sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Baptizada à força?

FRANCISCO TEIXEIRA DA MOTA (Público)

04/01/2013 - 00:00
Se os pais não se entendem, os tribunais têm de decidir...
O fim do ano é o momento próprio para se fazer balanços: do que aconteceu, do que se fez e do que se devia ter feito. Ou ainda, do que correu bem e do que não correu bem.
Já no início do ano não há quaisquer balanços a fazer. Nada correu bem nem mal, ainda nada fizemos ou foi feito. Tudo começa de novo...
Mais do que as clássicas questões relativas à lentidão da Justiça ou às reformas que se vão fazendo ou anunciando, próprias do fim do ano, o início de um ano justifica outro olhar sobre os problemas da Justiça: não os que ela cria ou de que padece, mas aqueles que é chamada a resolver. Os tribunais, ou melhor os casos que aí são decididos, mostram uma reveladora radiografia da sociedade. Ainda que não seja certo que esta radiografia nos permita saber o estado de "saúde" da sociedade, a sua análise é sempre motivo de interesse. Os tribunais são chamados a decidir não só questões estritamente económicas, mas também problemas éticos, morais e religiosos, pelo que é indiscutível que o conhecimento das decisões judiciais nos permite conhecer melhor a sociedade em que vivemos, e em última análise nós mesmos.
O Tribunal da Relação de Lisboa debruçou-se no passado dia 21 de Junho sobre a seguinte questão: estando pai e mãe separados e incapazes de chegar a um acordo sobre o baptizado de uma criança, qual a opinião que deve prevalecer?
Rebeca e Bruno exerciam em conjunto as responsabilidades parentais sobre a sua filha de 3 anos de idade. Apesar de serem ambos católicos, Rebeca pretendia marcar a data para a baptizar, mas Bruno opunha-se. Rebeca invocou perante o tribunal que a sua avó queria ver a bisneta baptizada e que o Bruno, inicialmente, aceitara a marcação do baptizado. Bruno invocou a necessidade de pôr termo à hostilidade existente entre as famílias materna e paterna antes da realização do baptizado, acrescentando que uma menor de 3 anos não podia aderir à religião católica de uma forma livre e consciente.
Para os tribunais, a criança tinha o direito a ser educada, nomeadamente no que respeita à vertente religiosa, de acordo com as convicções dos seus pais. Esse direito inclui a possibilidade de participar nos correspondentes actos de culto, na medida em que não seja posta em causa a sua integridade física e moral, como era o caso do baptismo.
Considerou o Tribunal da Relação de Lisboa que a oposição de Bruno ao baptizado resultava de motivos meramente conjunturais - a hostilidade entre as famílias - e que, sendo ambos católicos, não havia razões de fundo para impedir o baptismo da menor e, por isso, confirmou a decisão do tribunal de 1.ª instância, que tinha autorizado a Rebeca a marcar a data do baptizado da filha. Sublinhou, ainda, o Tribunal da Relação que a sua decisão não impunha o baptismo, limitando-se a autorizar que Rebeca, querendo, promovesse o baptizado da sua filha, sem necessitar para tal do consentimento de Bruno. Votaram neste sentido os juízes desembargadores Jorge Manuel Leitão Leal e Pedro Martins e votou vencido o juiz desembargador Sérgio Almeida. Para este último juiz desembargador o facto de a bisavó andar perturbada por a bisneta, já com três anos, não estar baptizada como dizia a mãe ou de as famílias estarem desavindas, não sendo, pois, boa altura para o baptismo, como dizia o pai, eram argumentos "de todo em todo irrelevantes", já que não era o interesse dos familiares que estava em causa.
No entender deste magistrado, Bruno tinha deixado expresso no processo que, embora católico, ainda não decidira qual a religião em que pretendia inserir a filha, até esta ter capacidade para escolher ou ratificar. É certo que o fizera de uma forma pouco segura, já que na conferência de pais falara unicamente da hostilidade entre as famílias e só mais tarde veio defender que "uma criança de dois anos e meio não pode saber se quer ser cristão, se quer ser baptizada na fé católica", alegando que não cabia ao tribunal decidir se a sua filha iria "ser crente e praticar (ou não) uma religião".
Para este juiz, embora cada progenitor pudesse legitimamente transmitir à filha os valores que reputava pertinentes e ministrar-lhe o ensino religioso que entendesse mais adequado, nem por isso poderia inseri-la como membro da sua religião, pelo que o Tribunal não deveria ter autorizado o baptismo, "restando aguardar que a menor adquirisse capacidade para decidir, só assim se respeitando integralmente a dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade da liberdade religiosa que dela decorre".
Pessoalmente, embora me pareçam relevantes as questões levantadas no voto de vencido, creio que faz mais sentido, em termos éticos e jurídicos, a decisão de autorizar a mãe a realizar o baptizado.
Advogado. Escreve à sexta-feira ftmota@netcabo.pt

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