sábado, 4 de agosto de 2012

Tribunal Constitucional: os juízes contra-atacam

03.08.2012 - 09:36 Por Pedro Lomba
Como é que um conjunto de circunstâncias permitiu ao Tribunal Constitucional carimbar a inconstitucionalidade do corte dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e reformados? É o que neste texto se procura apurar.

À esquerda os juízes do Tribunal Constitucional são hoje heróis nacionais. À direita diz-se que o tribunal cometeu um grave erro jurídico e económico. "O acontecimento político mais grave dos últimos meses", segundo Fernando Ulrich. Certa ou errada, esta decisão nasceu de um contexto. Eis o que importa apurar: como é que um conjunto de circunstâncias, incluindo uma reviravolta de alguns dos seus juízes, permitiu ao Tribunal Constitucional carimbar a inconstitucionalidade do corte dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e reformados.

Quando Pedro Passos Coelho e o presidente do Tribunal Constitucional (TC), Rui Moura Ramos, se envolveram numa troca inédita de reprovações em torno do acórdão do TC sobre o corte dos subsídios de férias e de Natal, o país inteiro deve ter ficado aturdido. Não, não era António José Seguro medindo forças com Passos Coelho. Era o institucional Rui Moura Ramos, que, para evitar que acusassem o TC de ter aberto a porta a uma austeridade mais dura para todos - não por acaso, o PCP fez logo essa crítica -, achou que devia dar uma entrevista à imprensa. Moura Ramos lamentou que Passos tivesse reagido "a quente" no dia em que o acórdão foi tornado público, quando afirmou que iria estender os cortes ao sector privado. Ao mesmo tempo, o presidente do TC aproveitou para instruir que uma leitura do acórdão centrada na comparação entre sacrifícios do público e do privado era "errada", visto que o acórdão distingue sim entre "titulares de rendimentos", o que foi logo visto como uma sugestão para se taxar os rendimentos de capital.

Quem conhece a contenção e o zelo judicial de Moura Ramos sabe que estas não foram declarações comuns. Moura Ramos disse uma vez que o TC "funciona como contrapoder que tem de dizer não à maioria que legisla". Agora estava a fazer mais que isso. A esquerda da esquerda aplaudiu. Passos Coelho respondeu, com um tom mais agressivo do que lhe tem sido habitual: "Podemos entender estas declarações como sendo de alguém que está de saída e não como de alguém que, durante todo o tempo, não confundiu a presidência do TC com o espaço de discussão pública."

Os acórdãos do TC são em regra identificados por número, barra e ano; e com o nome do relator que marca a autoria de cada decisão. Isto ajuda à sua invisibilidade quase apolítica. Mas o acórdão que declarou a inconstitucionalidade dos cortes dos subsídios não vai ficar conhecido como o 353 de 2012. É uma decisão carregada de ousadia e consequências políticas, atingindo aquilo a que temos vindo a chamar o nosso "estado de emergência financeira" e a margem de manobra de um governo para cumprir o programa da troika e ajustar a despesa do Estado.

Juízes, sindicatos da função pública, o grosso da esquerda encararam o acórdão como a prova de que a Constituição está viva, contestando só que o TC tivesse deixado intactos os cortes de 2012. Outras vozes foram discordantes. O constitucionalista Vital Moreira crismou esta decisão no seu blogue como "inconvincente" por comparar aquilo que não é comparável: o peso dos funcionários públicos e privados na despesa pública. Paulo Mota Pinto, um ex-juiz do TC e também professsor de Direito, apelidou a decisão como "um passo de activismo judiciário, ao arrepio de uma tradição de self-restraint que caracterizava no controlo segundo os princípios da proporcionalidade e da igualdade a jurisprudência do TC".

Sindicalismo judiciário

Público - sábado, 04 Agosto 2012
Debate Ministério Público e sindicato
Alberto Pinto Nogueira - Procurador-geral adjunto
O procurador-geral da República (PGR) não se cansava de jurar que o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) pretendeu impor-lhe um vice-procurador-geral. As relações entre tais instituições nunca foram pacíficas e atingiram o seu auge numa afirmação ousada do PGR: “o SMMP é um pequeno partido”. Não foi correcto, mas dava vontade de o dizer. O SMMP intenta meter-se em tudo que respeita ao MP: no que lhe cabe e no que lhe não cabe. Prática comum e intolerável. Constitucional e legalmente discutível.
Sindicalmente prejudicial e, igualmente, ao MP. A sua tentação tentacular leva-o a anunciar: “Congresso do Ministério Público”. Não é, mas sim “Congresso do SMMP”. O SMMP não é o MP.
Quando a Constituição previu que o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) seria também composto por magistrados a eleger entre os respectivos pares e o Estatuto do Ministério Público (EMP) regulou que esses elementos seriam propostos por certo número de magistrados, por listas, ninguém imaginou as perversões perturbadoras da independência e isenção do Conselho que ali germinavam. O SMMP apossou-se da organização e promoção eleitoral de tais listas. Escolhe, com critérios ignorados, quem propõe e quem é proposto às eleições do CSMP. Entre os seus “fiéis”. E passou a levar a efeito as mais diversas operações de carácter eleitoral, detentor que é de uma máquina organizativa considerável e de orçamentos não despiciendos. Contra a Constituição e o EMP que nada disso prevêem.
Os dissidentes, os que ousam pensar de modo diferente, são os “inimigos” do MP porque adversários do sindicato, com personalidades não recomendáveis. Não têm máquina organizativa, nem dinheiro dos sócios e outros proventos, lá vão perdendo, de eleição em eleição, conseguindo, graças ao método proporcional, eleger aqui ou ali um ou outro elemento para o CSMP.
O SMMP determina a escolha e eleição dos candidatos, como ainda o próprio CSMP, onde os eleitos, salvo contadas excepções, são meros mandatários dos interesses corporativos das direcções sindicais. E isto é intolerável. Uma organização sindical, pela sua acção preponderante na eleição dos membros do CSMP, que foram escolhidos pelas direcções sindicais, pode, mas pode mesmo, influir, e influi na prática, nas deliberações de um órgão constitucional. Na apreciação do mérito dos magistrados, na acção disciplinar, na sua colocação ou exoneração. Entre outras competências do CSMP. São funções do Estado. Não do sindicato.
A revisão do EMP que o novo mapa judiciário vai implicar, deve atender a tais questões. De contrário, o novo PGR arcará com mais este problema a vir, sistematicamente, à superfície. Relações entre PGR e SMMP devem ser saudáveis, mas cada qual no seu lugar: ao PGR o que é do PGR, ao SMMP o que é do SMMP. Este que cuide, e já tem muito com que se coçar, do seu objecto estatutário.
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MAPA JUDICIÁRIO

Expresso - sábado, 04 Agosto 2012
Procuradores alertam para “elevados riscos”
O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público considera que a proposta de reforma do mapa judiciário é “extremamente ambiciosa e potenciadora de elevados riscos”. O sindicato recorda que, em 2009, quando foram instaladas as três comarcas experimentais, o normal funcionamento dos tribunais demorou vários meses e, em alguns casos, mais de um ano. A possível violação da independência dos juizes e da autonomia do MP são alguns dos riscos que mais preocupam os procuradores.