sábado, 27 de abril de 2013

As Bestas


Pedro Santos Guerreiro - Isto não é um caso, é uma poucavergonha. O escândalo dos "swaps" nas empresas públicas pode revelar-se ruína maior que um BPP ou várias PPP. Mas em causa está mais do que má gestão. Em causa está má gestão, má auditoria, má governação - e talvez má-fé. Quando vir alguém pendurado por causa desta história, olhe também para quem pendura.
O país está para enforcamentos rápidos. E é óbvio que, se se confirmar que as administrações de empresas públicas compraram produtos altamente especulativos, fazendo o Estado incorrer em riscos inaceitáveis, então quase apetecerá que tenha sido por corrupção - por que se não foi por burrice. Ou enganaram ou foram enganados. Mas há mais gente envolvida do que parece.
É normal que as empresas comprem produtos financeiros que reduzam o risco de variações de preços de factores que não controlam mas de que dependem. Assim é por exemplo com taxas de juro, taxas de câmbio ou preços de petróleo. E foi isso que várias empresas públicas fizeram. Só que correu mal, pois as taxas euribor, por causa da crise financeira, não subiram, caíram. E correu ainda pior porque, segundo o Governo, as suas estruturas eram altamente especulativas. Conheciam os gestores os riscos do que estavam a comprar? Eles ainda não se defenderam, mas aparentemente não. Se é o caso, esqueceram-se da regra básica de Warren Buffett: não invista no que não compreende.
O problema parece no entanto ser mais tentacular. Alguns destes "swaps" datam de 2004. Foram aprovados por Conselhos de Administração e foram publicados em relatórios & contas, reportados a revisores oficiais de contas, vistos por conselhos fiscais, analisados por auditores externos e aprovados pelo Estado em Assembleia Geral. Ninguém sabia? Ninguém reparou? Ninguém chumbou nem realçou os riscos? O Tribunal de Contas levantou o problema em 2006. Há relatórios da inspecção-Geral de Finanças de 2008 que chegam a elogiar esta gestão de risco, pois tinha então sido lucrativa! A Direcção-Geral de Finanças tinha conhecimento. Há despachos do Governo, assinados por Costa Pina, em 2009 e 2011, sobre a matéria. E agora, em 2013, é que toda a gente acorda?
O caso é muito grave. Nas actuais auditorias, a Inspecção-Geral de Finanças tem-se feito acompanhar de peritos informáticos, o que pode indiciar que há suspeitas de corrupção. Três mil milhões de euros (que é perda potencial, que será menor se as taxas euribor subirem nos próximos anos) é o dobro do corte de despesa do Estado que o Tribunal Constitucional agora chumbou. Há muitas responsabilidades por apurar, sobretudo das administrações à data dos Metros de Lisboa e do Porto, mas incluindo também as políticas por se ter escondido o problema durante muito tempo - vigilância que deve estender-se a este Governo, que já fez tombar dois secretários de Estado por este caso.
O Governo ainda não prestou informação, as empresas não falaram, os suspeitos ainda não se defenderam. Entretanto, os bancos (estrangeiros) estão a ser pressionados a negociar. Mas se fizeram outros de parvos, os parvos são os outros. Curiosamente, não há notícia de perdas desta dimensão em empresas privadas. O escândalo ainda vai no adro mas já se penduram cordas. A única coisa que se já sabe é quem são As bestas. São os contribuintes, claro, As bestas de carga do costume. Bestas de carga fiscal.
Pedro Santos Guerreiro Director
Jornal de Negócios, 27-04-2013

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