sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Jus Puniendi


Segundo Paula Teixeira da Cruz, "acabou o tempo da impunidade". É uma frase que resume todo um mandato. Na sua candura e triunfalismo, esta singela afirmação revela muito sobre o pensamento da atual ministra da Justiça e permanecerá como uma marca da sua passagem pelo Governo. Por más razões.

A frase suscita, desde logo, um problema de contexto. Embora a ministra tenha ressalvado não se pronunciar sobre casos concretos, a afirmação em causa foi proferida num dia em que havia sido noticiada (em mais uma das já frequentes violações do segredo de justiça) a realização de buscas domiciliárias a antigos governantes. Aliás, a Ministra respondia a uma pergunta sobre essas mesmas buscas. E, se dúvidas houvesse, achou por bem acrescentar que "ninguém está acima da lei, sejam ex ou atuais". Ora, ao dizer o que disse no contexto em que o disse, Paula Teixeira da Cruz fomentou suspeições e lançou um labéu sobre pessoas que devem presumir-se inocentes até prova em contrário, o que não é admissível a quem exerce as suas funções.

Há também um problema quanto ao pretexto da declaração. A ministra tinha em mente um conjunto de alterações à legislação penal e processual penal, que a seu ver irão revolucionar o funcionamento da Justiça em Portugal. Infelizmente, não será bem assim. De resto, a aferir pelas trapalhadas jurídicas em diplomas recentes, custa a crer que a alteração de alguns códigos possa ter esse efeito salvífico ou refundador do nosso sistema penal. Mas Paula Teixeira da Cruz alimenta a ilusão náíf e um pretensiosismo neófito de que, depois de si, tudo será diferente.

A frase encerra ainda um problema de texto. Literalmente, a Ministra anunciou que até então vigorava em Portugal um regime de impunidade. Trata-se, como é óbvio, de uma afirmação descabida. Estranhamente, porém, não se ouviu um laivo de indignação por parte das polícias ou das magistraturas, que assim viram o seu trabalho de anos reduzido à insignificância.

Por fim, o subtexto. Referimo-nos ao ímpeto justiceiro e persecutório. Se a isso juntarmos ideias como a divulgação de listas de pedófilos, temos razões para nos preocuparmos. Afinal de contas, é o Estado de Direito que está em causa.
Diário Económico, 01-02-2013

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