sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Música livre na Póvoa do Lanhoso


A remuneração dos autores e também dos intérpretes e das próprias produtoras, através do pagamento pela difusão ou reprodução das suas obras, sendo uma evidente necessidade, choca com a importância de uma ampla e livre difusão das obras e com as realidades tecnológicas dos nossos tempos.
No campo da música, por exemplo, se ainda não se pode dizer que a venda dos discos é uma actividade residual, certo é que, no nosso país, por exemplo, uma boa parte dos artistas/autores têm actualmente mais rendimentos com as suas actuações ao vivo do que com a venda dos CD. É na faixa etária abaixo dos 25 anos, seguramente, que é muito inferior a percentagem de jovens que compra músicas em relação à dos que as descarregam ilegalmente na internet. Em muitos casos, nem sequer há a consciência de se estar a cometer qualquer ilegalidade, já que nasceram num mundo de acesso gratuito à informação e ao lazer.
Certo é que a luta pela cobrança dos direitos dos autores e intérpretes tem muitas batalhas e o Tribunal da Relação de Guimarães, no passado dia 7, produziu uma curiosa decisão. Aqui há uns anos, a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) descobriu que a transmissão pública de música, seja como música ambiente na agência de um banco ou num qualquer café, devia pagar direitos aos seus representados e começou a cobrá-los. A exigência da SPA deu origem a inúmeros processos judiciais, por recusa de pagamento por parte dos proprietários dos estabelecimentos, alegando, muitas vezes, que se limitavam a ter um aparelho de rádio ou televisão ligado. Embora tenha havido decisões contraditórias, a situação veio a estabilizar-se, aceitando os tribunais, em geral, a legalidade da exigência da SPA, condenando, em alguns casos, os proprietários dos estabelecimentos pelo crime de usurpação, isto é, por terem utilizado as obras sem autorização dos autores ou dos artistas.
Desta feita, no dia 6 de Março de 2011, numa acção de fiscalização da GNR de Póvoa de Lanhoso, verificou-se que num snack-bar estava a ser reproduzida música através de um canal televisivo, reprodução efectuada através da televisão que tinha três colunas distribuídas pela área do estabelecimento, estando cerca de 10 clientes presentes. Como o proprietário não tinha obtido junto da SPA autorização para a fixação, reprodução e eventual distribuição pública das músicas, a aparelhagem foi apreendida e o processo remetido para tribunal, sendo o proprietário acusado pelo crime de usurpação.
Condenado no tribunal de 1.ª instância, o proprietário recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, que teve outro entendimento: esclareceu, em primeiro lugar, que a recepção dos programas televisivos, com música ou sem ela, é um direito de quem tem os aparelhos e não obriga a qualquer pagamento uma vez que as estações de rádio ou de televisão já pagaram previamente os direitos aos autores e artistas. Passou então à análise da segunda questão: saber se não fazendo as colunas parte integrante do televisor, a distribuição do som, através delas, pelo estabelecimento extravasava a mera recepção e configurava já uma (re)transmissão do programa.
Ora, sem as colunas era possível não só a exibição e visualização do canal em causa mas também a sua audição. As colunas "apenas permitiam a distribuição uniforme do som por toda a área do estabelecimento, ou seja, permitiam que quem estivesse junto do televisor ou mais afastado dele tivesse uma qualidade de som idêntica". Por outro lado, "sendo o estabelecimento em causa um espaço limitado, com ou sem colunas, o programa que estava a ser recepcionado seria acessível a todos os clientes (público visado), variando apenas a qualidade do som", pelo que "a utilização das colunas em nada alterava a utilização da obra transmitida através da televisão - quer a imagem quer o som eram exactamente os que o canal sintonizado transmitia".
Concluiu, assim, o acórdão relatado pela juíza desembargadora Maria Augusta Moreira Fernandes que não tinha existido "nova utilização ou aproveitamento organizados da transmissão original", pelo que não era necessário efectuar qualquer pagamento, não existindo qualquer crime. E, assim, absolveu o proprietário do estabelecimento, que continuou a dar música...
Advogado.
Escreve à sexta-feira
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Público, 25-01-2013

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