terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O caminho para uma justiça independente

Por António Cluny, publicado em 26 Fev 2013 - 03:00 | Actualizado há 13 horas 55 minutos

A crítica mais contundente da justiça – e porventura a mais justa – é não ser igual para pobres e para ricos
1. Uma característica importante permite avaliar a qualidade da democracia: a independência do seu poder judicial.
Essa independência desenvolve-se em dois planos: um que se refere às garantias de exercício de que devem gozar cada magistrado ou advogado; e outro, mais institucional, que diz respeito às condições funcionais que garantem a independência individual de cada um deles e que se revela através da organização do “governo próprio” do poder judicial.
2. Vêm estas palavras a propósito da grave crise que vemos corroer a credibilidade interna e externa de muitos órgãos de governo do poder judicial em diversos países europeus.
A Espanha constitui apenas o exemplo mais flagrante, actual e contundente dessa crise. Sublinhe-se que, na semana passada, todas as associações de juízes e procuradores, mesmo ilegalmente, decretaram e realizaram uma greve para protestar contra a reforma do modelo de autonomia da justiça, que limita, ainda mais, a sua já debilitada independência e eficácia.
Portugal, apesar das atribulações que vive – e das peripécias que alguns protagonistas judiciais têm por hábito de-senvolver em torno de si mesmos – tem conseguido manter um sistema de governo das magistraturas prudente e credível.
Essa estabilidade resulta não só da composição equilibrada, plural e pluralista dos Conselhos Superiores, mas também da existência de princípios republicanos na gestão das magistraturas e, em regra, também do comportamento reservado e isento da grande maioria dos seus membros.        
É certo que houve momentos, não muito distantes, em que se verificaram evidentes “devaneios populistas” por parte de alguns altos responsáveis da justiça, que se traduziram numa diminuição da transparência na escolha e na colocação de magistrados em áreas de grande responsabilidade profissional e sensibilidade política: foi o tempo em que se procurou afirmar uma gestão hierárquica baseada sobretudo em critérios subjectivos e de pura confiança pessoal.
Há que reconhecer, todavia, que os Conselhos das magistraturas onde tal ocorreu, rápida e corajosamente conseguiram impor-se e corrigir, por via de regulamentos internos rigorosos, os aspectos mais gravosos de tal deriva, regressando-se, tanto quanto possível, a critérios republicanos de gestão.
Hoje, apesar dos sempre “galvanizantes” episódios provocados pelos protagonistas habituais, ninguém razoavelmente informado consegue, de boa mente, dizer que, no essencial, o sistema favorece atropelos às regras de gestão das magistraturas: esta faz-se segundo regras preestabelecidas e critérios objectivos.
3. Garantida, basicamente, a independência institucional das magistraturas face ao poder político, importa reforçar, agora, a sua capacidade real de iniciativa, tendo em vista uma actuação judicial livre de influências do poder económico e financeiro dominante.
A crítica mais contundente da justiça – e porventura a mais justa – é a de que ela não é igual para pobres e para ricos, nem nas medidas que aplica, nem nos tempos que investe a tratar os casos de uns e de outros.
Não basta, pois, alardear a independência judicial: é necessário, para a afirmar socialmente como um valor democrático a assegurar preservação, aprofundar também os mecanismos de eficácia, de responsabilidade interna e sobretudo garantir a transparência nas opções estratégicas e nas agendas das diferentes jurisdições e órgãos do Ministério Público.
Esse é o caminho verdadeiro para uma justiça independente.
Jurista e presidente da MEDEL

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