quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O Estado que não emagrece

Sábado (quinta-feira, 23 Agosto 2012)
O Governo quer convencer os portugueses de que é quase a mesma coisa cortar dois subsídios aos funcionários públicos ou um subsídio a toda a gente – público e privado. Infelizmente, não é.
Se, num caso, o Estado poupa nas despesas e corta o que gasta com um sector grande demais e caro demais (custou 19,3 mil milhões de euros só em salários no ano passado); no outro caso, aumenta as receitas e faz o que sempre soube fazer quando falta dinheiro: sobe os impostos.
Esta diferença entre cortar a despesa e aumentar a receita não é apenas a diferença entre uma medida justa e necessária para a sobrevivência do Estado e outra injusta e fatal para o emagrecimento do sector público. É, acima de tudo, um erro político e uma violação do acordo com a troika.
Portugal chegou à situação em que está porque o Estado gasta demais. Distribui cargos na função pública sempre que muda o partido no poder, aumenta salários cada vez que há eleições e recusa-se a avançar com despedimentos com medo de perder votos.
O Estado é o único sector da economia que não dispensa trabalhadores quando está em dificuldades financeiras. É o único patrão que não exige mais trabalho quando é preciso produzir mais. É o único empregador que não corta salários quando se acaba o dinheiro.
O Estado engordou enquanto as empresas emagreceram e recusa-se a fazer dieta quando o país praticamente passa fome – por exemplo, na Madeira, o número de funcionários públicos deveria cair 2% ao longo deste ano e até agora caiu 0,7%. Enquanto os portugueses poupam, o Estado manteve o número de municípios, recuou no corte de freguesias, hesitou na mobilidade dos funcionários públicos, adiou a redução das fundações, amedrontou-se na renegociação das rendas energéticas e das PPP e prepara-se agora para abandonar a diminuição de salários com a desculpa do Tribunal Constitucional. Nas medidas da troika para poupar, o Estado vacilou; nas medidas para cobrar, o Estado superou-se. Substituir o corte dos subsídios da função pública (despesa) por uma sobretaxa para todos (receita) é fazer o que sempre foi feito: os seus impostos pagam os excessos dos governos.
NA COREIA DO NORTE, Kim Jong-Il escolheu o seu sucessor, o filho Kim Jong-Un; em Cuba, Fidel Castro escolheu o seu sucessor, o irmão Raul Castro; na Síria, Hafez al-Assad escolheu o seu sucessor, o herdeiro Bashar al-Assad; e no Bloco de Esquerda Francisco Louçã também escolheu os seus sucessores, os amigos João Semedo e Catarina Martins, além de um novo modelo de liderança bicéfalo.
É claro que nada disto tem qualquer resquício ditatorial. Todos eles tiveram de passar por rigorosas e exigentes eleições típicas de uma livre democracia de extrema-esquerda: tal como Kim Jong-Un foi eleito pela Assembleia Popular Suprema, Raul Castro pela Assembleia Nacional de Cuba e Bashar al-Assad pela Assembleia do Povo, também João Semedo e Catarina Martins terão de ser aprovados pela convenção do Bloco de Esquerda.
Mas, se houvesse qualquer dúvida sobre o sentido de voto dos militantes, Francisco Louçã fez logo questão de esclarecer que esta sua sugestão teve uma “enorme simpatia dentro do núcleo da direcção do Bloco” e que “só há razões para presumir que será muito bem aceite” pela convenção do partido. Perante isto,
no caso português se calhar não valeria a pena sequer insistir com a votação formal: Louçã já tomou a decisão, o partido só precisa de obedecer.
O DIÁRIO DE NOTÍCIAS cometeu a ousadia de perguntar ao gabinete de Pedro Passos Coelho se o senhor primeiro-ministro se dera ao cuidado de pedir factura do aluguer da sua casa no Algarve. Visto que o aluguer sazonal de habitações de Verão é uma das formas habituais de fuga ao fisco, o DN achou a pergunta pertinente. Mas Pedro Passos Coelho considerou-a uma evidente violação do “foro privado”, porque “não estão em causa dinheiros públicos”.
Da próxima vez que um inspector das finanças lhe perguntar se negociou as obras de casa ou o arranjo do carro sem factura e sem IVA, já sabe o que deve responder.

MP pede ajuda a ministros para descobrir documentos

Jornal Notícias (quinta-feira, 23 Agosto 2012)
CASO SUBMARINOS
DCIAP admite falta de “dossiê histórico” e quer Aguiar Branco e Portas a colaborar
Nuno Silva
O DEPARTAMENTO Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) anunciou, ontem, que vai fazer “novas diligências” para tentar encontrar a documentação desaparecida no processo de compra e venda dos dois submarinos alemães pelo Estado. Nesse sentido, irá pedir a colaboração de José Aguiar Branco, ministro da Defesa, e de Paulo Portas, enquanto titular daquela pasta na altura da celebração do contrato.
Em comunicado, o DCIAP explica que, entre 21 de abril de 2008 e 13 de novembro de 2009, foram analisados documentos dispersos por diversos departamentos do Ministério da Defesa e arquivos, com a “total colaboração e disponibilidade” dos ministros da altura. E que fez diligências de “busca e apreensão em diversos locais”.
Contudo, frisa a nota, “continua a faltar o ‘dossiê’ histórico contendo a documentação relativa aos concursos que antecederam a celebração dos contratos, contrapartidas e financiamentos”.
Como o JN revelou na edição do passado dia 11, o desaparecimento dos documentos foi referido pelo procurador João Ramos, do DCIAP, num despacho de 4 de junho, ao arquivar o inquérito em que era visado apenas o arguido e advogado Bernardo Ayala. O processo principal continua sob investigação.
No comunicado, o DCIAP acrescenta que o processo emque se investigam eventuais crimes de corrupção, tráfico de influência e prevaricação – “prossegue os seus termos, aguardando-se resposta a diversas cartas rogatórias emitidas para vários países”.
PRIMEIRAS REAÇÕES
  • Aguiar Branco
Em 13 de agosto, referiu não ter ainda recebido qualquer solicitação do MP, mas manifestou-se “totalmente colaborante”, pedindo à PGR que diga quais são os documentos em falta.
  • Paulo Portas
Já afirmou estar “disponível para qualquer esclarecimento” e ironizou que as notícias “emergem quando convém e submergem quando deixa de interessar”.
  • Augusto Santos Silva
Outro antigo ministro da Defesa já garantira que, enquanto no Governo, respondeu a todos os pedidos de documentação feitos pelo Ministério Público.
  • Severiano Teixeira
“Durante o meu mandato como ministro da Defesa (…) todas as solicitações que o MP fez foram positivamente respondidas”, disse há dias.

Parecer da PGR aponta para inconstitucionalidade na regulamentação da Lei dos Compromissos

Público (quinta-feira, 23 Agosto 2012)
Justiça
Mariana Oliveira e Margarida Gomes
Procurador-geral vai pedir fiscalização ao Tribunal Constitucional, mas processo ainda não foi entregue
Um parecer pedido pelo procurador-geral da República, Pinto Monteiro, ao representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional (TC), aponta para a eventual inconstitucionalidade na regulamentação da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso, muito contestada pelos autarcas. Por isso, Pinto Monteiro vai pedir a declaração de inconstitucionalidade de algumas normas, um processo que ainda não deu entrada naquele tribunal.
“Sendo o parecer no sentido de existir eventual inconstitucionalidade, o procurador-geral da República determinou que fosse pedida a declaração da mesma”, adianta a Procuradoria-Geral da República numa resposta enviada ao PÚBLICO. O assessor de imprensa do TC, Pedro Moreno, informa que o pedido ainda não deu entrada naqueles serviços e que, como se trata de um caso de fiscalização sucessiva (posterior à entrada em vigor das normas), o processo não corre durante as férias judiciais, que apenas terminam no fim do mês.
A decisão de Pinto Monteiro ocorre depois de a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) se ter reunido com o procurador-geral, pedindo-lhe que solicitasse a inconstitucionalidade de alguns artigos na regulamentação da Lei dos Compromissos. Antes de pedir a intervenção da PGR, a própria associação de municípios pediu um parecer sobre a inconstitucionalidade da regulamentação da lei. Embora a ANMP considere que o decreto-lei regulamentar da Lei dos Compromissos “tenha melhorado muito o entendimento da lei, atenuando os seus efeitos negativos”, por outro lado “regulamenta aquilo que não está na lei e é isso que viola a Constituição”
Artur Trindade, secretário-geral da associação de municípios, disse ontem ao PÚBLICO que a ANMP “não anda à procura de argumentos que justifiquem a inconstitucionalidade do decreto lei regulamentar”, até porque – sustenta – “o Tribunal Constitucional pode considerar que nós não temos razão”. “É por isso que sobre essa matéria não quero dizer mais nada. Ficamos à espera que o Tribunal Constitucional se pronuncie.” De resto, Artur Trindade voltou a vincar que “a Lei dos Compromissos é uma lei absurda e que isso já foi politicamente assumido pela ANMP”. A grande questão tem a ver com a definição do conceito de “dirigente”, que os autarcas entendem violar a Constituição, porque, justificam: “Nós somos eleitos políticos, não somos gerentes municipais. Não somos funcionários da administração pública.”