quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A Constituição que não é a nossa


Editorial

A Constituição que não é a nossa

Helena Garrido

Directora-adjunta

Que Constituição da República é esta que inviabiliza que se adoptem medidas que salvem o país de um colapso maior? Que Constituição é esta que é contra a solidariedade intergeracional? Que Constituição é esta que sendo contra a redução de salários apenas está adaptada a tempos de inflação? E que Constituição é esta que protege mais 8% dos pensionistas do que 92%? Esta não pode ser a Constituição da República Portuguesa.

Hoje, dia 18 de Dezembro, é a data-limite para o Presidente da República enviar o Orçamento do Estado de 2013 para apreciação preventiva do Tribunal Constitucional. A opção de Aníbal Cavaco Silva ninguém conhece, mas as informações que foi deixando cair indicam que vai optar por não o fazer pelos efeitos que uma decisão desse tipo teria. Mas não está colocado de parte o cenário de enviar o Orçamento para o Constitucional depois da sua promulgação e publicação. Para já é certo o pedido de apreciação de avaliação da constitucional idade da lei orçamental por parte dos partidos da oposição.

Se o Constitucional mantiver a orientação que teve na apreciação do Orçamento do Estado de 2012 há um sério risco de enfrentarmos problemas sérios, uma vez que não é expectável que se alterem as condições económicas e financeiras que deram origem a estas medidas. São 3.500 milhões de euros que o Governo espera arrecadar com as medidas que têm gerado mais controvérsia quanto à sua constitucionalidade: os cortes salariais da Função Pública e dos pensionistas, a Contribuição Especial de Solidariedade para pensões superiores a 1.350 euros e as alterações no IRS.

A pronunciar-se pela inconstitucionalidade dessas medidas na mesma altura que o fez em relação ao Orçamento de 2012, ou seja, em Julho, não há qualquer possibilidade de encontrar medidas substitutivas. O que torna altamente provável que opte por viabilizar a concretização dessas regras em 2013 forçando o Governo a mudá-las no Orçamento de 2014.

Se assim for, o efeito da decisão de inconstitucionalidade só será moderado se, entretanto, o Governo conseguir realizar a reforma do Estado a que se propôs e se a conjuntura económica. O regresso de algum crescimento permitirá reduzir as necessidades de recursos para enfrentar o desemprego e outras despesas com apoios sociais assim como aumentará a receita fiscal sem agravar a carga que está a incidir sobre os rendimentos do trabalho.

O Estado de Direito, no sentido estrito com que estamos a entender a Constituição, pode estar a ser violentado. Mas temos de reconhecer que vivemos tempos de excepção e que a alternativa, no quadro actual, com as restrições nacionais e europeias que existem, conduziriam a um descontrolo financeiro que traria com ele o colapso económico, social e político.

Há ainda aspectos, nestes já quase três anos de medidas de austeridade, que devem ser sublinhados e que revelam sinais preocupantes de ausência de solidariedade entre ricos e pobres e entre gerações.

Mais do que as regras constitucionais, a violência das criticas às medidas do Orçamento para 2013 que afectam quem ganha mais em pensões e em salários mostra que há uma minoria no país que usa a Constituição como arma, mas que não se revê no Portugal que diz que a Constituição da República consagra. A solidariedade intergeracional e entre os que ganham mais e os que ganham menos é, com toda a certeza, um princípio constitucional. helenagarrido@negocios.pt
Jornal Negócios, 19-12-2012

Tribunal de Contas critica penhoras feitas pelas Finanças


Tribunal de Contas acusa Fisco de não explicar porque penhora um bem em detrimento de outro.
Paula Cravina de Sousa*
O Tribunal de Contas (TC) adverte que o Fisco não justifica os motivos pelos quais escolhe penhorar um bem em detrimento de outro. O alerta é feito no Parecer da Conta Geral do Estado de 2011, ontem entregue na Assembleia da República.
“A legalidade do acto e a sua apreciação exigem a adequada fundamentação da escolha do bem penhorado”, pode ler-se no documento. O bem a penhorar “deve ser o que melhor garante o crédito, o que causa um prejuízo menor ao executado e o que é adequado ao montante do crédito, ao não exceder o estritamente necessário ao pagamento da dívida”. Desta forma assegura-se o chamado princípio da proporcionalidade – impede que as Finanças penhorem uma casa para saldar uma dívida de 700 euros, por exemplo. No contraditório, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) diz que pode “ponderar a possibilidade de serem emitidas instruções”, mas defende que a obrigatoriedade de justificar a escolha dos bens terá impacto “em matéria de burocratização e de perda de eficiência”.
As receitas provenientes de cobrança coerciva também foram alvo da análise e foram encontradas divergências na contabilidade: o valor divulgado pelas Finanças corresponde apenas a 77,1% do contabilizado pelo organismo de Guilherme D’Oliveira Martins, que foi de 949 milhões de euros.
Outro dos reparos do TC tem a ver com a não divulgação dos resultados concretos do combate à fraude e evasão. O relatório de combate à fraude e evasão fiscais apresentado em Junho, enuncia a actividade global da inspecção tributária”, mas “não discrimina devidamente os valores das liquidações adicionais e das colectas recuperadas”, nem “releva o acréscimo de receita, por imposto, obtido com as acções específicas desse combate “. Ainda em relação ao Fisco, o TC afirma que os grandes contribuintes só pagam 11,4% – 63 milhões de euros – das liquidações adicionais que resultam das inspecções feitas. Ora, “o facto de a maioria das liquidações adicionais não ser cobrada no respectivo prazo de cobrança voluntária e evoluir para a fase de contencioso indicia ainda um elevado grau de conflitualidade sobre essas liquidações”, acrescenta o documento.
Estado endlividou-se mais do que o necessário
Além das críticas à execução orçamental, cuja contabilização considera defeituosa, o TC alerta para o facto de o Estado se ter endividado mais do que seria necessário no ano passado, incorrendo em custos que poderiam ter sido evitados. “Em 2011, o financiamento por recurso à dívida pública ultrapassou, em larga medida, aquele que seria suficiente para a satisfação das necessidades orçamentais e de tesouraria”, avança o parecer, frisando que no final de 2011 se encontravam por utilizar cerca de 7,6 mil milhões de euros, provenientes “de financiamento com recurso à dívida pública”. Além disso, “os juros obtidos nas aplicações dos excedentes de tesouraria ficaram longe de compensar os encargos com juros associados ao excesso de endividamento”.
O documento sublinha as duas consequências deste recurso desnecessário ao endividamento: “Um crescimento avultado do stock da dívida directa do Estado, significativamente superior ao necessário” e “um acréscimo de encargos com juros suportados pelo Estado já em 2011 e a suportar em anos futuros”.
*com L.R.P. e C.O.S.
Prestações indevidas escapam a execução
A Conta da Segurança Social gera reservas ao TC, que afirma que há normas legais não cumpridas, com impacto nos números. Desde logo, a ausência de processos executivos quando há prestações indevidas (que atingiam 579 milhões de euros). Nas pensões, diz o TC, quando há pagamento em excesso (por morte do pensionista) que não é recuperado, o processo devia entrar em fase de cobrança coerciva mas “tal não se verifica”. Em Julho, existiam 502 processos, de 1,7 milhões de euros neste caso. A “situação é grave” e pode obrigar os responsáveis pela ausência de cobrança a repor valores. O TC tem reservas quanto ao processo automático de prescrição de dívida dos contribuintes. 0 relatório diz que cerca de 2,5 mil milhões deixaram de ser considerados dívida de cobrança duvidosa (que, por isso, caiu 40%) já que se referem a acordos ou a dívida garantida ou suspensa. O desconhecimento anterior destes casos põe em causa a “fiabilidade” dos números, diz o TC.
Diário Económico, 19 Dezembro 2012

Cada empresa põe 36 ações em tribunal


Justiça
O estudo Justiça Económica, elaborado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, mostra que a crise económica é o primeiro aspeto que as empresas consideram ser um obstáculo à sua atividade. A surpresa vem a seguir. “O que mais me surpreendeu neste inquérito a 3418 empresas [com resultados projetados cientificamente para o todo o universo, exceto as micro] foi que a seguir à crise económica a lentidão da Justiça é uma das preocupações principais”, explica Jorge Morais de Carvalho, diretor executivo do estudo. O número de ações pendentes em tribunal traz à tona os problemas com que se defronta a Justiça. Em média, as grandes empresas de serviços tinham pendentes em tribunal, no início de 2012, mais de 3000 ações [36 por empresa é média global]. Em reação, fonte oficial do Ministério da Justiça disse que as sugestões e críticas que surgem neste estudo já estão colmatadas por medidas já implementadas, em curso ou previstas no Memorando de Entendimento. É o caso do Código de Processo Civil, agora no Parlamento.
PEDRO ARAÚJO
Diário Notícias, 19 Dezembro 2012

O que torna mais lentos os processos


JUSTIÇA
O que torna mais lentos os processos
Segundo o estudo Justiça Económica em Portugal, realizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos em parceria com a Associação Comercial de Lisboa, em média, cada incidente processual adicional aumenta a duração de um processo na Justiça em 317 dias, no caso da acção declarativa.
Destak, 19 Dezembro 2012

Taxa extra a pensionistas passa de 2500 pessoas para mais de 272 mil


Orçamento. Receita da contribuição extraordinária de solidariedade vai subir de 7,5 para 421 milhões de euros em 2013. Esta tributação sobre reformados suscita dúvidas a constitucionalistas
A contribuição extraordinária de solidariedade existe desde 2011, mas nunca foi tão longe como o que se perspetiva para 2013: além de passar a abranger as pensões acima de 1350 euros, alarga o seu alcance aos fundos de pensões privados e complementares. Este alargamento dos critérios fará que o número de pensionistas visados por esta taxa suba de um universo atual de 2500 para perto de 272 200 (8% do total dos reformados). A receita que será arrecadada pelo Estado terá também um forte impulso: este ano, previa-se que esta taxa rendesse cerca de 7,5 milhões de euros, enquanto para 2013 são estimados 421 milhões de euros.
ATUAL PÁGS. 2 E 3
Pensionistas que pagam taxa extra passam de 2500 para 272 200
Cortes. Polémica em torno do alargamento da taxa de solidariedade às pensões de valor mais baixo e aos fundos privados está a aumentar. Especialistas lembram que os fundos privados não pesam na despesa
LUCÍLIA TIAGO e LÍLIA BERNARDES
Cavaco Silva tem até hoje para decidir se vai solicitar ao Tribunal Constitucional (TC) a fiscalização preventiva do Orçamento do Estado. E terá de tomar esta decisão numa altura em que sobe de tom a polémica sobre o corte das pensões. A contribuição extraordinária de solidariedade (CES) existe desde 2011, mas nunca foi tão longe como o que se perspetiva para 2013: além de passar a abranger as pensões acima de 1350 euros, alarga o seu alcance aos fundos de pensões privados e complementares. Este alargamento dos critérios fará com que o número de pensionistas visados por esta taxa suba de um universo atual de 2500 para perto de 272 200 (8% do total dos reformados). A receita que será arrecada pelo Estado terá também um forte impulso: em 2012, previa-se que esta taxa rendesse cerca de 7,5 milhões de euros, enquanto para 2013 se estimam 421 milhões de euros.
Para esta acentuado aumento contribui o facto de as reformas a partir de 1350 euros serem sujeitas à CES (antes estavam em causa apenas os valores que excedessem os 5030 euros), sendo esta mudança justificada pelo Governo pela necessidade de chamar os pensionistas a contribuir para o esforço de austeridade de forma semelhante ao que tem sido pedido aos trabalhadores. Além disto, para a soma dos rendimentos sujeitos a esta CES passam a contar as pensões pagas através de fundos privados (como as dos bancários e da caixa dos advogados), bem como as dos de natureza complementar e que muitas empresas fazem para os seus trabalhadores.
Em declarações ao DN/Dinheiro Vivo, vários fiscalistas e especialistas em sistemas de pensões salientam que ao trazer o chamado segundo pilar de proteção social (que é de natureza complementar e da iniciativa empresarial) para a CES, o Governo não está a cortar despesa, mas a arrecadar receita. Porque, referem, mais ou menos generosas em relação à taxa de formação, estas pensões não são despesa pública.
Todas estas questões e as recentes afirmações de Pedro Passos Coelho de que a “tributação das pensões elevadas não viola a Constituição” aumentaram a pressão sobre a lei orçamental, e a atenção sobre as decisões de Belém. Até porque os olhos da opinião pública estão agora virados para o TC, encarado como o último travão para as medidas do Governo. Além do corte das pensões, está também em causa a redução dos escalões de IRS.
A decisão do Presidente, Cavaco Silva irá basear-se nos vários “pareceres jurídicos aprofundados” que mandou fazer e na sua avaliação do “superior interesse nacional”, afirmou no início desta semana, quando confrontado com as afirmações de Pedro Passos Coelho, nomeadamente a de que alguns pensionistas descontaram para ter reformas, mas não as que recebem. Resta saber quem são exatamente os visados.
Ao DN/Dinheiro Vivo, os mesmos especialistas sublinham a existência de fundos de pensões com regras generosas em que a taxa de formação está feita de forma a que não seja necessária uma carreira contributiva completa para se ter acesso a uma reforma por inteiro. Já em relação às pessoas que se reformaram com a pensão calculada com base nas últimas remunerações, sublinham que eram essas as regras em vigor e permitidas pelo Estado.
PENSÕES
Portugal com risco moderado
> Portugal integra o grupo de sete países da UE que enfrenta um cenário de aumento “moderado” dos gastos relacionados com o envelhecimento da população, concretamente com o sistema de pensões. Esta análise da Comissão Europeia, que ontem divulgou o seu Relatório Anual de Sustentabilidade Financeira, resulta do facto de Portugal ter já feito mudanças no sistema de pensões, como o fator de sustentabilidade.
Quem é contra a proposta
Os apoiantes da proposta de Orçamento do Estado são muito poucos, contrariamente aos seus críticos, tantos que podem ser divididos por grupos. Estes têm defendido o recurso ao Tribunal Constitucional, a maioria antes de promulgado.
Partidos
> Todos os partidos da oposição parlamentar – PS, PCP, BE e Os Verdes – votaram contra a proposta de Orçamento do Estado para 2013. Os socialistas designaram-no como “uma bomba atómica fiscal”, tendo o PS- Açores anunciado que ia requerer a fiscalização sucessiva do texto por entender que, para além da injustiça fiscal, “põe em causa questões basilares” do regime autonómico. A coordenadora do BE, Catarina Martins, instou o Presidente a ser “o garante da Constituição” e enviar o diploma para fiscalização preventiva.
Também o PCP se insurgiu contra um texto orçamental que qualificou como “o pior de que há memória” e Os Verdes como “maquiavélico”.
Organizações
> Múltiplas estruturas sindicais e associativas apelaram ao Presidente da República que suscitasse a fiscalização preventiva da proposta de Orçamento do Estado para 2013. A CGTP tem feito apelos sucessivos a Cavaco Silva para não aprovar o diploma; o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado pediu a apreciação prévia da sua constitucionalidade; a Federação de Sindicatos da Administração Pública pediu ao PSD.
Os prazos do Presidente
O envio para o Palácio de Belém da proposta de Orçamento do Estado, aprovada pelo Parlamento, deu início à contagem de prazos que, consoante o critério do Presidente da República, podem terminar já hoje.
19.12.12
Fiscalização preventiva
O Presidente da República recebeu a proposta de Orçamento do Estado para 2013 no dia 11 deste mês, depois de aprovada pela Assembleia da República. Termina assim hoje o prazo legal de oito dias para Cavaco Silva suscitar a fiscalização preventiva do diploma.
31.12.12
Veto ou promulgação
Optando por não enviar a proposta de Orçamento ao Tribunal Constitucional, inicia-se um novo prazo de 12 dias para o Chefe do Estado decidir se a promulga entrandoem vigor no primeiro dia de 2013 -ou se a veta, devolvendo o diploma à Assembleia da República.
13.01.13
Tribunal Constitucional
Na eventualidade de o Presidente da República suscitar a fiscalização preventiva da proposta de Orçamento do Estado para 2013, no último dia do prazo, os juizes do Tribunal Constitucional deverão pronunciar-se num intervalo de tempo que, em regra, é de 25 dias (até 13 de janeiro).
02.02.13
Veto político
No caso de o Tribunal Constitucional apreciar preventivamente a proposta orçamental e considerar que ela respeita os princípios do texto fundamental, o Presidente da República volta a ter um prazo de 20 dias para decidir se a veta politicamente e devolve ao Parlamento.
CDS e PS que o fizessem, enquanto a Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública e as associações de militares pediram ao Presidente; o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público anunciou a entrega de uma queixa formal em Bruxelas.
Personalidades
> O deputado do CDS-PP Rui Barreto, eleito pela Madeira, foi o único dos parlamentares da maioria críticos da proposta governamental a votar em conformidade. Além dos vários representantes do PS que anunciaram ir requerer a fiscalização sucessiva do texto caso o Chefe do Estado não o enviasse para o Palácio Ratton, também os ex-ministros Vera Jardim e António Costa (socialistas) e Nuno Morais Sarmento (PSD) o criticaram duramente e defenderam a sua apreciação constitucional, apesar de divergirem sobre o momento de Cavaco o fazer. Mário Soares, Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix são outras figuras que têm arrasado a proposta.
Diário Notícias, 19 Dezembro 2012

A Constituição, o controlo da legalidade e a paz

Por António Cluny, publicado em 18 Dez 2012
Urge que actuem os órgãos constitucionais, enquanto dispõem de tempo, de iniciativa e autoridade moral e política, impedindo que a “crise” ganhe contornos mais graves
Tribunal Constitucional1. Individualidades de comprovado prestígio, instituições várias, um crescente número de associações de defesa da cidadania e cidadãos comuns clamam hoje por um maior e realmente efectivo controlo constitucional das leis que governam e orientam os nossos destinos.
Portugal dispõe – goste ou não quem a quer alterar – de uma Constituição estável e maioritariamente apoiada, que estabelece os princípios e os caminhos orientadores da nossa vida comum: a possibilidade de coexistência organizada, em paz e progresso.
Essa Constituição não só estabelece esses caminhos como, correlativamente, estabelece interditos e controlos.
Estes definem o sentido e os limites que, quem nas mais diversas funções está encarregado de reger e administrar os destinos do país, não pode frontalmente violentar sob pena de provocar uma “crise” institucional e democrática.
Pretender, todavia, contornar esses limites, fingindo que assim se não viola a Constituição, é pouco sério e para nada serve também.
Hoje poucas são as situações que se consegue esconder por muito tempo do conhecimento dos cidadãos, da sua consequente crítica.
2. A pressão ilegítima que quem quer “contornar” a Constituição vai fazendo incidir sobre os órgãos encarregados de a fazer respeitar pode, de facto, condicionar a necessária e oportuna intervenção de alguns deles.
Dificilmente, porém, todos se sentirão intimidados e por isso qualquer que seja o vigor das respostas que estes venham a dar elas sempre impedirão que muitas das mais graves violações da Constituição fiquem totalmente encobertas e possam, por isso, vingar.
A situação é assim extraordinariamente perigosa. De um lado assiste-se já, e sem disfarce, a uma tentativa ideologicamente determinada de superar, na prática, o pacto social que, com todas as contradições, nos tem permitido a construção pacífica de um destino comum.
Do outro defende-se – por ora, apenas – o recurso privilegiado aos mecanismos constitucionais formais a fim de tentar travar esses desígnios ilegítimos.
Se, no entanto, as instituições constitucionais não funcionarem com a acuidade necessária, fazendo aumentar a miséria, a injustiça e o desespero, passarão então a estar reunidas as condições que, no limite, conduzirão a expressões menos institucionais de desacordo e da indignação.
A “crise” pode, pois, agravar-se.
Nestas circunstâncias, ou as instituições constitucionais de controlo são compelidas, aceitando passar a desempenhar um papel contrário àquele para que foram criadas, e assim os mecanismos “democráticos” restantes apenas passam a servir a perpetuação do logro e impedir alternativas reais, o que não pode durar sempre; ou essas instituições, num assomo de dignidade constitucional, recusam por fim a sua submissão, impondo à “crise” uma mudança radical de figurino.
Qualquer destas perspectivas é perigosa: ambas podem conduzir o país a um afrontamento que o respeito (mesmo temperado) pela actual Constituição tem permitido evitar.
3. Urge então que actuem os órgãos constitucionais, enquanto dispõem de tempo, de iniciativa e de alguma autoridade moral e política, impedindo assim que a “crise” ganhe realmente outros e mais graves contornos.
A iniciativa de todos quanto procuram deste modo incentivar a intervenção intempestiva dos órgãos constitucionais de controlo deve portanto ser acolhida pela sensatez, pois constitui afinal um dos últimos recursos cívicos para continuar a assegurar a paz social em que temos conseguido viver desde o 25 de Abril.
Jurista e presidente da MEDEL