sexta-feira, 5 de abril de 2013

GOVERNO ENTRA EM ALTA TENSÃO


- Constitucional deverá anunciar hoje decisão sobre Orçamento de 2013
- Pedro Passos Coelho convoca ministros para reunião no sábado
Miguel Relvas demitiu-se, esta quinta-feira, após 21 controversos meses no Govemo. A forma como obteve a licenciatura, um dos casos em que esteve envolvido, é apontada como a razão para a sua saída. O Governo vai continuar a viver dias de alta tensão. Esta sexta-feira deverá ser conhecida a decisão do Tribunal Constitucional sobre o Orçamento para 2013 e Pedro Passos Coelho convocou os ministros para uma reunião no sábado. 1.ª Linha 4 a 7 e Editorial
GOVERNO EM MUDANÇA
Relvas termina o seu curso no Governo
Ministro resistiu a vários escândalos, mas terá sido o curso que fez por equivalência a determinar a sua queda. Governo fica em suspenso à espera do Constitucional
BRUNO SIMÕES
brunosimoes@negocios.pt
Miguel Relvas resistiu a críticas, polémicas e escândalos, mas após 21 meses como ministro político do Governo, e onze meses desde o primeiro caso que abalou a sua imagem pública, apresentou a sua demissão a Passos Coelho. O falhanço na privatização da RTP e a reforma das freguesias são o principal legado da sua passagem pelo Executivo, mas Relvas também fica associado a pressões sobre uma jornalista, ligações ao ex-espião Silva Carvalho e, sobretudo, ao curso que fez em apenas um ano, e com equivalência a 32 cadeiras (num total de 36). Terá sido essa, aliás, a razão que precipitou a sua demissão, que, segundo o próprio, já estava decidida “há várias semanas”.
A saída do braço-direito do primeiro-ministro, que foi responsável pela ascensão de Passos Coelho à liderança do partido e, mais tarde, à vitória nas eleições legislativas – tal como Relvas fez questão de salientar – contribui para aumentar a tensão dentro do Executivo. O Governo aguarda, com expectativa, a decisão do Tribunal Constitucional, que deverá ser revelada hoje, e agendou para amanhã um Conselho de Ministros extraordinário, em que vai analisar os eventuais chumbos do palácio Ratton. Nessa reunião também estará em cima da mesa uma eventual remodelação do Governo pelomenos a substituição de Relvas.
Miguel Relvas garantiu, numa declaração à imprensa na tarde desta quinta-feira, que sai “por vontade própria” e que a decisão já estava “tomada há várias semanas”, em conjunto com Passos Coelho. “E saio, apenas e só, por entender que já não tenho condições anímicas para continuar”, justificou o agora ex-ministro. “Tenho a plena consciência do preço que paguei ao longo destes anos”, afiançou, lamentando a “incompreensão” quanto às suas “reais motivações, que apenas foram, são e serão, servir o meu País”.
Uma hora depois de os jornais e as televisões terem começado a anunciar a demissão de Miguel Relvas, o gabinete de Passos Coelho oficializou o fim do percurso. Sublinhando que o pedido de demissão “foi aceite”, agradeceu ao seu braço-direito: “O primeiro-ministro enaltece a lealdade e a dedicação ao serviço público com que o ministro Miguel Relvas desempenhou as suas funções, bem como o seu valioso contributo para o cumprimento do programa de Governo numa fase particularmente exigente para o País e para todos os portugueses”.
Relvas disse ainda que sai do Governo como entrou, mas no caminho terá perdido pelo menos a sua licenciatura. Vários jornais garantiam ontem que a licenciatura em Ciência Política de Miguel Relvas, atribuída pela Universidade Lusófona em apenas um ano e com equivalência a 32 cadeiras – Relvas só fez quatro exames – vai ser-lhe retirada.
A Inspecção-Geral de Educação e Ciência (IGEC) investigou por duas vezes as licenciaturas atribuídas por equivalência. Nesta última, concluiu que “uma classificação de um aluno não resultou, como devia, da realização de exame escrito”. Esse aluno é Relvas, e o processo seguiu para o Ministério Público, que tem competências para retirar o grau académico do ex-ministro. O relatório da IGEC estava há dois meses na gaveta do ministro da Educação.
Passos procura novo Relvas
Com a saída de Relvas, Passos fica sem um ministro essencial na coordenação política do Executivo – tarefa da qual não sai isento de críticas, especialmente na articulação com o CDS. Fica também sem um dos seus homens de confiança, que se empenhou há cinco anos em lançar Passos Coelho para a ribalta. Dentro do Governo, Miguel Macedo, ministro da Administração Interna, é apontado como o substituto natural de Relvas, já que foi líder parlamentar do PSD. Outro nome que também é apontado como sucessor de Relvas é Jorge Moreira da Silva, que é actualmente o “número 2″ do PSD.
Passos teve ontem a reunião semanal com o Presidente da República às 17h00, já depois de ter confirmado a demissão de Relvas, pelo que o assunto deverá ter sido abordado. Esta manhã, Cavaco Silva vai inaugurar a refinaria de Sines da Galp, prevendo-se, portanto, que venha a ser questionado sobre os recentes desenvolvimentos.
O mandato de Miguel Relvas como ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares ficou profundamente marcado por vários casos polémicos. E terão sido precisamente estes casos que acabaram por consumir a sua “força anímica”. Veja aqui as polémicas que encheram as páginas dos jornais de há um ano para cá
O ESPIÃO
O caso do espião que acabou como funcionário da PCM
As relações de Miguel Relvas com Silva Carvalho, que é acusado de abuso de poder e violação de segredo de Estado, alimentaram várias polémicas. Numa audição sobre o assunto no Parlamento, o ministro afirmou que apenas se encontrou com Silva Carvalho uma vez, mas a imprensa revelou a existência de outros encontros. Na semana passada, ficou a saber-se que o antigo director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa integrará os quadros da Presidência do Conselho de Ministros.
O PUBLICO
A atribulada relação com a liberdade de imprensa
A jornalista de política do “Público” Maria José Oliveira acabou por deixar o jornal, depois de ter denunciado que Miguel Relvas a ameaçou de revelar dados da sua vida privada. Em causa estava a preparação de um artigo sobre as alegadas contradições do ministro no Parlamento, onde foi ouvido sobre o caso das secretas. Já antes tinha gerado controvérsia o afastamento do jornalista da Antena 1 Pedro Rosa Mendes, que criticou o facto da RTP ter feito uma emissão especial de Angola.
O CURSO
A licenciatura em Ciência Política feita num ano
Miguel Relvas concluiu a licenciatura em Ciência Política num ano, fazendo apenas quatro exames (ou talvez três). Dos 180 créditos necessários para concluir a licenciatura, 160 foram obtidos através de equivalências. De acordo com o ministro, os créditos tiveram em conta o seu percurso profissional, bem como o facto de ter frequentado os cursos de Direito e História no passado. Este caso levou o Ministério da Educação a realizar auditorias. A última foi enviada esta quinta-feira para o Ministério Público.
A RTP
A privatização falhada de um canal da televisão pública
Foi uma das bandeiras de Miguel Relvas, que repetia que a empresa custava um milhão de euros por dia aos portugueses. Mas a privatização da RTP acabou por não acontecer. A ideia inicial era alienar um dos dois canais da televisão pública. Depois das críticas de outros operadores de televisão, Relvas anunciou que o canal ficaria na esfera do Estado e que não teria publicidade. Mais tarde, António Borges defendeu a concessão, modelo ao qual Relvas não se opôs. A privatização acabou por se transformar numa reestruturação.
A EMPRESA
O alegado favorecimento entre amigos
Passos Coelho foi consultor e administador de uma empresa, a Tecnoforma, que concentrou os apoios de formação profissional numa altura em que o programa em causa – destinado a funcionários das autarquias – era tutelado por Miguel Relvas, então secretário de Estado da Administração Local. O “Público” revelou que 82% do valor das candidaturas aprovadas em 2003 a empresas da região Centro coube à Tecnoforma. Passos afirma que a ideia de um eventual favorecimento é um “absurdo”.
Jornal Negócios, 05 Abril 2013

Sem comentários: