terça-feira, 2 de abril de 2013


500 falsos advogados investigados em dois anos

Queixas. Só em Lisboa e no Porto foram 100 os processos-crime que nos últimos dois anos o Ministério Público abriu por procuradoria ilícita. Estas fraudes são uma das preocupações dos cinco candidatos a bastonário da Ordem dos Advogados que vão a eleições no final do ano

No total, os conselhos distritais de Lisboa, Porto, Évora, Coimbra, Faro, Madeira e Açores investigaram 485 casos de juristas ou "burlões" que atuavam como advogados, mas sem a cédula profissional. A maioria dos casos foram particulares, técnicos oficiais de contas ou advogados com inscrição suspensa na Ordem dos Advogados.

Só em Lisboa as denúncias que chegaram ao Ministério Público mais do que duplicaram de 2011 para 2012 (de nove para 21 casos). No Porto passaram de 14 denúncias também para 21. Em algumas destas situações, os conselhos distritais de Lisboa e do Porto arrecadaram indemnizações cujo valor chegou aos cinco mil euros.

Conheça as propostas dos cinco candidatos à sucessão de Marinho e Pinto

Quase 500 falsos advogados alvo de investigação

Procuradoria ilícita. Nos últimos dois anos, tribunais julgaram cem 'burlões' que atuavam sem cédula profissional em Lisboa e Porto

FILIPA AMBRÓSIO DE SOUSA

Entre 1985 e 2006, Maria Tavares representou o Sindicato dos Transportes Rodoviários do Porto em 900 processos judiciais. Na verdade, a licenciada em Direito não chegara a terminar o estágio de advocacia. Sem cédula profissional, exerceu a atividade durante mais de dez anos. Uma queixa denunciou a situação e Maria foi condenada a um ano de pena de prisão suspensa pelo crime de usurpação de funções.

Este é um dos casos que preenchem as estatísticas. Nos últimos dois anos, quase 500 falsos advogados (485) foram investigados pelos Conselhos Distritais da Ordem dos Advogados (Lisboa, Porto, Évora, Coimbra, Açores e Madeira) . A nível nacional, quantos destes processos acabaram por resultar em queixas-crime são dados que não estão contabilizados mas, só nos últimos dois anos, em Lisboa e no Porto foram cem os casos que seguiram da Ordem dos Advogados (OA) para o Ministério Público (MP) para investigação criminal.

Em causa estão sempre o crime de procuradoria ilícita - com pena de prisão de um ano ou multa por 120 dias - ou o de usurpação de funções - punido com dois anos de prisão ou multa até 240 dias.

Em Coimbra, outro caso chamou a atenção da Polícia Judiciária. Uma ex-solicitadora, com 55 anos e antecedentes criminais no cadastro, apresentava-se como advogada nos tribunais, usando inclusivamente uma toga. Acabou condenada por usurpação de funções e falsificação de documentos.

Segundo dados do Conselho Distrital de Lisboa (CDL), no final do ano passado contavam-se 256 casos em investigação pelo departamento de procuradoria ilícita. Desses, 126 foram decididos e 21 participados à polícia. Um número bastante superior ao do ano anterior: apenas nove casos.

No Conselho Distrital do Porto (CDP), em 2012 deram entrada 70 participações, sendo que cerca de 30% chegaram ao Ministério Público (21 casos).No ano anterior, estavam em investigação 102 casos e 49 resultaram em queixas-crime (14 nesse ano e as restantes que vinham do ano anterior).

Cláudia Areal, responsável no CDP por esta área, sublinhou que "o número de participações duplicou no ano passado face ao ano anterior". A maioria destes casos são de particulares que exercem a profissão, muitas vezes nem são licenciados em Direito, de Técnicos Oficiais de Contas - que a Ordem considera que não podem praticar determinados atos, exclusivos de advogados - ou ainda casos de juristas que estão com inscrição suspensa.

Em alguns casos que chegam a tribunal, a OA constitui-se como assistente no processo e pediu uma indemnização. "Já aconteceu no Conselho Distrital de Lisboa, embora não lhe consiga precisar os valores", explicou Vasco Marques Correia, presidente do CDL, em declarações ao DN.

"Uma das batalhas que temos vindo a ganhar é a de recebermos indemnização por casos destes", explica Guilherme Figueiredo, presidente do CDP, que já recebeu quantias até 5400 eurosde indemnização, nos últimos quatro anos. Dinheiro que vai para um fundo de combate à procuradoria ilícita.

NÚMEROS

PROCESSOS TRANSITADOS

> De 2011 para 2012 transitaram 256 processos no Conselho Distrital de Lisboa e foram decididos 126 acórdãos: 84 casos arquivados e 42 investigados.

CRIMES EM LISBOA

> No ano passado, dos casos investigados em Lisboa, seguiram para queixa-crime 21 casos. Mais do dobro face ao ano anterior (9).

PORTO

> Em 2011, o Conselho Distrital do Porto investigou 102 casos de falsos juristas. Quase metade desses - 45 - resultaram em queixas-crime conduzidas ao Ministério Público.

Eleições

Em novembro, os advogados vão a votos para eleger novo bastonário. Quatro candidatos defendem a mudança e Elina Fraga a linha de continuidade, face ao atual bastonário. Os falsos advogados, apoio judiciário e a participação no processo legislativo são algumas das prioridades dos candidatos

Apesar de as eleições só estarem previstas para finais de novembro, a campanha eleitoral para bastonário da Ordem dos Advogados (OA) já está no terreno.

Nos últimos dois atos eleitorais - que deram a vitória esmagadora a Marinho e Pinto -, eram apenas três os candidatos, mas este ano a lista já vai em cinco. Jorge Neto, Vasco Marques Correia e Guilherme Figueiredo - que já apresentaram formalmente as candidaturas - e António Raposo Subtil e Elina Fraga, que amanhã anunciam a sua intenção de ir a votos, são os rostos à sucessão de Marinho e Pinto. A procuradoria ilícita (ver texto ao lado), as defesas oficiosas e um diálogo aberto com o Ministério da Justiça são algumas das prioridades nesta campanha.

De um lado: os quatro candidatos assumidamente de rutura com o rumo que tem sido seguido pela Ordem (Marques Correia, Guilherme Figueiredo, Jorge Neto e Raposo Subtil) e do outro, o rosto da continuidade: Elina Fraga, atual vice-presidente da OA e apoiada pelo atual bastonário.

Os discursos já são acalorados: "A Ordem precisa de posições e não de oposições", sublinha Guilherme Figueiredo, presidente do Conselho Distrital do Porto, mas eleito numa lista independente. "O atual bastonário destruiu pontes e laços com operadores judiciários", defende Jorge Neto, ao DN. "Em muitos casos não usou as expressões e linguagem mais próprias", disse o atual líder do CDL de Lisboa, Vasco Marques Correia. Com o atual bastonário, diz Raposo Subtil, registou-se "uma crescente desorganização interna e perda de prestígio da instituição". Já Elina Fraga define os mandatos do "seu" bastonário usando as palavras "transparência", "pacificação" e "rutura com as alianças tradicionais".

Marinho e Pinto, o bastonário que cortou com a tradição formalista e convencional da OA, foi juntando "inimigos" ao longo dos seis anos de mandato. Conhecidas ficaram as trocas de recados entre o bastonário e a ministra Paula Teixeira da Cruz. Nas últimas eleições, Marinho e Pinto repetiu a proeza de ganhar com maioria absoluta contra Fragoso Marques e Luís Filipe Carvalho. Três anos antes sucedia a Rogério Alves, numa eleição mais renhida contra João Correia e Magalhães e Menezes, assessor jurídico de Jorge Sampaio em Belém durante dez anos.

Desde 1999 que se move pelos corredores da OA. Foi vogal do CDL desde 1999 e durante 11 anos. Em 2011 é eleito presidente do CDL, mas em lista autónoma. É especialista em direito da comunicação social. É sócio da maior sociedade de advogados portuguesa - PLMJ fundadapor José Miguel Júdice.

Conta com Medina Carreira mandatário da sua campanha eleitoral.

Ocupa o cargo de presidente do Conselho Distrital do Porto desde 2008, mas sempre eleito em listas independentes. Além da advocacia, é também um apaixonado pela arte, ocupando o cargo de presidente do Lugar do Desenho na Fundação Júlio Resende, e ainda é comissário na Fundação Serralves. É amigo do ministro da Defesa, Aguiar-Branco, mas também de João Semedo, líder do Bloco de Esquerda.

Exerce advocacia há mais de 30 anos, tendo fundado a Jorge Neto Associados, em Lisboa e no Porto. De 1999 a 2009 foi deputado eleito pelo PSD. Anteriormente, foi secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes, em 2004 e 2005 e presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, de 2007 2009. Em 2001 foi mandatário de Ferreira do Amaral na candidatura a Belém.

Este é também um advogado familiarizado com a estrutura da Ordem. Já foi presidente do Conselho Distrital de Lisboa- eleito pelas listas de Rogério Alves -, tendo concorrido contra a atual ministra, Paula Teixeira da Cruz. Foi ainda membro da Comissão Nacional de Formação e do Conselho Consultivo do Ministério da Justiça no Governo de Celeste Cardona e de Alberto Costa. Apresenta amanhã a candidatura.

Candidata da continuidade, é apoiada formalmente pelo atual bastonário, irá apresentar a sua candidatura no salão nobre da OA amanhã. Exerce atualmente o cargo de vice-presidente da Ordem e é também a responsável pelo pelouro do apoio judiciário. Tem escritório em Mirandela com Hernâni Moutinho. Apoia os jovens advogados, a prática individual e as pequenas sociedades de advogados.

Que balanço faz do mandato de Marinho e Pinto

Que mudança quer para a Ordem dos Advogados

Vai suspender a advocacia e aceitar ser remunerado

Qual a posição face ao atual exame de acesso ao estágio

...AS RESPOSTAS

VASCO MARQUES CORREIA - Líder do Conselho Distrital de Lisboa

47 anos

1. Posso dizer que ele tem muitas vezes razão nas questões de fundo mas que a forma que encontra para a manifestar não é seguramente aquela que eu escolheria. Entendo igualmente que vulgarizou em excesso o seu discurso, que houve ruído em demasia e que, nalguns casos, não utilizou as expressões mais próprias e adequadas.

2. Acabar de imediato com as divisões internas, as "famílias" e as fações que só fragilizam a advocacia. Entendo que a maioria que me eleger se dissolverá assim que o resultado for conhecido: serei o advogado de todos os advogados, mais antigos e mais jovens, dos centros e das periferias, em prática isolada, em prática societária e os de empresa.

3. Vejo o cargo como um serviço aos colegas, e para mim a questão económica não tem relevância. Não alinho no entanto no coro de alguns candidatos que, com uma censurável dose de demagogia barata, dizem já que se fossem eleitos prescindiriam de remuneração. Assim, "o barato sai caro", que é o mesmo que dizer que não existem almoços "à borla".

4. Esse concreto exame era ilegal. Disse-o eu, disseram-no muitos colegas e reconheceu-o também o Tribunal Constitucional. É, portanto, uma res judicata, um assunto resolvido. Mas eu também sempre disse que o acesso à profissão não era assunto tabu. É um tema que pode, deve e tem mesmo de ser discutido. Há cursos de Direito a mais.

GUILHERME FIGUEIREDO - Líder do Conselho Distrital do Porto

56 anos

1. A minha candidatura não irá fazer qualquer balanço dos mandatos do bastonário. A OA não carece de que um novo mandato seja construído a partir de uma oposição ou de uma colagem aos mandatos do atual bastonário. Precisa de projetos e precisa que se destinem a todos os advogados e não só a uns ou outros. Precisa de posições e não de oposições!

2. Graduar nos primeiros anos as quotas dos advogados, definir critério de vencimento efetivo para pagamento aos advogados no apoio judiciário, dar autonomia financeira aos órgãos disciplinares da Ordem dos Advogados, participar na política legislativa, exigir mestrado em Direito para ser candidato a advogado e reformular o curso de estágio.

3. Vou exercer o mandato a tempo inteiro e de forma remunerada, mas não irei exigir nenhuma quantia a título de reintegração na profissão. Porque o cargo de bastonário, nos tempos atuais é muito exigente do ponto de vista de organização e de ação. É muito complicado compatibilizar o trabalho profissional com o exercício do cargo.

4. O exame de acesso instituído pelo bastonário foi, como era previsível, julgado inconstitucional. Deve ser restringido o acesso somente por razões de qualificação. A limitação do acesso à profissão não deve ser confundida com um tratamento discriminatório negativo aos estagiários. O problema requer uma abordagem com as universidades.

JORGE NETO - Ex-deputado do PSD

56 anos

1. Marinho e Pinto não poderá ser diabolizado, como certamente sentenciarão alguns mais afoitos. Tem mérito indiscutível na defesa dos direitos, liberdades e garantias, na denúncia da violação do segredo de justiça. Mas fruto de um estilo discursivo excessivamente político falhou na eficácia da mensagem. Não logrou unir os advogados.

2. A minha mudança mais imediata será a atitude: firme mas dialogante, cooperante e aberta à sociedade. Uma Ordem dos Advogados com rumo e estratégia. Aquém e além fronteiras, com uma visão além da Taprobana. Cosmopolita e solidária, não uma Ordem fechada numa torre de marfim, acomodada, conformada e resignada.

3. Vou renunciar à remuneração de bastonário, na linha da tradição da Ordem. O que me permite, em abstrato, exercer a advocacia. Mas dificilmente o farei em toda a plenitude, atenta a minha inteira disponibilidade para ser bastonário e a incontornável exigência dos tempos que correm. Afetarei o respetivo valor no apoio a jovens advogados.

4. Sou, por princípio e regra, contra um exame de acesso à Ordem porque entendo que não deve ficar com o ónus (odioso) da limitação corporativa do acesso à profissão. Mas deve pugnar pelo rigor científico e pedagógico das faculdades de Direito e deve esclarecer a sociedade sobre as dificuldades de empregabilidade dos novos licenciados de Direito.

ANTÓNIO RAPOSO SUBTIL - Ex-pres. do Cons. Distrital de Lisboa

52 anos

1. Parece inquestionável que nos últimos dois mandatos tem existido uma grande instabilidade e uma luta entre os atuais dirigentes, que se está a manter no período da campanha, da qual resultou uma perda de prestígio da Ordem. Todos os bastonários merecem o respeito dos advogados, mas o modelo de gestão tem de ser radicalmente alterado.

2. Pretendo alterar o modelo de gestão da Ordem dos Advogados, reatar a colaboração institucional com o Ministério da Justiça e restabelecer o diálogo entre profissões jurídicas, o que viabilizará a efetiva defesa da advocacia e dos direitos dos cidadãos mais desfavorecidos, assim como a participação conjunta das reformas legislativas.

3. Nunca concordei coma figura de bastonário "profissional" e de dirigentes eleitos com o estatuto de funcionários da OA, pelo que continuarei a ser independente da Ordem também no plano financeiro e a exercer advocacia de pleno direito. Não se justifica o exercício em exclusivo da função de bastonário se os meios forem utilizados de forma eficiente.

4. Quem maltrata os jovens não terá a sua participação ativa na OA, nem o seu respeito no futuro. O problema não é o exame mas o litígio criado com estagiários que, por direito, pretendem ter acesso à profissão, de acordo com as regras existentes e não com a vontade do bastonário. Nunca entraram tantos advogados na OA como nos últimos anos.

ELINA FRAGA

Vice-presidente da OA - 42 anos

1. A Ordem deixou de estar refém dos interesses mercantilistas das empresas de advocacia e afirmou-se como representativa de todos os advogados, sobretudo dos advogados anónimos. Este bastonário rompeu com as alianças tradicionais e os únicos compromissos passaram a ser com os advogados e com os direitos e liberdades do cidadão.

2. A grande mudança será conseguir a pacificação dentro da Ordem para o combate, a uma só voz, à escandalosa privatização da justiça, à procuradoria ilícita que ludibria o cidadão e à massificação da profissão que contribui para sua degradação. Os advogados anseiam por uma OA unida, com capacidade de intervenção nas políticas para a justiça.

3. Este foi o primeiro bastonário a dedicar-se exclusivamente à Ordem e a suspender a sua atividade. Fê-lo determinado por razões de transparência e de absoluta dedicação. A remuneração do bastonário é hoje para os advogados pacífica. Ninguém quer regressar ao tempo em que a Ordem servia para angariar clientela e para o exercício de lobbying.

4. A massificação da profissão constitui uma ameaça ao futuro da advocacia, enquanto profissão liberal. A Ordem dos Advogados não pode continuar a receber os milhares de licenciados, sem qualquer avaliação, formando exércitos de assalariados para algumas indústrias de advocacia. Tem de haver contenção no acesso à profissão.

Sem comentários: