terça-feira, 2 de abril de 2013

Constitucionalistas e magistrados criticam "pressão" sobre o TC

SOFIA RODRIGUES 

Público - 02/04/2013 - 00:00
Bacelar Gouveia, professor de Direito Constitucional da área do PSD, considera que intervenção de Passos Coelho pode ser até "contraproducente". À esquerda, o tom também é de condenação
Depois de Passos Coelho ter pedido "responsabilidade" ao Tribunal Constitucional (TC) nas decisões que vier a tomar, constitucionalistas e magistrados são críticos da intervenção do primeiro-ministro e de notícias que deram conta de uma possível demissão do Governo num cenário de chumbo das medidas do Orçamento.
Vitalino Canas, deputado do PS e antigo assessor do TC, conclui ter havido pressões sobre os juízes do TC no sentido de se produzir uma decisão mais "favorável" ao Governo. "Não me recordo de ter havido uma tão pública e notória pressão como esta", afirmou ao PÚBLICO Vitalino Canas, que foi um dos socialistas que promoveram a entrega de um pedido de fiscalização ao Orçamento do Estado para 2013, assinado por 50 deputados do PS. Já sobre as consequências dessa intervenção de Passos Coelho e de dirigentes do PSD, o deputado diz ser difícil de adivinhar, já que "os juízes reagem de maneira diferente".
Bastante mais moderado na avaliação da intervenção de Passos Coelho, um antigo juiz-conselheiro do TC considera que as declarações do primeiro-ministro foram apenas um apelo a uma certa responsabilidade. "Os efeitos sobre a situação do país - um eventual segundo resgate - é algo que o Tribunal Constitucional tem de ponderar e o Governo pode fazê-lo notar", disse o antigo membro do TC, que não quer ser identificado. "Se me pergunta se é sensato, digo que talvez tivesse sido dispensável, mesmo que a intenção não fosse pressionar", acrescentou.
O constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia é duro sobre as declarações de Passos Coelho e sobre as notícias que falam em cenários de demissão do primeiro-ministro. "É uma falta de respeito institucional", afirma o antigo deputado social-democrata, antevendo que as afirmações podem até irritar os juízes. "Se eu estivesse no lugar de um juiz, seria a última coisa que queria ouvir", afirma. Tudo o que seja mais do que chamar a atenção do impacto financeiro de uma decisão "é contraproducente e até pode ter efeito contrário ao pretendido pelo Governo", conclui.
Para Alberto Martins, a intervenção de Passos Coelho e do PSD não deixa dúvidas: "É uma pressão ilegítima do Governo". O antigo ministro socialista da Justiça lembra que "há separação de poderes e que deve haver cooperação institucional [entre os dois órgãos de soberania]". Apesar de considerar que a coacção "é inútil", o deputado condena a pressão que se está a fazer sobre o tempo para apressar um acórdão. "A fiscalização sucessiva não tem prazos tão comprimidos", lembra, em comparação com o pedido de fiscalização preventiva que o Presidente da República pode fazer e que tem um prazo de 25 dias.
Jorge Miranda também pede respeito institucional pelo TC. Para o constitucionalista, falar de situação grave, de crise política, é certo que "acaba por ser entendido como uma pressão".
A inutilidade de tentar influenciar os juízes é sublinhada pelo antigo procurador-geral da República Pinto Monteiro, que acredita "estarem imunes". Mas critica: "Fazer pressões a um tribunal é uma medida antidemocrática por excelência", disse à RTP, no domingo.
O coro de críticas surge depois de Passos Coelho ter respondido aos jornalistas, na passada quarta-feira, sobre um eventual chumbo de medidas do Orçamento como a suspensão do subsídio de férias para funcionários públicos ou a contribuição extraordinária de solidariedade. "Todos nós temos responsabilidades na forma como lidamos com isso [os tempos históricos que se vivem]: tem o Governo, que não se pode distrair com aspectos menores, as instituições democráticas todas, o Parlamento, que tem de ter responsabilidade, o TC, que também tem de ter responsabilidade nas decisões que vier a tomar e no impacto que elas possam vir a ter no país." No dia seguinte, a vice-presidente da bancada do PSD, Teresa Leal Coelho, lembrou que o memorando da troika vincula "todos", incluindo o TC, mas recusou a ideia de que o primeiro-ministro tenha pressionado aquele órgão de soberania. Na mesma altura, Passos admitiu junto do núcleo duro do seu partido demitir-se na sequência de um chumbo do TC. No parceiro de coligação - o CDS - fez-se silêncio.

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