terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Terá, de facto, o nosso mundo acabado em 2012?

António ClunyPor António Cluny, publicado em 1 Jan 2013


O que hoje é afirmado, em nome do Estado, nada vale amanhã, sobretudo se o que foi dito se referir a quem trabalha ou está reformado
1. Nos últimos dias de Dezembro de 2012, por se ter reavivado uma antiga profecia maia, muito se falou do fim do mundo.
Ninguém sabe ao certo a que “fim do mundo” ela se referia, mas não podemos deixar de pensar que, de alguma maneira, tal profecia se realizou entre nós. O mundo em que vamos viver no próximo ano não será jamais o mesmo em que se viveu até agora.
Não me refiro ao empobrecimento geral, que é já uma realidade, ou à miséria que alastra, nem tão-pouco à degradação da cidadania e, consequentemente, dos níveis de dignidade que, neste século e nas condições de de- senvolvimento do país, deveriam ser essenciais a qualquer português: a qualquer homem.
Refiro-me a algo igualmente grave, isto é, ao dano causado às condições de existência e sobrevivência de uma nação que há oitocentos anos se uniu para erguer um Estado e fazer um país.
Refiro-me à gradual falência da confiança que os cidadãos devem ter no Estado; o mesmo é dizer na sua palavra.
2. O ponto seguro, a palavra firme e fiável que permite a sobrevivência política organizada da nação tem de ser a do Estado.
Podem os negócios privados não correr bem, podem os valores culturais que sedimentam a sociedade evoluir, podem agudizar-se ao limite as contradições sociais ou, inclusive, a natureza explodir em fenómenos inesperados e incontroláveis, que sempre a palavra do Estado – em especial quando democrático – deve ser segura e verdadeira.
As obrigações que o Estado assumiu para com os portugueses são para cumprir, pois essa norma enforma as condutas e os valores que em regra permitem também a fiabilidade das relações sociais e económicas que os cidadãos organizam e desenvolvem no país e fora dele.
A palavra do Estado é o valor-padrão, a norma de conduta que orienta a sociedade, impedindo que nos momentos cruciais esta se degrade e possa soçobrar. Não há Estado digno desse nome sem que a sua palavra seja fiável.
3. Entre nós, o valor da palavra do Estado está profundamente abalado, podendo dizer-se, sem risco de radicalismo, que quase não existe a nível interno.
O único valor que lhe querem ainda emprestar destina-se a uso externo e, mesmo nesse caso, só no sentido em que se dirige aos interesses erigidos como prevalecentes e que verdadeiramente nos governam.
No mais, no que se refere aos cidadãos nacionais e aos interesses internos mais comuns, a palavra do Estado foi praticamente despojada de todo o seu valor e fiabilidade.
O que hoje é afirmado em nome do Estado nada vale amanhã, sobretudo se o que foi dito se referir a quem trabalha ou está reformado.
Por isso a nossa sociedade vive em estado de stresse permanente, pois não garantindo o Estado – ou os que falam em seu nome – a sua palavra, muitos são também aqueles portugueses que, dolorosamente, a não podem já honrar também.
O princípio (constitucional) da confiança como orientador da actividade pública do Estado e da sociedade está em crise e, por isso entraram em erosão a credibilidade e a certeza de todas as relações sociais, mas também económicas, que se desenvolvem no país.
4. A justiça destina-se, entre outras coisas, a proteger a confiança que garante a paz e também o comércio entre os homens. Se a não conseguir assegurar e apenas ajudar a fingir que vivemos num Estado de direito – de nada serve e pouco hão-de resultar os esforços sérios para a reformar.
Então o mundo em que nascemos e fomos criados terá de facto acabado.
Jurista e presidente da MEDEL

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