domingo, 20 de janeiro de 2013

A Constituição dá para tudo um pouco


Luís Marques
POBRE CONSTITUIÇÃO
A Constituição está transformada numa bandeira da esquerda e num espantalho da direita. A coisa está tão banalizada que já nem se percebe que estamos a falar da Constituição da República Portuguesa (assim se chama, com toda a dignidade, a lei fundamental do país) e não de um mero folheto partidário, daqueles que os nossos políticos se entretém a discutir.
Hoje em dia é tão normal invocar a Constituição como beber um copo de água. Qualquer iniciativa do Governo é acusada de inconstitucional ainda antes de se saber bem o que é. O próprio Governo quando anuncia qualquer medida trata de garantir a respetiva constitucionalidade, para se antecipar à oposição, que garantirá o contrário. As medidas em si mesmas já interessam pouco. O que vale é saber o que diz o Tribunal Constitucional sobre as mesmas.
Este Tribunal está transformado no centro do poder político.
Já não há praticamente ninguém que não recorra para lá. O Presidente tem dúvidas sobre o Orçamento de 2013? Tribunal Constitucional. O PS, o PCP, o Bloco de Esquerda, o provedor também têm dúvidas? Tribunal Constitucional. Isto vale também por antecipação. Vem aí uma reforma do Estado? A esquerda ameaça com o Tribunal Constitucional, ainda antes de se saber do que se trata.
A Constituição da República Portuguesa (assim, com toda a solenidade) serve para tudo. Para paralisar a política. Para evitar a discussão política. Para adiar a prisão de Isaltino Morais. Para atrasar a destituição de Macário Correia da presidên
cia da Câmara de Faro. Para eternizar processos em recurso.
Recorrer ao Tribunal que garante o respeito pela Constituição é um elemento obrigatório na decisão de políticos e advogados.
A Constituição, ela própria, é motivo de controvérsia. Pedro Passos Coelho começou por defender mais uma revisão da mesma, como elemento fundador do seu projeto político. Para o efeito teve a extraordinária ideia de indicar um monárquico para dirigir uma comissão que produziu uma proposta que dorme hoje na gaveta das coisas inúteis. Morreu a proposta e morreu a ideia. Resultado: uns garantem que não é preciso mexer na Constituição. Outros defendem exatamente o contrário.
Na realidade, a Constituição dá para tudo um pouco. Para quem quer mudar e para quem quer que tudo fique na mesma.
Invoca-se a Constituição por motivos de conveniência. Portugal já não é verdadeiramente um país soberano, nem independente. No entanto, a Constituição diz, nos seus artigos l.º e 7.º, que Portugal é, respetivamente, uma “República soberana” regida pelo princípio da “independência nacional”. Alguém se preocupa com isso?
Expresso, 19 Janeiro 2013

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