sábado, 13 de abril de 2013

Abençoados juizes


Afinal, e como já era previsível, a tão desejada remodelação do governo acabou por se traduzir na simples substituição de Miguel Relvas – e, de passagem, de um secretário de Estado, a prazo, que tinha a seu cargo umas minundências como os fundos comunitários. Ao fim de uma semana, de intensa e pouco profícua reflexão, Pedro Passos Coelho conseguiu, por junto, arregimentar mais um prestigiado académico que vai dividir o melhor do seu tempo pelos mais desencontrados sectores: entre a coordenação política do governo, a tutela da comunicação social, a gestão dos fundos comunitários e o fabuloso dossiê das autarquias. Confesso que, independentemente das qualidades do nomeado, não me parece possível que esta florida acumulação de funções tenha condições mínimas para funcionar. Se este tipo de filosofia vingar, ainda vamos assistir, lá para as calendas gregas, a uma miscelânea de pastas que junte harmoniosamente o Emprego com os Assuntos Parlamentares e as Obras Públicas com a Justiça, com uma pequena abertura para a Educação e os Cuidados Intensivos. Depois da catástrofe, parece que podemos dar livremente largas à imaginação.
Independentemente destes acertos de última hora decorrentes do facto, em si mesmo simples, de Miguel Relvas não ter estado na feliz disposição de continuar a assombrar, por tempo indeterminado, um governo do qual já não fazia parte, o essencial (e o essencial é muito mau) mantém-se. Uma política autista e insustentável que ameaça enterrar o país num poço sem fundo e que tem como principais mentores o primeiro-ministro e o ministro das Finanças (a ordem, como se sabe, é reversível). Perante a decisão do Tribunal Constitucional, há muito esperada, diga-se de passagem, a dupla que nos governa, em vez de usar o chumbo de algumas normas do Orçamento para melhor renegociar com os parceiros europeus as condições do ajustamento português, decidiu, antes, em coordenação com os mesmos parceiros europeus, partir à desfilada contra o Tribunal Constitucional e os portugueses, que, por simples má vontade, não perceberam que não havia plano B mas sim, e apenas, um plano A de que o governo, apesar da realidade, não pretende abdicar.
Esta guerra, que ganhou foros de verdadeira epopeia com o discurso de Passos Coelho, no domingo, e o despacho do ministro das Finanças, no dia seguinte, só confirma que o governo já percebeu que não tem condições para aplicar a política de cortes de 4 mil milhões com que se comprometeu com a troika e que, aliás, devia ter sido apresentada ao país, em Fevereiro, caso ninguém se lembre. O discurso de dramatização e de chantagem de Pedro Passos Coelho, assacando ao Tribunal Constitucional todas as desgraças imagináveis, além de revelar à saciedade a irresponsabilidade do primeiro-ministro, tenta desesperadamente transformar um órgão de soberania no bode expiatório de uma política que estrondosamente falhou. Felizmente nem tudo é mau: seguindo o discurso do governo, graças ao Tribunal Constitucional, Portugal conseguiu renegociar o prazo de pagamento dos empréstimos contraídos. Abençoados juizes!
i, 13 Abril 2013

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