segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Um direito fundamental em risco

Público - JORGE MIRANDA 

07/01/2013 - 00:00
1. As autarquias locais - cujo primeiro nível é o das freguesias - ocupam um lugar eminente na Constituição de 1976, muito mais significativo do que o que tinham ocupado nas Constituições anteriores.
Logo, em "princípios fundamentais", declaram-se os princípios da subsidiariedade, da autonomia e da descentralização democrática (art. 6.º, n.º 1). E no início do Título VIII da parte III, sob a epígrafe nova de "poder local", diz se que a organização democrática do Estado compreende (melhor seria dizer implica) a existência de autarquias locais que, através de órgãos representativos, visam a prossecução dos interesses próprios das populações respetivas (art. 235.º).
Mais do que uma garantia institucional da existência de autarquias locais, estabelece-se a garantia da prossecução dos interesses locais pelas autarquias locais, a necessidade da correspondência (embora não exclusiva) entre descentralização territorial e poder local. Mais do que em descentralização administrativa justifica-se falar em descentralização autárquica.
Assim, as autarquias locais são pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos que visam a prossecução dos interesses próprios das populações respetivas (art. 235.º, n.º 2). Logo, as autarquias locais pressupõem democracia local. Logo, elas envolvem um verdadeiro direito dos cidadãos à autarquia local na terra onde residem.
Este direito à autarquia local será um corolário do direito geral do direito dos cidadãos de tomarem parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país (art. 48º, nº 1). Nem por isso se justifica menos autonomizá-lo.
2. A Constituição não assegura a subsistência de todas e quaisquer freguesias (como a de quaisquer municípios) existentes em certo tempo; garante, sim, a freguesia como autarquia local, a divisão de território por municípios e por freguesias, mas em número suficientemente significativo para lhes emprestar efetividade e sempre com consulta das populações, por meio dos seus órgãos representativos ou de referendo (art. 249.º).
A Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, terá observado, na maior parte dos seus preceituados, as normas constitucionais. Mas não quanto às freguesias ou municípios dos níveis 2 e 3 [arts. 4.º, n.º 2, 6.º, n.ºs 1 e 2, e 8.º, alínea c)], a que correspondem menos habitantes e menor densidade populacional e que apareçam dispersos pelo espaço territorial, mormente em zonas de montanha, e às freguesias com menos de 150 habitantes (se bem que, no que toca a estas, não propriamente por o art. 245.º, n.º 2 da Constituição aludir a "freguesias de população diminuta", por esta norma abrir apenas uma possibilidade organizativa).
Ora, será justificável, à luz dos princípios da autonomia, da subsidiariedade e da proporcionalidade e do objetivo de aproximação dos serviços das populações (art. 267.º, n.º 2), suprimir tais freguesias, privando-se os cidadãos que nelas têm as suas vidas de gerir os seus interesses comuns e de terem as suas assembleias ou os seus plenários e as suas juntas? Será isto contribuir para o desenvolvimento harmonioso e para a coesão económica e social de todo o território nacional e para eliminar as diferenças entre o litoral e o interior [arts. 9.º, alínea g) e 81.º, alínea d), da Lei Fundamental]? E deverá tudo ficar à mercê das propostas da Unidade Técnica (art. 14.º da Lei n.º 22/2012)?
A resposta tem de ser negativa. É o próprio direito à autarquia local que fica posto em causa.
Professor da Universidade de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa

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