sexta-feira, 19 de abril de 2013

Contribuição Extraordinária de Solidariedade: uma nova medida de proporcionalidade?


CARLOS LOBO
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O acórdão do Tribunal Constitucional foi surpreendente. Não por considerar inconstitucionais as matérias relativas aos subsídios de férias, de doença e de desemprego, mas por deixar passar a sobretaxa relativa à Contribuição Extraordinária de Solidariedade. Havia uma expectativa geral de uma maior aderência aos desenvolvimentos dogmáticos relativos ao princípio da capacidade contributiva enquanto corolário do princípio da igualdade fiscal nos impostos sobre o rendimento e às considerações efectuadas por Tribunais Constitucionais de outros Estados europeus que, nos últimos anos têm discutido – e fixado – os limiares aceitáveis de tributação, expectativa que foi frustrada.
Ao assentar a sua medida de proporcionalidade unicamente no ponto extremo de extracção patrimonial ao sujeito passivo, o Tribunal Constitucional não terá levado em consideração outras medidas de ponderação quantitativa que devem regular o princípio da capacidade contributiva, nomeadamente os conceitos de “fardo excessivo” (‘excess burden’) e de perda absoluta de bem-estar (‘deadweight loss’).
A medida de proporcionalidade de um imposto sobre o rendimento é complexa. O fim dos impostos é a arrecadação de receita fiscal. Porém, essa arrecadação de receita fiscal deve ser efectuada de forma eficiente, ou seja, a utilidade pública gerada pela angariação da receita deve ser superior à desutilidade privada decorrente da tributação. Sabemos que este é um juízo que decorre, em larga medida, do conceito de Estado que se adopte. Um modelo de Estado Social pressupõe uma maior margem de utilidade pública eficiente do que um Estado Liberal. Por essa razão, a tolerância à desutilidade privada no primeiro caso é superior à do segundo.
Porém, em ambas as situações existem limites inerentes à tributação concreta. Esses limites são, de forma muito sintética, atingidos quando o efeito de tributação começa a distorcer as opções racionais do sujeito passivo, e aí passamos a entrar numa situação de “fardo excessivo”, ou, no limite, impedem o sujeito passivo de desenvolver a própria actividade privada, e nesta situação, verificam-se duas perdas de bemestar: a privada, uma vez que a actividade produtiva não é realizada e a pública, pois, sem a primeira não existe matéria colectável a tributar e, neste caso, verifica-se uma perda absoluta de bem-estar.
Na decorrência destes conceitos, que evidentemente, devem ser concretizados no caso concreto, tem-se discutido qual o limiar nacional máximo em casos de impostos sobre o rendimento. E, aí, um pouco por toda a Europa, têm-se fixado alguns limiares gerais: por exemplo, o Tribunal Constitucional alemão adoptou o limiar dos 50% de tributação, e mais recentemente, o Tribunal Constitucional francês rejeitou o imposto de 75% sobre os rendimentos “milionários” proposto pelo Presidente Hollande.
Estes são simples exemplos que demonstram a acuidade da matéria. O limiar do confisco é o ponto limite, nesse nível já não existe um imposto mas sim uma punição; a potencial inconstitucionalidade começa a verificarse bastante antes, ou seja, no ponto em que a distorção fiscal se começa a fazer sentir com uma intensidade intolerável, afectando de forma significativa os princípios constitucionais da igualdade e da eficiência.
Esta discussão não terá sido levada em devida conta no acórdão do Tribunal Constitucional. A relevância da medida justificava uma melhor fundamentação, especialmente quando nos encontramos na presença de rendimentos de fonte não móvel, ou seja, numa, situação em que os contribuintes estão totalmente sujeitos ao ímpeto tributário do Estado, não lhes sendo permitida qualquer função de arbitragem.
Diário Económico, 19 Abril 2013

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