domingo, 18 de novembro de 2012

Patacoadas, curiosidade e coincidências

Borges de Pinho
Borges de Pinho - Juiz Conselheiro Jubilado
Correio do Minho

1.No dia a dia dos portugueses, ainda que perturbado por múltiplos problemas, justificadas preocupações, algumas curiosidades, estranhos episódios e sérias e muitas dificuldades, por vezes ocorrem factos insólitos que provocam sorrisos e até gargalhadas.
E se o momento do país nem está para tal, a verdade é que há palavras e situações que nos fazem rir a bandeiras despregadas. Como as palavras e atitude do ex-PGR, o celebrado Pinto Monteiro, na hora da despedida.
Falando demais e sem pensar, aliás como sempre, referiu ele a necessidade de "despolitizar o MP", o que não teria conseguido no seu mandato. Mas para quem esteve atento ao "fenómeno" Pinto Monteiro na sua passagem pelo Palácio Duques de Palmela, ao Rato, é manifesto e de todo inquestionável ter sido ele mesmo quem mais dera o flanco nisso da "politização" dessa magistratura já que surgiu amiudadas vezes como particular e especial "avalista" de Sócrates, com os seus pontos altos nas peripécias do caso Freeport e sua investigação e nas escutas recolhidas no Face Oculta, do sucateiro.
Pretendendo sempre apresentarse como um homem isento e independente até pelas suas raízes beirãs (nunca se percebeu a valência e o porquê de tão telúrica referência), a verdade é que à surdina sempre se falou na amizade e conhecimentos de um seu irmão com o Ministro do Ambiente de então, Sócrates, devido aos problemas surgidos em Souselas e noutros locais, assim se explicando a sua indicação para a PGR.
Mas seja verdade ou uma mera e aleivosa atoarda sem fundamento, o certo é que dificilmente conseguirá libertar-se e "descolar" a sua imagem do PS, com o insólito e inaudito facto de ter sido Alberto Costa, o Ministro da Justiça desse governo, quem pessoalmente o "conduziu" (é o termo adequado!) ao Palácio dos Duques de Palmela aquando da sua entrada em funções. Como aliás não deixa de ser também muito elucidativo o facto de na recente apresentação de um seu livro terem estado presentes, e predominando, notáveis figuras e conhecidos dirigentes do PS, o que, reconheça-se, não sendo despiciendo, é incontornavelmente significativo e esclarecedor. Tal como veio a acontecer, note-se, a 27 do último mês no jantar do "adeus".
Aliás não passa despercebido nem é inocente, até pelo seu contraste com o ocorrido com Sócrates, o facto de no penúltimo (!?!) dia do seu mandato ter remetido ao STJ as escutas telefónicas de uma conversa casual de José Maria Ricciardi com Passos Coelho colhida no processo Monte Branco, cujo registo validou e encaminhou. Mas agora, sublinhe-se, não teve dúvidas e agiu com impressionante rapidez quando, "ao contrário do que sucedeu com as escutas a José Sócrates, no caso Face Oculta, desta vez o procurador responsável pela investigação, e que encaminhou a prova para Pinto Monteiro, não elaborou (sequer) qualquer participação-crime ou detalhou quais as suspeitas que motivam interesse na conversa gravada" (A Bola, 21.10.12). Estranha e curiosamente, diga-se, não houve dúvidas, hesitações ou atrasos!...
Um PGR que disse ter apenas os poderes de "uma Rainha da Inglaterra", mas a verdade é que a sua acção apenas acusou as afecções geradas por naturais inacções e inépcias, controversas decisões, falazares e posições de insensatez, aliás uma acção muito embrulhada e enredada pela perversa "corte" de colaboradores e figurantes a que não soube resistir. Tendo sido o mais politizado dos PGRs que conhecemos, as ditas palavras tão só revelam a intenção de vincar a sua particular oposição ao SMMP já que nunca se lhe viu nada que sinalizasse qualquer má vontade, discordância ou oposição à presença de elementos políticos no CSMP.
Onde, note-se, existe uma óbvia politização.
Aliás estranhamos as reservas manifestadas quanto à sua sucessora pelo facto de vir do MP, mas é de todo insólita, inábil e nada correcta tal tomada de posição em relação a um substituto no momento da saída. Tivemos uma figura controversa de um PGR por demais vulnerável às "vozes" e "cantares" da "corte" de que se rodeou, mas é forçoso dizer-se que, quem sempre viveu e sentiu o MP como a Joana, tem a virtude de conhecer as suas dificuldades e problemas e poder afirmarse pelas inteligência, integridade, competência e independência que vinha denotando na função.

2.Os "pópós" dos deputados socialistas, que não querem nem podem usar "Clios" como curiosamente deu a entender o Francisco Assis, não passaria de um pormenor irrelevante se não tivessem trazido à ribalta as mordomias e as muitas despesas dos políticos que nos vêm "comendo". Políticos apenas focados em mordomias, projecção pessoal e em manter ou alcançar o poder, mesmo o autárquico, o que tem originado dissenções, "vozes" insidiosas e até lutas "intestinas" em alguns partidos de certas localidades onde alguns "dinossauros", aliás já de suspeitosa sanidade, se vêm degladiando por causa das próximas autárquicas, reunindo, discutindo nomes e tomando posição. Vêm pontificando muitas inveja e intriga e até já se fala à surdina em certas "missas socialistas" onde marcam presença certos figurões com pretensões com vivências de proximidade e de acção num antanho não longínquo.
E por se falar no antanho, que será feito daquele professor duma escola pública que teve problemas e foi "apertado" pela direcção por causa de uma aluna filha de um então governante cuja influência e interferências originaram esse "aperto", como foi notícia na época? Tal figurão, agora com pretensões a um outro e especial poder, irá também interferir nos assuntos familiares e particulares dos locais? Há que aguardar!...
Mas quanto a interferências continua-se a discordar das frequentes intervenções, falazares e "dicas" de novos "cerejeiras" na vida política e partidária do país.
Encapotadamente ou não, parece já visualizar-se um regresso ao passado com o pulular de Januários, Martins, freires "qualquer coisa" e outros que tais a querer intervir de uma forma apaixonada e nada isenta na política do país, mostrando uma incontornável e notória partidirização nas homilias, nos altares e meios de comunicação social.
Na verdade é mister da Igreja defender o povo, combater a miséria e estar ao lado dos humildes, pobres e vítimas do poder, insurgindo-se contra as tropelias dos governos, mas há que actuar com isenção, honestidade intelectual, seriedade, sem partidarismo ou fervor activista e evitar críticas enviesadas e não isentas.

A consciência dos juízes

Sentir o Direito

Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal

Os juízes decanos espanhóis uniram-se para reivindicar nova legislação sobre o despejo de pessoas que deixaram de poder pagar as prestações de empréstimos para a compra de habitação.



Esta tomada de posição surge depois de várias pessoas se terem suicidado e já levou a uma alteração legislativa, que atrasa por dois anos o despejo de pessoas mais vulneráveis.
Os dados que chegam de Espanha são aterradores. No primeiro trimestre de 2012, foram executados 46 559 despejos (média diária de 517) e estima-se que haja três suicídios diários por causa da crise. O que está em causa é o cumprimento de uma lei neutra, baseada em critérios económicos, que não responde ao empobrecimento e ao desespero crescentes.

Neste contexto, faz sentido evocar as palavras certeiras de Anatole France: "A lei, na sua majestosa igualdade, proíbe tanto os ricos como os pobres de dormir debaixo das pontes, mendigar nas ruas e furtar pão." Os tribunais, independentes de quaisquer outros poderes, estão obrigados a cumprir leis que podem conduzir a profundas injustiças sociais.

Todavia, a atitude dos juízes espanhóis – a meu ver, moralmente obrigatória – revela a verdadeira natureza da independência do poder judicial. Os tribunais não podem encarar como um dogma uma norma como o nº 2 do artigo 8º do Código Civil: "O dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo."

Num Estado de Direito democrático e social, a ordem jurídica não é composta só por mecanismos legais e regulamentares – integra princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa, o livre desenvolvimento da personalidade e a igualdade, que são o primeiro parâmetro das decisões. Os tribunais não podem aplicar normas que julguem inconstitucionais.

Em boa medida, os princípios constitucionais correspondem a valores éticos que criam em redor dos direitos fundamentais uma espécie de direito natural. A posição assumida pelos juízes espanhóis deriva de uma exigência de justiça elementar e não de uma qualquer defesa dos seus interesses profissionais ou de quaisquer outros interesses particulares.

A Constituição não é uma peça de museu, como pretendem alguns adeptos da sua revisão. É um texto vivo, constantemente reinterpretado através de decisões justas e, quando necessário, inovadoras. Prova-o, por exemplo, a decisão do Tribunal de Portalegre que limitou a quantia em dívida a um banco ao montante que o próprio banco pagou pelo prédio hipotecado.

CM, 2012.11.18