamente fundamentada, e que pode ter lugar no acto de primeiro interrogatório judicial, aplicando-se sempre à audição o disto do n.º 4 do art. 141.º».
(5) -  Embora o n.º 1 do art. 192.º do CPP refira que a aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial depende de prévia constituição como arguido após referir que «desde o momento em que uma pessoa adquirir a qualidade de arguido é-lhe assegurado o exercício de direitos e de deveres processuais», acrescenta: «sem prejuízo da aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e de efectivação de diligências probatórias, nos termos da lei». Por outro lado, e relativamente à representação do arguido por defensor, há que ter em conta que o art. 63.º, n.º 1, do CPP, que o defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente a este.
(6) - Dos elementos constantes dos autos, resulta que a prisão do arguido foi decretada por despacho datado de 16-09-2011 e, na sequência de interrogatório judicial, foi reexaminada em 10-11-2011, e revista pelo despacho de 03-01-2012. Além disso, aquando do despacho de 16-09-2011, em que se decidiu pela aplicação de medida de coacção, sem a sua audição prévia face às razões de saúde atestadas no processo, e sem prejuízo de o mesmo vir a ser ouvido logo que o seu estado o permitisse, o arguido estava representado pela sua defensora.
(7) - Não se verificou situação de abuso de poder ou de erro grosseiro e rapidamente verificável no decretamento da prisão preventiva. Não consta que o arguido impugnasse, em recurso, o despacho que lhe aplicou a prisão preventiva.
(8) - Uma vez que o arguido se encontra em prisão preventiva à ordem dos autos desde 16-09-2011, determinada por decisão judicial, por indícios da prática de crime de homicídio qualificado, o seu prazo máximo de duração de duração só terminará em 16-03-2012, se até lá não for deduzida acusação.
(9) - Desta forma, não ocorre qualquer fundamento previsto no art. 222.º, n.º 2, do CPP para o decretamento da providência de habeas corpus.
AcSTJ de 11-01-2012, proc. 522/11.8GCBNV-A.S1- 3, Relator:Conselheiro Pires da Graça

Cúmulo jurídico - concurso de infracções - conhecimento superveniente - caso julgado - caso julgado rebus sic stantibus - pena suspensa - pena única - imagem global do facto - pluriocasionalidade - prevenção geral - prevenção especial
(1) - Constitui jurisprudência minoritária no STJ o entendimento de que a revogação da suspensão da execução da pena não pode ter lugar em cúmulo, com o fundamento na diversa natureza entre a pena de prisão suspensa, por substitutiva, ou ainda da hipotética violação do caso julgado.
(2) - Como se decidiu no Ac. do STJ de 05-12-74, BMJ 232, 43, quando uma pena suspensa se encontra em cúmulo jurídico, pode essa suspensão não ser mantida, na formação do respectivo cúmulo, sem que isso implique ofensa de caso julgado. Com efeito, o caso julgado que se forma incide sobre a medida da pena, e não sobre a sua execução, sendo, por tal motivo, instável, provisório e sujeito à cláusula rebus sic stantibus (modificando-se o condicionalismo da aplicação da medida substitutiva e concluindo-se que o juiz da condenação).
(3) - No concurso superveniente de infracções tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente com a sentença, todos os crimes praticado pelo arguido, formando um juízo censórico único, projectando-o retroactivamente (cf. Ac. do STJ, de 02-06-2004, in CJ STJ, II, 221). Estamos, assim, perante penas sujeitas a condição resolutiva, dependente da avaliação, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente, consoante o conjunto se repercuta, considerados não numa visão simplesmente atomística, mas em novo reexame pondo a descoberto a conexão entre eles ou a falta desta e bem assim se o conjunto dos factos é reconduzível a uma simples acidentalidade no percurso vital ou se exprimem uma carreira criminosa, radicando em qualidades desvaliosas na pessoa do agente, em termos de exigência de prevenção geral, como especial, sendo de afastar a violação do princípio da proibição da dupla valoração, já que essa valoração é uma valoração de conjunto e não aos factos singulares de cada condenação (cf. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 335).
(4) - As penas englobadas em cúmulo jurídico, que se reportam a factos ocorridos entre 01-08-2005 e 28-11-2005, são as seguintes: 6 anos de prisão pela prática de um crime de roubo qualificado; 1 ano e 3 meses de prisão pela prática de um crime de sequestro; 4 anos de prisão (suspensa na sua execução por igual período) pela prática de um crime de furto qualificado; 16 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada; 5 anos e 4 meses de prisão pela pratica de um crime de homicídio qualificado na forma tentada; 4 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de roubo qualificado; 4 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de roubo qualificado; 14 meses de prisão pela prática de um crime de furto simples; 14 meses de prisão pela prática de um crime de furto; 9 meses de prisão pela prática de um crime de furto de uso de veículo; 14 meses de prisão pela prática de um crime de furto de uso de veículo e 16 meses de prisão pela prática de um crime de dano simples.
(5) - Embora a prática delituosa se estenda por um curto período de tempo, sem repercutir uma tendência criminosa, mas uma pluriocasionalidade, é digna da maior reprovabilidade, atingindo plúrimos e importantes bens jurídico-crimianis e definindo a respectiva personalidade do arguido.
(6) - O arguido carece de forte emenda cívica pela via da pena, como forma de conformar de futuro a sua personalidade e regras de sã convivência comunitária e interiorização dos maus efeitos do crime, além de que uma pena pesada é reclamada pela comunidade, onde aquele tipo de criminalidade se regista com frequência, causando alarme e alvoroço. Dentro da moldura penal abstracta aplicável, a pena de 22 anos de prisão é justa e adequada às finalidades de prevenção geral e especial que o caso requer.
AcSTJ de 11-01-2012. proc. 5745/08.4PIPRT.S1-3, Relator:Conselheiro Armindo Monteiro

Cooperação judiciária internacional em matéria penal - extradição - competência do Supremo Tribunal de Justiça - admissibilidade de recurso - princípio da especialidade
 (1) - Nos termos do art. 58.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31-08, estipula-se que o MP e o extraditado podem recorrer da decisão final no prazo de dez dias, cabendo o julgamento do recurso à secção criminal do STJ (art. 49.º, n.º 3). Por sua vez, no art. 47.º, n.º 1, do citado diploma, a intervenção do Estado requerente da extradição é a de mero «participante» e «tem em vista possibilitar (…) o contacto directo com o processo (…), bem como a fornecer ao tribunal os elementos que entenda solicitar».
(2) - Assim, a posição do Estado requerente à luz do preceito em causa é a de cooperar e não dificultar o andamento dos autos, restringindo a sua esfera interventiva à de trazer ao tribunal os elementos de que careça dentro desse espírito de colaboração. Tem, pois, uma posição de subalternidade em requerido e ao Estado requerido.
I(2) - A norma do art. 58.º da Lei 144/99, de 31-08, rege, apenas, para o recurso da decisão final ordenando a extradição é omissa quanto à admissibilidade dos recursos interpostos após essa fase processual, mas se a lei é bem expressa em vedar a legitimidade do Estado requerente da decisão que ordena a extradição, por maioria de razão, enquanto elemento lógico interpretativo da lei (art. 9.º do CC), que essa proibição se imponha quanto a decisões da Relação proferidas após aquela fase.
(4) - O processo de extradição comporta uma fase administrativa e uma fase judicial, nos termos dos arts. 47.º e 49.º ss., respectivamente, iniciando-se a última mediante a apresentação do pedido de elementos documentais que o acompanharam ao MP junto do Tribunal da Relação competente. A questão da violação pelo Estado requerente do princípio da especialidade é um incidente da entrega, regulada no art. 60.º da Lei 144/99, de 31-08, e em conexão com a extradição decretada, ainda dentro da fase judicial, tanto assim que a sua resolução é desencadeada ante a entidade judiciária.
(5) - Não pode fundamentar a atribuição de legitimidade ao Estado requerente para recorrer a afectação de direitos nos termos do art. 401.º, n.º 1, do CPP. Efectivamente, o Estado requerente não é detentor de quaisquer direitos fundamentais ou parcela de liberdade individual afectados, decorrentes de tratado internacional, desrespeitados por Portugal, demandando, por isso mesmo, a utilização de correspondentes instrumentos para realização, em forma célere e ajustada, pela via do recurso.
(6) - A interpretação que veda o recurso ao Estado requerente não atropela qualquer direito constitucional, designadamente por ofensa aos arts. 2.º, 7.º, n.º 1, 20.º, n.º 4, e 32.º, da CRP.
(7) - A cooperação internacional regulada em matéria penal releva do princípio da reciprocidade, princípio que extravasa transversalmente todo o processo, impregnado de um sentido de moral geral e ética próprios, com o alcance de permitir-se a aplicação dos efeitos jurídicos em determinadas relações de direito sempre que esses mesmos efeitos são aceites por Estados estrangeiros.
(8) - O princípio da especialidade é um dos princípios estruturantes de todo o processo de cooperação internacional e que não se limita, apenas, à extradição, nos termos da abrangência alargarda a outras formas de cooperação definidas no art. 1 da Lei 144/99, de 31-08. Esse princípio faz parte daquele conjunto de axiomas impostos pela simples coexistência relevante da comunidade internacional no sentido de que a entrega por extradição de u, delinquente obriga o Estado requerente a conter o seu procedimento, a sua perseguição penal, nos precisos limites da acusação específica pelo crime predefinido e não por qualquer outro.
(9) - A especialidade desempenha uma função de garantia sucessiva, ou seja, garantia da extradição efectuada, destinada a assegurar o cumprimento das obrigações que os Estados, com o pedido de extradição, de modo implícito mas inequívoco, se comprometem a observar (o Estado para o qual uma pessoa tenha sido extraditada não pode ser julgada, salvo consentimento do Estado requerido, senão pelo crime pelo qual tenha sido extraditado). 
(10) - A violação da clausula da especialidade por parte do Estado que viu a sua pretensão satisfeita integrará um ilícito, como tal censurável ao nível das relações entre os Estados. 
(11) - No caso concreto, a extradição foi requerida não com base em convénio bilateral entre os Estados, mas pelo facto de existir uma convenção internacional – a Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba – e se mostrarem reunidos os pressupostos enunciados no art. 6.º da Lei 144/99, de 31-08. O pedido de extradição foi instruído, ainda, com base numa declaração de garantia formal de que a pessoa reclamada não será julgada por factos diversos dos que fundamentam o pedido e lhe sejam anteriores ou contemporâneos.
(12) - Assim, se o Estado requerente, após investigação dirigida contra o extraditado, alargou o âmbito da acusação, imputando-lhe novos factos anteriores aos que integram o acto de extradição, ocorreu uma violação do princípio da especialidade. Com efeito, o alcance do princípio da especialidade de forma alguma se pode conformar à luz da sua formulação, extensão e conformação jurídicas com o julgamento por crimes distintos daqueles por que foi autorizada a extradição.
(13) - A nossa lei de cooperação internacional não prevê a hipótese de infracção à regra da especialidade , assumida pelo Estado requerente em compromisso internacional casuisticamente ajustado. Contudo, o Estado Português, como estado soberano, não pode ficar imune ao incumprimento evidente e frontal de uma sua decisão, emanada da sua mais Alta Instância.
(14) - Nestes termos, encontrando-se a extradição concedida sujeita a condição resolutiva, que o Estado requerente incumpriu, declara-se a sua resolução.
AcSTJ de 11-01-2012, proc. 1111/11.7YFLSB-3, Relator:Conselheiro Armindo Monteiro
Santos Cabral (vencido parcialmente, no que respeita à violação do princípio da especialidade, pelas razões que seguem. O presente recurso surge numa sequência que teve na sua géneses a decisão de 27-01-20…, que determinou a extradição do recorrido. Na decisão então proferida, a extradição ficou «condicionada resolutivamente ao cumprimento pelo Estado requisitante das garantias prestadas, condicionamento que conferiria ao Estado requisitado (oficiosamente ou a pedido do interessado), em caso de inobservância, o direito de oportunamente (e pelos canais diplomáticos ou judiciários) exigir a devolução do extraditando.» Este «segmento decisório, incidindo sobre a figura da extradição à qual confere o carácter de natureza condicional, sobre a qual subsistirá sempre a possibilidade de resolução, convoca uma das questões mais delicadas que se podem suscitar em relação ao mesmo instituto, ou seja, determinar a sua natureza definitiva ou condicional. Tal questão suscita outra, fundamental no caso vertente, que é a da configuração da reacção legal do Estado requerido em relação ao incumprimento das garantias oferecidas pelo Estado requerente. (…) O princípio da especialidade é uma afirmação da confiança recíproca dos Estados na sua relação, gerando obrigações a um nível estadual e a sua violação deve entender-se como uma violação da relação convencional ao abrigo do qual a extradição foi decretada, devendo ser denunciada pelo Estado requerido face ao Estado requerente. Tratamos de um direito dum Estado perante outro Estado. Independentemente da reacção do extraditado a nível interno e no âmbito do Estado requerente, invocando a violação do princípio da especialidade, o instituto da extradição implica uma atitude do Estado requerido perante o incumprimento. A forma como tal atitude se configura num pleno exercício de soberania não está previamente determinada nos tratados, ou convenções, não existindo um catálogo formatando a reacção possível, o que retira fundamento a um funcionamento automático de uma condição resolutiva. Efectivamente, a inobservância do princípio da especialidade importa duas ordens de consequências no âmbito das relações internacionais: por um lado a desconfiança sobre um Estado que não assume um comportamento credível e confiável nas suas relações internacionais e, por outro, a desacreditação de um Poder Judicial que utiliza o instituto da extradição de forma dúplice, gerando dúvidas sobre a forma de Administração da Justiça. Na verdade, uma coisa é o incumprimento de uma obrigação contratual a nível interno, com, ou sem apelo a uma condição resolutiva, em função do qual se recorre ao poder coactivo do Estado através dos Tribunais e uma outra, totalmente distinta, é a violação de regras, ou princípios, de relacionamento entre Estados nos quais se jogam atributos fundamentais como a soberania. Entendemos, assim, que a este Supremo Tribunal de Justiça compete constatar, como efectivamente constatou, a correcção da decisão recorrida quando verificou a violação do princípio da especialidade em função do qual foi determinada a extradição. Não existindo, quanto a nós, fundamento jurídico para o despoletar de uma revogação da extradição que não está prevista nas Convenções, deverá o Estado Português pelos meios que entenda adequados, diplomáticos (protesto) ou judiciais (Tribunais internacionais) gerir a situação desencadeada com a violação cometida. (…) Consequentemente, entendo que deveria ser confirmada a decisão recorrida no que concerne à constatação da violação do princípio da especialidade por parte do Estado … . Ao Estado Português competirá, então, decidir sobre a forma adequada de reagir a tal violação.»)
Pereira Madeira (com voto de desempate a favor do relator)

Competência do Supremo Tribunal de Justiça - admissibilidade de recurso - dupla conforme - cúmulo jurídico - concurso de infracções - pena única - medida concreta da pena - imagem global do facto - pluriocasionalidade - prevenção especial - toxicodependência - antecedentes criminais - modo de vida
 (1) - Face à actual redacção do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP; não é admissível recurso para o STJ quanto às penas parcelares aplicadas, quando se esteja perante decisão da Relação confirmativa de condenação proferida na 1.ª instância que tenha aplicado penas de prisão não superiores a 8 anos. Assim, o recurso restringe-se ao conhecimento da pena conjunta (única) de 8 anos e 6 meses de prisão aplicada ao arguido.
(2) - Nos termos do art. 77.º, n.º 1, do CP, a pena do concurso atenderá a uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto e não um mero somatório de factos desligados, e da personalidade do agente. Nessa apreciação indagar-se-á se a pluralidade de factos delituosos corresponde a uma tendência da personalidade do agente, ou antes a uma mera pluriocasionalidade, de carácter fortuito, não imputável a essa personalidade, sendo naturalmente circunstância agravante a identificação de uma tendência para a prática reiterada de crimes.
(3) - A moldura da pena do concurso tem como limite mínimo a pena parcelar mais grave e como máximo a soma das diversa penas parcelares (n.º 2 do art. 77.º do CP). No caso dos autos, a moldura da pena conjunta varia entre o mínimo de 8 anos e o máximo de 9 anos [em resultado das penas de 8 anos de prisão e de 1 ano de prisão aplicadas, respectivamente, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e de um crime de detenção de arma proibida].
(4) - A toxicodependência do recorrente, embora sempre de ponderar e relevar, não pode servir de atenuante de especial relevo se a venda de estupefacientes se torna no seu único modo de vida, designadamente quando já tem antecedentes criminais pelo mesmo tipo de crime.
(5) - A apreciação global dos factos e da personalidade do recorrente é claramente desfavorável, por revelar uma clara dificuldade em comportar-se de acordo com o direito, apesar do apoio familiar de que sempre beneficiou. A prática criminosa, nomeadamente a venda ilícita de estupefacientes, não constitui algo de ocasional ou anómalo na sua vida, antes a vem acompanhando há muito e de forma intensa.
(6) - Neste contexto, tendo a pena conjunta sido fixada no ponto médio dos limites máximo e mínimo da moldura [8 ano e 6 meses de prisão], nenhuma censura merece a decisão recorrida.
AcSTJ de 11-01-2012, proc. 158/08.0SVLSB.L1.S1-3, Relator:Conselheiro Maia Costa 

Admissibilidade de recurso - Tribunal da Relação - prazo de interposição de recurso - aplicação da lei - processual penal no tempo - recurso da matéria de facto - convite ao aperfeiçoamento - constitucionalidade
(1) - O acórdão recorrido foi proferido em 17-07-2007, ainda na redacção anterior à reforma do CPP efectuada pela Lei 48/07, de 29-08. Ao tempo, o prazo para recorrer era de 15 dias (art. 411.º, n.º 1, do CPP de então), independentemente de ter por objecto a apreciação da matéria de direito ou a reapreciação da prova gravada em audiência de julgamento. O arguido foi notificado do acórdão em 24-08-2010 e interpôs recurso em 06-10-2010, ou seja, no terceiro dia útil após o termo do prazo de 30 dias, tendo pago a respectiva multa.
(2) - A aplicar-se o CPP no tempo em que foi proferido o acórdão sob escrutínio, já há muito que tinha decorrido o prazo normal de 15 dias que então vigorava. Face ao disposto no art. 5.º do CPP actual, a lei processual é de aplicação imediata, sem prejuízo dos actos praticados na vigência da lei anterior, e não se aplica aos processos iniciados anteriormente se daí resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa, ou quebra de harmonia e unidade dos actos do processo.
(3) - O art. 411.º, n.ºs 1 e 4, do CPP (actual), estabelece, respectivamente, o prazo geral de 20 dias e o prazo especial de 30 dias para recorrer, quando, nesta última hipótese, o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada. Daí que, em nosso entender, o arguido deve beneficiar do prazo mais dilatado agora concedido pelo CPP, por ser mais favorável à sua defesa.
(4) - Tendo um sujeito processual interposto recurso em matéria de facto, independentemente de se apurar se foi ou não devidamente exercido, aplica-se imediatamente o disposto no art. 411.º, n.º 3, do CPP, não podendo o tribunal ad quem sindicar a validade legal, formal, do modo de apresentação desse recurso como questão prévia ao seu exercício, para ajuizar da sua (in)tempestividade, pois que de outro modo, seria querer legitimar a causa pelo efeito, o princípio pelo fim, decidir da extemporaneidade do recurso depois de conhecer do mesmo na sua regularidade formal, depois de formular juízo crítico sobre a delimitação processual do seu objecto de harmonia com os pressupostos legais do seu exercício, enfim, determinar a tempestividade do recurso pela perfeição ou conformidade legal do modo de exercer o direito ao recurso.
(5) - Seria, aliás, inconstitucional, por violação dos princípios da segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, e das garantias de defesa consagradas nos arts. 2.º e 32.º, n.º 1, da CRP, interpretar-se as normas dos arts. 411.º, n.º 3, 414.º, n.ºs 2 e 3, e 420.º, n.º 1, do CPP; no sentido de permitir ao tribunal ad quem a apreciação oficiosa da tempestividade do recurso que para ele foi interposto, e decidir pela sua tempestividade quando decorre uma prorrogação legal no prazo para o exercício desse recurso (cf. Ac. TC n.º 103/2006, Proc. n.º 53/2005, in DR, II Série, de 23-03).
(6) - Por outro lado, não é legalmente autorizado afirmar que não pode haver lugar para aperfeiçoar a motivação de recurso quanto à matéria de facto. Na verdade, ainda que o art. 412.º do CPP nos seus n.ºs 3 e 4 imponha determinada disciplina metodológica de procedimento, e que, por isso, haverá que prestar particular cuidado aos requisitos da motivação, «pois o Código denota o intuito de não deixar prosseguir recursos inviáveis ou em que os recorrentes não exponham com clareza o sentido das suas pretensões», não pode, porém, olvidar-se que: «Estas considerações só são inteiramente válidas quando a falta de conclusões ou a falta de concisão ou qualquer outro vício das mesmas não for colmatada depois de o recorrente ser convidado a suprir tais irregularidade. Só então o recurso deve ser rejeitado» (cf. maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, Legislação Complementar, 17.ª edição, 2009, pág. 966, nota 3, e Ac. do TC n.º 337/2000, com força obrigatória geral, Proc. n.º 183/2000, in DR, I-A Série, de 21-07).
(7) - Esta linha definida pelo TC estendeu-se ao recurso em matéria de facto, no sentido de que considerou inconstitucionais, por violação do art. 32.º, n.º 1, da CRP, as normas dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, interpretadas no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o arguido impugna a decisão sobre a matéria de facto das menções contidas na al. a) e, pela forma prevista no n.º 4, nas als. b) e c) daquele n.º 3, tem como efeito o não conhecimento da impugnação da matéria de facto e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tal deficiência (Ac. do TC n.º 404/2004, Proc. n.º 802/2003, in DR, II Série, de 24-07). De outra banda, também considerou inconstitucional a norma constante do art. 412.º, n.ºs 2, al. b) e 4, do CPP, interpretada no sentido de que a inserção apenas nas conclusões da motivação do recurso das menções aí referidas determina a imediata rejeição deste (Ac. TC n.º 485/2008, in DR, II Série, de 11-11).
(8) - Aliás, a Lei 48/07, de 29-08, veio introduzir na norma do art. 417.º do CPP, o seu n.º 3, do seguinte teor: Se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do art. 412., o relator convida o recorrente a completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada. O único limite a tal convite é dado pelo n.º 4 do mesmo normativo: «O aperfeiçoamento previsto no número anterior não permite modificar o âmbito do recurso que tiver fixado na motivação».
(9) - No caso em apreço, uma vez que o recorrente pretendeu exercer o recurso em matéria de facto, sobre a reapreciação da prova gravada, o certo é que, independentemente de se saber se o fez de forma processualmente válida, foi tempestiva a interposição do recurso da decisão da 1.ª instância para a Relação, atenta a circunstância de beneficiar do prazo de 30 dias previsto no art. 411.º, n.º 3, do CPP, a data da notificação ao arguido do acórdão recorrido e ao facto de aproveitar a faculdade concedida pelo art. 145.º, n.º 5, do CPC.
AcSTJ de 11-01-2012, proc. 1704/07.2TBBGC.P1.S1-3, Relator:Conselheiro Pires da Graça

Banco de ADN usado apenas 8 vezes em 4 anos


Banco de ADN usado apenas 8 vezes em 4 anos

Inércia. Mais de 2000 vestígios de suspeitos estão por investigar na PJ há quatro anos. Falta um despacho do procurador-geral da República.
O provérbio “dar pérolas a porcos” assenta como uma luva na caracterização da forma como a Base de Dados de ADN, criada em 2008, está a ser utilizada na investigação criminal e na identificação de suspeitos em Portugal. Os números falam por si: desde que foi criada, há quatro anos, só foi usada oito vezes para fins de investigação criminal. Tantas quanto o número de vestígios de suspeitos desconhecidos que foram ali introduzidos para serem cruzados com os perfis de ADN de condenados que já estão na base de dados, apresentada como uma “revolução” no combate à criminalidade.
Isto apesar de haver na Judiciária mais de 2000 amostras de identidade incógnita, recolhidas em cenas de crimes não resolvidos, à espera de uma decisão do procurador-geral da República (PGR), Pinto Monteiro, para serem transferidas para a Base de ADN, localizada no Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), em Coimbra.
Mas os números que retraíam a indiferença com que a justiça e a polícia têm recorrido a este instrumento (que em países como o Reino Unido aumentaram em 75% a identificação de criminosos) não se ficam por aqui. Apesar de a lei determinar que todos os condenados a penas de prisão iguais ou superiores a três anos emmédia seis mil por ano – devem ter o seu perfil ADN inserido, os tribunais apenas deram essa ordem para escassos 448 casos. Ou seja, fazendo as contas apenas aos últimos dois anos (foi em 2010 que o primeiro perfil foi introduzido) , a base devia ter sido alimentada com, pelo menos, 12 mil perfis de condenados. Porém, as iniciativas dos juizes não foram além dos 3,75% do expectável.
Perante isto, o presidente do Conselho de Fiscalização da Base da Dados diz que “começa a ficar em causa a legitimidade constitucional” deste equipamento. “Os condenados que têm o seu perfil na base estão a ser discriminados nos seus direitos liberdades e garantias em relação ao outros que o deviam ter e não têm. Há uma compressão injustificada de direitos, uma vez que a base não é eficaz”, disse ao DN o juiz conselheiro Simas Santos.
O magistrado lembra que “só sendo eficaz se justifica constitucionalmente a existência deste tipo de base de dados” e “a sua eficiência é tanto maior quanto maior for o número de registos identificados inseridos, para que se possa fazer o cruzamento com os desconhecidos”.
Prova disso foi o facto de, apesar de tão reduzido número de perfis, das escassas oito vezes em que foi feita uma busca, houve uma identificação positiva.
Simas Santos lamenta que estejam 2086 perfis de ADN na PJ desde 2008 sem serem cruzados na base para verificar se algum é de um dos condenados que já estão inseridos. “Fomos consultados pela PJ e pelo PGR e dissemos, em janeiro de 2011, que o Conselho não via qualquer obstáculo”, sublinha o juiz. “A urgência nesta transferência é enorme, pois são crimes por resolver”, assevera.
Estes perfis foram retirados em locais de crimes entre 2002 e 2007, e quando foi criada a base de dados, em 2008, ficaram a aguardar ordem para serem transferidos para o INML. Contudo, apesar da aprovação do Conselho de Fiscalização, ainda falta o PGR dar luz verde. “A questão está a ser objeto de cuidado estudo, atenta a importância da questão. Só depois de concluído, e de acordo com a respetiva conclusão, o senhor PGR tomará a competente decisão”, garantiu ao DN fonte oficial do gabinete de Pinto Monteiro.
Da parte do INML, o diretor da base de dados, Francisco Corte-Real, garante que “está tudo preparado ao mais alto nível”, lembrando que peritos da União Europeia (UE), em auditoria, a “aprovaram com distinção, dando autorização para que fosse ligada às outras bases dos Estados membros da UE”.
Perfis voluntários na base de dados
Qualquer pessoa pode pedir para ser inserido na base de dados de ADN. Além do ficheiro para efeitos de investigação criminal, está criado outro para fins de identificação civil, que pode incluir pessoas desaparecidas.
- O que está na base de dados da ADN?
- Os últimos dados do INML, atualizados no passado dia 13, indicam que estão inseridos quatro perfis de ADN de voluntários, uma amostra-problema civil (um perfil ADN de que desconhece a identificação), oito amostras-problema criminais (de suspeitos desconhecidos) e 448 perfis de condenados.
- Quanto custou?
- O INML afirma que não houve custo direto: o programa CODIS (que administra informaticamente a base de dados) foi oferecido pelo Federal Bureau of Investigation (FBI) e o programa dos dados foi desenvolvido por técnicos do próprio INML. No entanto, o Instituto conseguiu um financiamento europeu de cerca de 800 mil euros, para adquirir novos equipamentos e reforçar as capacidades dos seus laboratórios.
- Como e quem fiscaliza?
- É o conselho de fiscalização da base de dados de ADN, nomeado pela Assembleia da República, presidida pelo juiz conselheiro Simas Santos. Mas apesar de estar ativa desde 2008, controlando a base e emitindo pareceres, está formalmente “ilegal”, pois a sua lei orgânica ainda não foi aprovada. Simas Santos tem invocado o “forte constrangimento no exercício” das funções do Conselho essa falha. O deputado Fernando Negrão, que preside à 1.ª comissão, garantiu ao DN que o assunto será tratado “em breve”.
- As polícias têm acesso direto?
- Por incrível que pareça, não. Nem sequer a Polícia Judiciária, cujo Laboratório Científico está capacitado para fazer a recolha de perfis e a sua comparação. Com a entrada em funcionamento da base de dados de perfis de ADN no INML, a PJ deixou de fazer comparações diretas. Para o conseguir tem de esperar por um despacho do Ministério Público e pedir ao INML.
Governo indiferente a vários apelos de alteração à lei.
Impasse. Uma lei restritiva e os preços exorbitantes que são cobrados pelo INML para a recolha de pefis de ADN são apontadas como causas da fraca utilização da base de dados
Dificilmente um Governo reuniria tanto consenso à volta de uma medida, como o que está formado relativamente à necessidade de dar um forte impulso na utilização da base de dados de ADN, principalmente na investigação criminal. Juizes, procuradores, conselho de fiscalização, polícias e o presidente da primeira comissão parlamentar apelam à necessidade urgente de alterar a lei. Mas, curiosamente, perante esta ‘onda’, o Ministério da Justiça fica em silêncio. Questionado pelo DN desde dia 9 deste mês para assumir uma posição sobre o funcionamento da base de dados de ADN, não respondeu.
Para recolher o ADN de um condenado ou suspeito é necessário um despacho do tribunal ou, em fase de inquérito, do Ministério Público, o que coloca Portugal entre os países da UE mais restritivos na constituição da base de ADN e dos mais protetores de direitos e garantias dos condenados.
Como se não bastasse a exigência da lei, os magistrados têm dela interpretações diversas e esta é uma das razões que o presidente do conselho de fiscalização da base de dados de ADN aponta para o reduzidíssimo número de perfis de condenados que são mandados inserir pelos tribunais. “Há juizes que entendem que não é obrigatório que o perfil de ADN do condenado seja enviado para a base de dados”, o que, de facto, não está expresso na lei, mas implícito. Por outro lado, acrescenta Simas Santos, “os preços cobrados pelo Instituto Nacional de Medicina Legal para fazer as recolhas das amostras são brutais, cerca de 200 euros, o que para os tribunais, em tempo de crise, é um obstáculo”.
O juiz-conselheiro Simas Santos pediu uma audiência à ministra da Justiça, Paulo Teixeira Santos, em outubro de 2011, que ainda não obteve resposta.
O presidente do Sindicato dos Juizes, António Martins, com a salvaguarda que “não se conhecem com exatidão e rigor as razões porque os juizes não mandam inserir os perfis”, considera, de qualquer maneira que “é mais que hora de se fazer uma avaliação desta lei. É fundamental”.
No mesmo sentido está Rui Cardoso, do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, que alerta para a “excessiva morosidade do processo de recolha e inserção dos perfis”, em nada compatível com os prazos dos inquéritos”. O ex-diretor da PJ, Fernando Negrão, atual presidente da 1.ª comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, entende que “a utilização da base de dados de ADN está muito abaixo daquilo que pode oferecer à investigação criminal e a Lei tem de ser urgentemente alterada porque já se provou que, como está, não serve”. VJM.^
Sistema português pode ser ligado à rede da UE.
Segurança A base de dados de ADN portuguesa, instalada no Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), em Coimbra, foi considerada apta e com as condições de segurança necessária à proteção dos ficheiros, por uma auditoria de peritos da UE.
Desde julho do ano passado que a base está “autorizada” a ser ligada às outras bases europeias, mas a falta da transposição de uma diretiva europeia de 2008, está a atrasar o processo. Este diploma, relativo ao aprofundamento da cooperação transfronteiriça, com especial enfoque no domínio da luta contra o terrorismo e contra a criminalidade transfronteiriça, obriga os Estados membros a disponibilizarem e a trocarem entre eles perfis de ADN. Contudo, Portugal está desde essa altura para transpor essa decisão para o ordenamento jurídico nacional.
No plano de atividades de 2011 da Direção-Geral de Políticas de Justiça, do Ministério da Justiça, estava este objetivo, mas não foi cumprido. Todos os grupos parlamentares foram alertados para esta situação em setembro de 2011, pelo Conselho de Fiscalização da Base de Dados de Perfis de ADN. Sem resposta.
Com a autorização da UE, Portugal fica numa situação caricata, com uma base de dados aprovada, mas sem poder cumprir compromissos com a UE no combate à criminalidade.
Ao que o DN apurou, a cooperação e troca de informação tem sido feita, mas em vez de as consultas e comparações serem automatizadas, fazem-se via fax. A base de dados de ADN está no INML com medidas de alta segurança.
Valentina Marcelino
Diário de Notícias 19-3-2012

O mapa judiciário

A. Marinho e Pinto - Publicado às 00.00

A proposta de alteração do mapa judiciário português apresentado pelo Ministério da Justiça, que se encontra em discussão pública, é um documento anacrónico assente em dados incorretos e sem nenhuma pertinência com as exigências de justiça próprias de um Estado de direito democrático. A proposta foi elaborada por burocratas e partiu da conclusão (encerrar tribunais) para os pressupostos, ignorando dados relevantes dos concelhos e das populações afetadas, ao mesmo tempo que invoca outros totalmente falsos. Entre estes últimos estão os dados relativos aos movimentos processuais das 47 comarcas cujos tribunais o Governo quer fechar por, alegadamente, não terem um número de processos considerado suficiente para justificar a sua existência. Com efeito, apenas um desses tribunais tem uma pendência processual inferior aos 250 processos que o Governo definiu como limite, enquanto todos os restantes têm uma pendência bastante superior, chegando em alguns casos a mais de mil processos.
Por outro lado, o critério das distâncias entre os tribunais que se pretende encerrar e aqueles para os quais transitariam processos e pessoas também foi totalmente subvertido, pois foi utilizada uma base, a Via Michelin, que, obviamente, não tem em conta as realidades socioeconómicas. São dezenas as localidades do país em que as pessoas que tivessem de deslocar-se ao novo tribunal precisariam de dois dias ou então de recorrer a transportes privados, pois não há transportes públicos que lhes permitam deslocarem-se no próprio dia ao novo tribunal. Em outros casos, havendo transportes públicos, as pessoas não teriam, contudo, ligações diretas entre os dois concelhos, pelo que teriam de apanhar vários transportes e fazer escalas em outras terras, mas não chegariam de manhã ao seu destino.
Depois, há casos em que, para se chegar ao tribunal de destino, tem de se passar por outros tribunais, como acontece com várias localidades do concelho de S. Vicente, na Região Autónoma da Madeira, em que as pessoas teriam de passar por Santa Cruz e pelo Funchal antes de chegar à Ponta do Sol. Além disso, também não se compreende como é que se propõe o encerramento do Tribunal de Castro Daire situado a cerca de 30 km do tribunal de substituição (S. Pedro do Sul) e se deixa intocável o tribunal de Vouzela, situado a menos de 10 km. Há ainda casos em que os tribunais não encerram mas são feridos de morte, como acontece com o de Vila Nova de Famalicão. Além disso, os custos de funcionamento desses 47 tribunais são bastantes baixos e, na maior parte dos casos, são ou seriam suportados pelas câmaras municipais.
A concretizar-se tal proposta de alteração, aumentariam muito os custos, já bastante elevados, que as populações têm de pagar pelo acesso aos tribunais, levando-as, em muitos casos, a prescindirem da justiça ou então a procurarem alternativas nada recomendáveis. Infelizmente, o Governo parece não ter ainda compreendido a importância da justiça para as populações. O Governo ainda não entendeu que os tribunais não são peças que se possam mover livremente nos tabuleiros das conveniências políticas ou económicas de momento. Os tribunais são símbolos da soberania, da autoridade do Estado, da paz social, da justiça e até da unidade nacional.
A justiça, sobretudo a justiça criminal, tem de ser administrada o mais próximo possível das pessoas envolvidas, ou seja, do local onde ocorreram os factos que a reclamam, pois de outra forma não cumprirá as suas finalidades pedagógicas e preventivas. Infelizmente, quem elaborou esta proposta não conhece o país nem os anseios mais profundos das populações. São pessoas que vivem nas grandes cidades para quem o resto do país - do país real - só serve para pagar impostos e votar nas eleições.
O Estado tem de garantir a administração da justiça, enquanto dimensão da soberania, em todo o território nacional e não apenas nos polos urbanos do litoral. A justiça não é um bem de mercado que disponibiliza como uma qualquer mercadoria ao sabor das regras da oferta e da procura. Os governantes que não compreendam isto e persistirem na visão economicista da justiça não terão um futuro muito longo nem muito brilhante à sua frente.

Jubilados declinam desafio para ajudar nas reformas


Juízes
Inês David Bastos  
19/03/12 00:05
Ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, tem até 2013 para resolver casos parados. E pediu ajuda aos juízes jubilados.

CSM diz que nenhum jubilado pediu para voltar aos tribunais judiciais e só há dois que ficaram no Supremo Tribunal Administrativo.
Os juízes jubilados não responderam ao desafio da ministra da Justiça para regressarem aos tribunais e ajudarem a despachar os mais de 1,6 milhões de processos parados, que a ‘troika' quer ver resolvidos até meados de 2013.
O Orçamento do Estado para 2012 previa uma norma que autorizava os jubilados a regressarem ao activo (desde que não houvesse aumento de despesa) para ajudarem o país, em concreto e Justiça, no momento de crise. Mas fonte do Conselho Superior da Magistratura (CSM) diz que até ao momento não houve qualquer pedido da parte dos magistrados já reformados. "Durante o ano de 2012 ainda não deu entrada nesta direcção de serviços qualquer pedido de regresso ao serviço por parte dos senhores juízes jubilados", esclarece fonte oficial do CSM, quando questionado sobre se o desafio da ministra da Justiça tinha surtido efeitos junto dos magistrados. A mesma fonte adianta, contudo, que ao abrigo da lei 26/2008, quatro juízes conselheiros (já jubilados) encontram-se a exercer funções. Mas estes juízes - cujo regresso é anterior ao desafio da ministra e, até, à assinatura do memorando da ‘troika' - estão a exercer no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), onde o problema dos processos parados não se coloca com a mesma gravidade que nos tribunais de 1ª instância (o apelo de Paula Teixeira da Cruz visava, sobretudo, estes).
E o mesmo se passa nos tribunais administrativos e fiscais. Fonte do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) disse ao Diário Económico que "neste momento encontram-se apenas dois juízes conselheiros nessa condição", isto é, como jubilados que regressaram ao serviço mas, também, aqui para o Supremo Tribunal Administrativo (STA). Não para os tribunais judiciais, onde o problema das pendências é mais grave. Estes juízes conselheiros que assinaram "comissão de serviço" para voltar ao STA, adianta a mesma fonte, vão na maioria dos casos resolver "processos que lhes estavam distribuídos em momento anterior à jubilação"