sábado, 21 de julho de 2012

Ministra da Justiça quer alterar o regime de escutas telefónicas dos titulares de altos cargos políticos


A ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, recebeu o i no seu gabinete com a disposição de falar abertamente de justiça e do rumo que quer dar ao sector. Reafirmou a sua convicção de que o novo mapa judiciário e a reforma penal vão contribuir, com o apoio dos operadores judiciários, para uma justiça de maior qualidade e atacou o governo Sócrates por ter tentado descredibilizar as magistraturas. Defende que os titulares de cargos públicos revelem se pertencem a alguma organização secreta e manifesta-se contra a implementação de foros especiais de qualquer espécie para os mesmos.

Há quem diga que a justiça é um empecilho ao desenvolvimento económico do país? Quando é que vai deixar de ser?

Isso não é inteiramente justo porque, se olharmos para os nossos rácios, não andamos muito longe de todos os outros países da Europa. É evidente que a justiça pode e tem muito a melhorar: temos pronta a nova lei da mediação e dos julgados de paz; uniformizámos as custas quando havia 15 regimes para calcular custas judiciais nos processos, e a mudança vai libertar muitas horas aos funcionários judiciais. Aprovámos o código de recuperação de empresas e de insolvência: pela primeira vez é possível que os credores públicos não façam valer os seus privilégios creditórios e a empresa afunde imediatamente. Isso é absolutamente novo e revolucionário. Até aqui, 96% a 98% das empresas que entravam em insolvência faliam. Aquilo que se vai passar é exactamente o contrário: a lógica é a da recuperação e não a da insolvência. E está ainda em discussão o novo Código de Processo Civil, muito simplificado, com uma única forma de processo, eliminando os processos especiais, com uma audiência preparatória em que as partes calendarizam toda a produção de prova, em que se eliminam expedientes dilatórios, designadamente a aclaração – porque quatro recursos transformavam-se em oito, como sabemos. As partes e o juiz é que programam essa produção de prova e isso cruza com o mapa judiciário. Pela primeira vez na nossa história de reformas, temos uma reforma integrada. O Processo Civil está intrinsecamente ligado à reforma judiciária e ao plano de acção para a informatização dos tribunais. Hoje há pessoas que têm de se deslocar um ou dois distritos para resolver problemas de competência especializada, e isso vai deixar de acontecer. Na sua extensão, a pessoa pode obter informação sobre qualquer processo de competência especializada, ser inquirida por videoconferência, enviar os articulados... Isto é levar para o interior as especializações, ao contrário do que se está a dizer.

Essas extensões não serão secretarias?

Não serão balcões, não. Hoje tínhamos tribunais de competência genérica, que tinham de julgar tudo. E alguém que tem de julgar tudo dificilmente estará a par de todas as especializações, por muitos esforços que os magistrados façam. Além disso, eram tribunais com muito poucos processos, com um juiz itinerante, que vai de véspera, uma ou duas vezes por semana. Que justiça é esta? Estamos a falar de verdadeiros tribunais? Tribunais que funcionam num andar de uma câmara municipal? É esta a justiça que os portugueses querem? A que existia no século XIX, no tempo de D. Maria II, quando havia muito menos estradas e circulação do que há agora? Não queremos uma justiça do faz de conta. Ao contrário do que acontece em muitos serviços públicos, qualquer pessoa vai poder saber sobre processos especializados o que não sabia hoje. Para dirimir litígios de trabalho, hoje todos os utilizadores dos tribunais da Guarda têm de se deslocar à capital de distrito. Agora não será necessário e poderão fazê-lo através da sua extensão. Só quem não quer entender não entende. O ataque à proposta do novo mapa judiciário nada tem a ver com a defesa do bem-estar das populações, porque o rácio de utilização destes tribunais é de 0,033 ou 0,016 e, sobretudo, quando vêm com a ameaça de denunciar os julgados de paz, que é a justiça de maior proximidade, o que é absolutamente incompreensível.

Os autarcas continuam a protestar contra esta reforma. Admite dar o braço a torcer em alguns casos?

Admito todas as alterações que se revelem necessárias, sem alteração da matriz. Há um município que tem 160 processos por ano – vai ali a Sintra e só um juiz tem 5 mil por ano. Quando se fala de falta de diálogo é curioso, porque foram feitas aqui mais de 60 reuniões. Houve até soluções interessantes adiantadas pelos autarcas. O Cadaval, por exemplo, tem problemas fundiários e a própria autarquia propôs um centro de mediação e de arbitragem nesse tipo de assuntos. Não me vou enfeitar com plumas alheias, mas foi uma ideia tão interessante que pode ser extensível a todo o território nesse âmbito. Há outras sugestões que podem ser acolhidas. Mas não há nem haverá nenhuma cedência a uma lógica de lóbi autárquico e que desvirtue a matriz da reforma.

A divulgação de moradas de pedófilos não vai incitar ao linchamento popular?

A questão não se coloca assim. Temos uma directiva para transpor até ao fim de 2013, directiva essa que preconiza a referenciação de pedófilos. Já vi escritas as coisas mais absurdas, desde que vão pôr chips nos pedófilos, como se isso fosse possível... A pedofilia é um crime com uma alta taxa de reincidência. Todos assistimos há pouco tempo a um apelo lancinante, nos Estados Unidos, de um pedófilo: “Pelo amor de Deus, quero uma solução mais radical porque sei que vou reincidir.” Sabendo que a taxa de reincidência varia entre os 90% e os 98%, importa referenciar os pedófilos consoante o seu grau de perigosidade. Um exibicionista é diferente de um que já matou e violou. Em função do seu grau de perigosidade, são referenciados vários patamares das comunidades. Os polícias, se o grau é mínimo, ou as escolas, ou os centros de tempos livres, se o grau de perigosidade é maior. Não se trata, como nos Estados Unidos, de divulgar na internet moradas dos pedófilos.

Como e quem vai avaliar essa perigosidade?

É em função do crime praticado. Violar tem um grau, violar e matar tem outro, e exibir-se tem outro, para além das situações intermédias.

Essa informação não fica aberta?

Não. E as pessoas ficam obrigadas a um grau de sigilo, como é evidente. De resto, já temos uma lei de 2009 que obriga a que, para o exercício de determinadas actividades, como as ligadas a crianças, haja um conjunto de informações prestadas em termos de matéria criminal.

Não acha provável que essa matéria salte das escolas para os pais? Como é que reagiria se soubesse que no seu prédio vivia um pedófilo?

Se soubesse que no meu prédio vivia alguém que matou ou violou duas vezes, e tivesse crianças pequenas, tinha o direito de ser avisada e tomar especiais cautelas. Mas há depois um conjunto de obrigações a que as pessoas ficam sujeitas, designadamente o sigilo, obviamente. Não há aqui condenações eternas, mas há valores que temos de privilegiar. Vamos privilegiar o da vítima indefesa que tem dois, cinco ou seis anos, ou de alguém que, segundo as estatísticas, reincide em 90 ou 98% das vezes? Entre os dois valores, há que ponderar soluções sensatas, pensadas e equilibradas. Não penso isto desde hoje: desde 1999 que tenho uma posição pública tomada sobre esta matéria. Quando sabemos que temos uma ameaça, já é obrigatório que as polícias tenham uma actuação preventiva, avisando desde logo a própria vítima.

Há quem a acuse de estar a ser populista com a reforma penal que aprovou...

Se ser populista é acabar com a impunidade, com uma justiça para ricos e uma para pobres, se ser populista é acabar com uma lógica de que há pessoas acima da lei – e tem havido muito disso entre nós –, então sou populista. Mas nunca ninguém me carismou de populista, bem pelo contrário. Estas disfunções do regime estão bem pensadas há muitos anos, estão identificadas pelos operadores judiciários. Percebo que vá incomodar muita gente, sobretudo os crimes de corrupção e colarinho branco, porque a prescrição passa a interromper-se com a condenação em primeira instância. Estou muito feliz e, se hoje me acontecesse alguma coisa, teria dado por muito bem empregue tudo aquilo que já foi feito, sobretudo com a aprovação [a 12 de Julho] do Código Penal e de Processo Penal e de execução de penas.

A reforma preconiza, por exemplo, julgamentos muito mais rápidos para os crimes em flagrante delito...

Vi algumas notícias, eventualmente induzidas por comentários de quem ainda não tinha lido os projectos. Um processo sumário não é um processo julgado em 48 horas: em primeiro lugar, é flagrante delito, está ali praticamente a prova toda. Levando a questão ao absurdo, e mesmo assim isso não seria flagrante delito, imagine que eu assumo as culpas, agarro na faca de alguém que está a esfaquear outro e digo: fui eu. Mesmo assim, há 20 dias para a defesa, o juiz pode, dada a complexidade do processo, transformá-lo num processo comum. Se a pessoa quiser, pode pedir tribunal colectivo ou tribunal de júri. Há recurso para a Relação, onde há mais de um magistrado. Todas as garantias estão asseguradas, não há aqui nenhum populismo. Percebo que muitos interesses neste país tenham ficado preocupados com a aprovação das reformas penais, até porque há declarações na fase de inquérito e de instrução que passam a ser valoradas. Os próprios juízes passam a poder valorar declarações e actos que não podiam antes, em julgamento. Onde estava a justiça material? Não era isso uma justiça formal? Talvez o meu problema seja, não o de ser populista, mas o de praticar, ter um percurso profissional e saber perfeitamente onde estão as distinções. Curiosamente, o meu diagnóstico coincide com o das estruturas representativas dos profissionais forenses. É evidente que há excepções, mas todos percebemos porquê.

Quem for apanhado em flagrante delito deixa de poder responder em liberdade. O sistema prisional terá capacidade para responder a isso?

Se não tivesse, seria pouco sensato avançar para esta medida. Já para 2012 e 2013 temos um plano de expansão do parque prisional, aproveitando as prisões que temos. Temos cerca de 600 celas que, por incúria, estão deterioradas, desocupadas. Basta recuperá-las. Não é preciso mega-parcerias, nem as Parcerias Público-Privadas (PPP) que o anterior governo anunciava. A maior parte dos nossos estabelecimentos prisionais têm muita área sobrante e é preciso acrescentar, quantificar e dignificar. Fomos o primeiro governo a abrir Custóias à comunicação social, sem que nada estivesse preparado. Até porque a indicação que havia era de interdição de entrada e fui eu, no momento, que pedi à comunicação social e disse: “Desde que não filmem os rostos, façam favor.” Não há que esconder aquilo que nos foi legado, mas também aquilo que já estamos a fazer. E foi visível aquilo que estávamos a fazer em Custóias para melhorar a situação das pessoas que lá estão. A par disso, temos planos de formação para os reclusos – prevê-se que para o ano abranjam quatro mil reclusos. Porque as cadeias devem ser, não as escolas de crime que são hoje, mas o primeiro sinal visível de reinserção. E estou profundamente orgulhosa da atitude que o actual corpo prisional, e respectivo sindicato, tiveram ao abraçar este projecto desde o início. Sem meios materiais, podemos fazer muitíssimo com a qualidade humana que temos.

Esta reforma quer acabar com expedientes dilatórios. Este é o código Isaltino Morais? As grandes reformas andam sempre a reboque dos processos mediáticos?

Não. Far-me-á a justiça de reconhecer que, tendo pertencido, entre outros órgãos, ao Conselho Geral da Ordem dos Advogados e ao Conselho Superior do Ministério Público, há muito que temos um pensamento conjunto sobre problemas e as soluções a dar à justiça. Nessa matéria não há improvisos, são questões demasiadamente maturadas. Se sou a primeira a criticar a última reforma que foi feita, porque foi feita à semelhança de um caso concreto, não incorreria no mesmo erro.

Porque não houve nesta reforma uma alteração ao regime das escutas dos titulares de cargos políticos? É uma questão que foi muito criticada na anterior...

Esta é uma revisão intercalar, destinada a pôr cobro às disfuncionalidades mais urgentes do sistema. Haverá depois uma comissão que fará a sistematização e a introdução no Código Penal de um conjunto de clarificações, regimes, crimes que constam de legislação avulsa, muita dela por via de legislação comunitária, sobretudo na área ambiental. É preciso sistematizar, mas é um trabalho de fôlego. Mas dou-lhe já a minha opinião: não penso que um titular de cargo político tenha de estar acima de qualquer cidadão quando comete um crime.

Admite a revisão desse foro especial?

Admito, naturalmente.

Em relação ao procurador-geral da República, dr. Pinto Monteiro, que balanço faz do seu mandato?

O dr. Pinto Monteiro está em fim de mandato, mas há duas coisas que gostaria de sublinhar: por um lado, a cooperação institucional tem sido adequada e leal; por outro, com as estruturas do DIAP e do DCIAP, quando aqui cheguei a primeira coisa que perguntei foi: “Do que precisa para fazer as investigações?” E a própria dra. Cândida Almeida, directora do DCIAP, reconhece que foi feito um esforço muito grande nesse sentido e diz quais foram os reforços.

Com tantas críticas, o PGR deveria ter renunciado ao cargo?

A cada um a sua máxima liberdade e a sua máxima responsabilidade.

No lugar de Pinto Monteiro, tinha-se demitido?

Eu sei o que teria feito, mas como digo, a cada um a sua máxima liberdade e a sua máxima responsabilidade.

Quem vamos ter como próximo PGR?

Correndo o risco de voltar a sofrer críticas, volto a dizer: alguém que ame o Ministério Público (MP), de forma institucional. Nos últimos seis anos, as magistraturas foram causticadas, descredibilizadas. E tudo o que um ministro da Justiça não pode fazer é contribuir para descredibilizar o sistema de justiça. Ficaria muito feliz se nesta fase transitória os profissionais forenses, magistrados e oficiais de justiça, saíssem dignificados de todo este processo – e farei tudo para isso. Ninguém me ouvirá nunca lançar um labéu corporativo sobre quem quer que seja, mesmo face a situações em que seria fácil fazê-lo. Ver--me-ão ter uma posição institucional, de diálogo e de credibilização de todo o mundo judiciário. Platão dizia que “a justiça é a saúde do Estado”. E é verdade, sem saúde é muito complicado que funcione. A Polícia Judiciária, por exemplo, tem tido resultados notáveis no último ano.

Um juiz tem mais capacidade para amar o MP do que um procurador?

Pode ter ou não. Pode vir até a ser alguém de fora das magistraturas. Quando digo que se tem de amar o MP é não olhar com preconceitos, como tantas vezes vejo. O MP tem óptimos, bons e maus profissionais. É essencial ao Estado de direito, já que é o titular da acção penal.

A PJ poderia passar para a tutela da PGR?

Há vários modelos. Neste momento, a concertação e o entendimento de cooperação que foi criado não justificam que se pense, por agora, num modelo destes. Muitas vezes, o problema é de cooperação entre entidades, mas neste momento está a correr muito bem.

Nas últimas semanas surgiu mais um caso de uma eventual incompatibilidade na área da advocacia de negócios. O dr. José Luís Arnaut foi nomeado para a administração da REN, quando o seu escritório tem aquela empresa como cliente e produziu boa parte da legislação na área energética. A Ordem dos Advogados devia ter tomado alguma iniciativa?

Essa é uma matéria que compete à ordem e não ao Ministério da Justiça. Penso que a ordem se deveria preocupar com casos que se considerem incompatíveis.

O governo devia ter mais cuidado nos ajustes directos de serviços jurídicos para produção de legislação?

Depende. Pode haver necessidade, em função de alguma especialidade. No Ministério da Justiça não tem sido essa a nossa prática. Temos um gabinete altamente qualificado e ainda esta semana uma das nossas adjuntas obteve um doutoramento na Faculdade de Direito de Lisboa com 18 valores. Contamos com os nossos serviços, que têm muita qualidade. Quando há reformas de vulto, e independentemente das orientações políticas, temos nomeado comissões, como a do Processo Civil, que já terminou os seus trabalhos. Assim teremos um verdadeiro novo código, e não a 44.ª alteração. Vamos ter, obviamente, uma revisão no âmbito da comissão do Código de Processo Administrativo e do estatuto dos tribunais administrativos e fiscais. Vai ser um trabalho de longa duração. E conseguimos que os melhores professores se oferecessem para integrar esta comissão. Em tempos difíceis, pessoas vão dar boas horas em prol do serviço público.

O PGR disse numa entrevista que a corrupção não é um dos maiores problemas do pais. Não o é?

Naturalmente que a corrupção existe e é um dos grandes problemas do pais. Daí as nossas prioridades, quer no que toca ao apetrecho de estruturas do MP, quer no que toca à reforma das leis penais.

Que sentido faz dr. Ricardo Sá Fernandes ter sido condenado por ter denunciado um caso de corrupção?

Há contornos vários no processo que não conheço. Todos e cada um devem preservar os seus deveres. Por outro lado, o combate à corrupção deve ser um combate de cidadania, porque muitas vezes todos condenamos a corrupção, mas não condenamos a facilitação. Muitas vezes, entre os dois, há só um pequeno degrau.

Continua a defender que titulares de cargos políticos devem assumir se fazem parte de organizações secretas?

Naturalmente, porque quando há graus de obediência nunca sabemos qual é a obediência que prevalece.

Alguma vez deu esse conselho a colegas seus do partido ou do governo?

Não falarei sobre conversas privadas, mas essa é uma posição minha, pública.

Alguma vez foi convidada para a Maçonaria?

Não, não penso que alguém tivesse essa tentação

Ainda é possível avançar com o crime de enriquecimento ilícito nos moldes em que desejava?

Lá voltaremos, nos moldes em que desejava. É absolutamente essencial para combater a corrupção. Eu gostaria de remeter para umas afirmações do dr. Marques Vidal, que foi director da PJ, para demonstrar como esse crime é absolutamente essencial para combater a corrupção. E dou um exemplo, porque por trás do enriquecimento ilícito há sempre um crime, portanto é esse crime que é preciso apanhar: A é casado com B; A comete crimes de corrupção vários, como branqueamento de capitais; divorciam-se; B não cometeu nenhum crime e divide o património que foi ilicitamente adquirido. Como é que o apanho sem ser através do enriquecimento ilícito?

Mas o B deve ser condenado nessa situação?

Se se está a aproveitar do enriquecimento ilícito...

E se o B não souber?

Prova que não sabe, embora seja difícil com alguém que vive paredes meias... Percebo que atemorize. Atemoriza os mesmos que o código penal aprovado atemoriza, os fins do estado de impunidade incomodam sempre. Não podia esperar que uma reforma destas não provocasse sequelas.

Os juízes do Constitucional manifestaram-se contra o bem tutelado. O CDS tem algumas reservas... Admite avançar, mesmo sem os parceiros de coligação?

O enriquecimento ilícito já é uma aquisição da coligação, não vejo que haja retrocessos. É uma medida transversal, incomodará muita gente.

Quem a conhece diz que trabalha demasiadas horas. Ser ministra implica inevitavelmente sacrificar a vida pessoal?

Naturalmente.

Quanto perdeu com a transição?

A minha declaração de rendimentos é pública. Ganho hoje um décimo do que ganhava.

Alguma vez lhe ligaram para que tentasse influenciar o rumo de um processo?

Não. Certamente não é por acaso.

I de 21-7-2012


Bica, bagaço & factura

Espero que o Ministério das Finanças não deixe de patentear a rede de pesca fiscal que laboriosamente desde há um ano vem tecendo, de trama dir-se-ia fisicamente impossível: apanha sardinha miúda e carapau do gato e deixa passar o peixe graúdo. O segredo está no material usado, inteiramente de concepção neoliberal nacional: uma legislação fiscal labiríntica e imune a investidas débeis e desorganizadas mas que facilmente dá de si quando o "investidor" é de peso.

Agora, depois de, com o fim das deduções de despesas de saúde em sede de IRS, ter poupado os consultórios médicos privados à maçada da passagem de recibos, o Governo assesta as armas pesadas para o pequeno café da esquina, a cabeleireira de bairro, o biscateiro do fim da rua. Imagino que Passos Coelho tenha, numa das suas saídas pelas traseiras, entrado em alguma tasca de vão de escada para tomar uma bica, observando à saída, indignado, a Vítor Gaspar: "Viste que a velha não me passou factura? Agora como vou meter os 50 cêntimos nas despesas?".
Assim, a partir de 2013, ou a velha passa factura ou pagará 3000 euros de multa. Toda a gente, até a velha, consideraria isso mais que justo se processos de milhões como os de Américo Amorim ou Soares dos Santos não se arrastassem nos tribunais fiscais sem fim à vista ou se as Finanças não se tivessem desinteressado de colectar as luvas do "caso dos submarinos".
Manuel António Pina
JN de 10-07-2012

Tribunal pede ao MP para investigar pagamentos a Sócrates no caso Freeport

Tribunal pede ao MP para investigar pagamentos a Sócrates no caso Freeport

José António Cerejo
O Tribunal do Montijo absolveu Manuel Pedro e Charles Smith, mas valorizou indícios de que tinham tido intervenção num alegado pagamento de luvas a José Sócrates, pelo qual não estavam acusados.

O estranho mundo da law in Portugal

Francisco Teixeira da Mota
Escrever direito
No Verão é este o passatempo que se aconselha: coligir em família exemplos da law in Portugal. E rir… ou chorar
Para a compreensão do direito e da justiça, existem dois conceitos fundamentais: a law on the books e a law in action. A primeira refere-se à lei escrita, tal como consta do Diário da República ou dos diversos códigos e diplomas, isto é, tal como foi idealizada e vertida em letra pelo legislador; a segunda refere-se à lei tal como ela é aplicada, isto é, tal como ela nos surge no dia-a-dia da vida em sociedade. Como é intuitivo, tais realidades nem sempre coincidem.
Mas esta distinção, essencial para compreendermos o direito, foi agora enriquecida com um outro conceito operativo, que representa um notável avanço na ciência jurídica e na sociologia do direito: para além da law on the books e da law in action, temos agora a law in Portugal.
Como se distingue a law in Portugal da law on the books e da law in action? Não é fácil dizê-lo. Digamos que a sua grande imprevisibilidade, o facto de, muitas vezes, logo à nascença ser portadora da sua própria negação, o facto de poder ser-lhe acrescentada uma vírgula ou uma alínea em pleno processo legislativo, sem que ninguém assuma a sua paternidade, a sua manifesta inviabilidade, para o próprio legislador que não acredita naquilo que acaba de aprovar, as sucessivas contradições que encerra, sendo, às vezes, absolutamente incompatível o que se diz no preâmbulo e aquilo que consta da própria lei e a sua discricionariedade, se não mesmo arbitrariedade, convenceram os cientistas do direito que seria uma ilusão tentar enumerar, de uma forma exaustiva, as características da law in Portugal.
Obra de referência nesta pesquisa científica foi o conto O Idioma Analítico de John Wilkins em que Jorge Luis Borges menciona uma “… certa enciclopédia chinesa intitulada Empório Celestial de Conhecimentos Benévolos. Em suas remotas páginas está escrito que os animais se dividem em a) pertencentes ao Imperador, b) embalsamados, c) domesticados, d) leitões, e) sereias, f ) fabulosos, g) cachorros soltos, h) incluídos na presente classificação, i) que se agitam como loucos, j) inumeráveis, k) desenhados com um pincel finíssimo de pêlo de camelo, l) etc.., m) que acabaram de partir o jarrão, n) que de longe parecem moscas” …
E, no entanto, apesar da evidente complexidade da questão, todos nós, mesmo os mais iletrados, sabemos reconhecer a law in Portugal. Um caso bastante evidente é, como todos já percebemos, a lei da autonomia universitária, na parte em que permitiu que o ministro Miguel Relvas obtivesse uma licenciatura. Saliente-se que foi um dirigente da Juventude Social-Democrata que, constatando esta evidência, apareceu a verberar o ministro Mariano Gago por ter aprovado tal lei. E fez muito bem o jovem social-democrata.
Como todos sabemos, essa mesma lei, que permitiu a um senhor conferir um grau académico a outro senhor, também permitiria a recusa do desejado grau académico. Assim fosse entendido como conveniente. A mesma lei permite, assim, não só ambas as soluções, absolutamente contraditórias, como quaisquer outras, podendo sempre dizer-se que se actuou dentro da lei. Ou melhor, dentro da law in Portugal.
Outro caso de law in Portugal é a legislação sobre segredo de justiça. Neste momento, a legislação até está relativamente equilibrada, não reunindo todas as características de law in Portugal, mas certamente que em breve será revogada e produzida nova legislação mais conforme com a law in Portugal.
A legislação que o Governo pretende ver aprovada sobre a floresta portuguesa e que vem considerar o eucalipto uma espécie em igualdade de direitos com o pinheiro-bravo é outro caso de law in Portugal. Como salienta o exaustivo trabalho de Manuel Carvalho no PÚBLICO do passado dia 16, esta lei tem enormes vantagens, condensando num único diploma e num só organismo aquilo que tem estado disperso. Diminui significativamente a burocracia, o que é indiscutivelmente bom. No entanto, parece evidente que o que vai acontecer é a aceleração do imparável crescimento do eucaliptal no nosso país, com todos os prejuízos que daí resultam.
Em vez de investir no ordenamento do território e de promover uma melhor gestão e rentabilização das áreas de eucaliptal, esta legislação vai permitir que áreas inferiores a cinco hectares, incluindo áreas de regadio, sejam facilmente convertidas em eucaliptais, afastando-nos cada vez mais de um desenvolvimento sustentável da nossa floresta. Um efeito perverso de uma legislação exemplar? Não. Faz parte da própria legislação, embora não seja referido. Mas, claro, como boa law in Portugal, toda a gente sabe que é assim.
No Verão é este o passatempo que se aconselha: coligir em família exemplos da law in Portugal. E rir… ou chorar. Advogado. Escreve à sexta-feira
Advogado Escreve à sexta feira
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Público | sexta-feira, 20 Julho 2012

Jornal Oficial da União Europeia (21.07.2012)

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C (Comunicações e Informações): C215 C215A C216 C217