quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

TC inundado de pedidos de fiscalização


Catadupa de pedidos ao TC pode atrasar decisão
Antigo presidente do Tribunal Constitucional afirma à Renascença que com “mais pedidos” e “mais normas” a decisão “é mais complexa”. São já quatro os pedidos de fiscalização de constitucionalidade das normas do OE 2013. Nuno Morais Sarmento defende que o Governo deve preparar um plano B.
A catadupa de pedidos de fiscalização de um número alargado de normas do Orçamento de Estado (OE) de 2013 pode atrasar no calendário uma tomada de decisão dos juízes, afirma o antigo presidente do Tribunal Constitucional (TC) Rui Moura Ramos.
Em declarações à Renascença, Rui Moura Ramos lembra que é preciso pedir contraditórios e essa análise demora o seu tempo. “Havendo mais pedidos, havendo mais normas, a decisão é mais complexa. Por outro lado, há um tempo para assegurar um contraditório ao autor da norma. O tribunal vai notificar o autor da norma, que é o Parlamento, para que ele possa dizer aquilo que entender dizer. Como não se sabe quando é que o Parlamento vai responder, enquanto isso não acontecer a apreciação do pedido dificilmente poderá começar”, explica.
Já foram entregues quatro processos, do Presidente da República, do PS, um conjunto do PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes e, finalmente, do provedor de Justiça Alfredo Sousa, que hoje fez chegar o seu pedido ao TC.
O provedor de Justiça pediu a fiscalização sucessiva da constitucionalidade das normas do Orçamento do Estado de 2013 relativas à “suspensão do pagamento de subsídio de férias ou equivalentes de aposentados e reformados” e à “contribuição extraordinária de solidariedade”. Diz que “violam” os artigos 2.º (Estado de Direito Democrático) e 13.º (Princípio da Igualdade) da Constituição.
No entender do provedor de Justiça, “a contribuição extraordinária de solidariedade, nos moldes ora vigentes, consubstancia uma autêntica medida de redução de pensões e rendimentos equiparados, titulados por aposentados e reformados” e, “para aferição da conformidade constitucional das medidas que dimanam dos preceitos questionados, estas não podem deixar de ser ponderadas à luz dos princípios da igualdade, da protecção da confiança dos cidadãos e da proibição do excesso”.
Ao contrário do Presidente, Alfredo José de Sousa não põe em dúvida o corte nos subsídios de férias dos trabalhadores no activo.
Também a procuradora-geral da República Joana Marques Vidal deve enviar um pedido ao Palácio Ratton. Isso mesmo foi pedido ontem pela Associação Sindical de Juízes, que questiona três normas do Orçamento: o pagamento do subsídio de Natal, a suspensão do pagamento do subsídio de férias e a sobretaxa de solidariedade.
Os deputados da assembleia regional dos Açores também vão entregar esta semana no TC um pedido de fiscalização do Orçamento.
“Inoportunas” declarações do Governo
O antigo presidente do Tribunal Constitucional acredita que os pedidos que questionam as mesmas normas do Orçamento devem ser tratados em conjunto, dando lugar a um único acórdão. “Suponho que o tribunal trata rá os pedidos que têm o mesmo objecto conjuntamente. Julgo que, tratando-se de pedidos que têm a mesma norma como objecto do pedido de fiscalização que, por razões de economia de tratamento dos problemas, o tribunal optará por tratar num acórdão único”, diz. Moura Ramos considera inoportunas as declarações à Renascença do secretário de Estado do Orçamento Luís Morais Sarmento admitiu que a declaração de inconstitucionalidade de normas do Orçamento poderá colocar em risco o financiamento de Portugal e o cumprimento do programa da troika.
“Entendo que não se devem antecipar cenários, não se deve antecipar aquilo que o tribunal vai decidir. Este é o tempo do Tribunal decidir, não é tempo de nós nos pronunciarmos sobre o que acontecerá caso o Tribunal decida num sentido ou noutro. Não me parece oportuno pronunciarmo-nos sobre aquilo que quem quer que seja venha a emitir opinião. Neste momento, acho que toda e qualquer declaração desse tipo é inoportuna”, afirma Rui Moura Ramos.
A oposição também critica as declarações de Sarmento (ver caixa).
Quanto tempo levará o TC a decidir?
Mas quanto tempo pode demorar a decisão do TC sobre o OE 2013?
Quarenta dias é quanto o TC tem, legalmente, para redigir a decisão final sobre os pedidos de fiscalização sucessiva, a partir do momento em que o juiz relator tenha toda a documentação necessária em mãos. Na fase anterior, não há prazos definidos para a recolha de documentação para o processo ou audição das partes, entre outros procedimentos.
É pelo menos isso o que a lei determina, mas esta é uma regra que pode ser quebrada. Se for declarada urgência o prazo pode ser bem mais curto, da mesma forma que se houver necessidade de maior análise dos pedidos de inconstitucionalidade o prazo pode ser excedido sem qualquer penalização, explica Guilherme da Fonseca, juiz jubilado do Tribunal Constitucional, em declarações à Renascença.
Inconstitucionalidades “não bloqueiam Estado”
O Governo deve, no caso de serem declaradas inconstitucionais algumas das normas do OE, preparar soluções alternativas, defende o social-democrata Nuno Morais Sarmento, lembrando que tal já aconteceu no passado. O antigo ministro considera, em declarações ao programa “Falar Claro” da Renascença, que é preciso ter “calma” e lembra que uma eventual declaração de inconstitucionalidade de uma norma não determina a inconstitucionalidade de todo o OE 2013.
“Um, dois, três artigos serem declarados inconstitucionais, dependendo obviamente dos artigos, não determina a inconstitucionalidade do Orçamento, nem o bloqueamento do Estado. Já aconteceu várias vezes na história da democracia e, ainda que agora com um impacto maior, se for esse o caso, cá estaremos para o resolver e para que o país funcione normalmente”, afirma Nuno Morais Sarmento.
Para o socialista Vera Jardim, o Governo deve procurar alternativas em caso de chumbo de alguma norma, mas não fica “ferido de morte” para governar. O antigo ministro da Justiça disse ainda não ser necessária qualquer revisão da lei fundamental. “Não é a Constituição que representa um entrave à governação do país.”
PS diz que Governo fez “pressão ilegítima” sobre o TC
O PS acusa o secretário de Estado do Orçamento de ter exercido uma pressão ilegítima sobre o Tribunal Constitucional (TC) e exige saber se o Primeiro-ministro subscreve a atitude assumida por Luís Morais Sarmento aos microfones da Renascença.
A questão foi colocada pelo secretário nacional do PS para a Organização, Miguel Laranjeiro, depois de Luís Morais Sarmento, em entrevista à Renascença, ter admitido que se o TC decidir pela inconstitucionalidade de algumas normas do OE 2013 pode estar em causa a capacidade de Portugal cumprir o programa de ajuda externa.
“Estamos perante uma maioria arrogante e desorientada também no que diz respeito à fiscalização da constitucionalidade do Orçamento do Estado para 2013. O secretário de Estado do Orçamento fez declarações inaceitáveis e que configuram uma pressão ilegítima sobre o Tribunal Constitucional”, declarou, ontem, Laranjeiro.
“O Primeiro-ministro deve dizer aos portugueses se subscreve as declarações do seu membro do Governo. Se nada disser, então estará a aceitar uma pressão do Governo sobre um tribunal, o que não é de todo aceitável em democracia”, sustentou.
Interrogado sobre quais as alternativas que o PS irá propor caso algumas das normas do Orçamento do Estado para 2013 sejam consideradas inconstitucionais, Miguel Laranjeiro contrapôs que antes de tudo importa esperar pela decisão do TC.
O PCP e o Bloco de Esquerda vão mais longe e defendem que o Primeiro-ministro deve um pedido de desculpas ao país. Comunistas e bloquistas dizem que as declarações de Luís Morais Sarmento à Renascença são uma “inaceitável pressão” sobre o TC.
“As afirmações do secretário de Estado do Orçamento são uma forma de pressão política sobre um tribunal soberano”, critica Luís Fazenda, do Bloco de Esquerda.
As afirmações de Morais Sarmento “vinculam o Governo, que está neste momento num silêncio inaceitável”, aponta o deputado bloquista. Fazenda defende ainda que o Primeiro-ministro “devia pedir desculpas ao país. Ou bem que este aceita a Constituição ou não manda recados através de secretários de Estado para que haja uma circunstância em que o programa da troika, em que a intervenção externa colide com um texto constitucional fundamental”, atira.
O deputado do Bloco prestou declarações na altura em que seu partido, o PCP e Os Verdes entregaram um pedido conjunto de fiscalização sucessiva do OE. No documento são questionadas dez normas, incluindo dúvidas sobre as alterações ao IRS.
Página 1, 8 Janeiro 2013

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