sexta-feira, 19 de abril de 2013

Sentenças criminais negociadas

FRANCISCO TEIXEIRA DA MOTA 

Público - 19/04/2013 - 00:00
Alguns tribunais homologaram acordos entre arguidos e Ministério Público
A justiça criminal procura apurar a verdade dos factos e, a partir daí, aplicar a lei em função da culpa do autor dos mesmos.
A condenação criminal no nosso sistema legal resulta, em princípio, de uma avaliação e decisão do tribunal e não de qualquer negociação ou acordo entre o arguido e o Ministério Público. Contrariamente ao que, como é sabido, acontece no sistema judicial criminal norte-americano, onde menos de 5% dos processos chegam a julgamento, já que os restantes são objecto de acordos negociados e homologados pelos tribunais.
Sucede que o nossos tribunais estão empanturrados e os processo levam anos e anos a serem decididos. E, como é sabido, uma justiça tardia peca, muitas vezes, por ser injusta. Não seria melhor enveredarmos pela via negocial e passarem os arguidos e o Ministério Público a negociar as penas e os tribunais a homologar tais acordos?
As vantagens podiam ser muitas: levar os arguidos a adoptarem uma atitude colaborante com a justiça, assumindo a responsabilidade dos actos - ou de parte dos actos - que praticaram; evitar a segunda vitimização das vítimas, que não teriam de reviver os sofrimentos e angústias passados e, last but not the least, permitir um muito mais veloz andamento dos processos ao acabar-se com a sempre demorada produção de prova em julgamento.
Certo é que já houve alguns tribunais que decidiram avançar por esse caminho. Apoiando-se numa obra do professor Figueiredo Dias, numas disposições avulsas do nosso código do processo penal e em orientações a nível distrital do Ministério Público, alguns tribunais já começaram a homologar acordos estabelecidos entre os arguidos e o Ministério Público, aplicando as penas assim estabelecidas.
Um deles foi parar ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que se viu chamado a decidir um recurso em que o arguido não ficou satisfeito com a pena que lhe foi aplicada, apesar de negociada.
Constatou o STJ que no julgamento, previamente às declarações dos arguidos, o juiz-presidente aceitou a proposta do Ministério Público de os arguidos confessarem os factos de forma integral e sem reservas, "no âmbito de um acordo a consensualizar com o Ministério Público quanto às penas aplicáveis". De seguida, os arguidos prestaram declarações e confessaram de forma credível os factos, sendo prescindida a restante prova testemunhal da acusação e da defesa e, em seguida, proferida a sentença.
Para o STJ, no recurso em causa estava, não a justiça ou injustiça da condenação dos arguidos, mas sim a legalidade ou ilegalidade da sentença que homologara o acordo. Na verdade, não existe disposição legal que expressamente consagre este tipo de acordos e a opinião de um penalista, por mais eminente que seja, ainda não é lei.
É certo que na Orientação 1/2012 da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa se indicava aos respectivos magistrados que aferissem "a nível local, da receptividade à celebração de acordos sobre a sentença em matéria penal, com os senhores magistrados judiciais" e que "na hipótese de obtenção de reacção positiva" concebessem os "procedimentos indicativos a adoptar, sem prejuízo das adaptações que os casos concretos exigirão". A Procuradoria-Geral Distrital de Coimbra também tinha elaborado um memorando sobre a mesma matéria. Mas seria tudo isso suficiente para aceitar que os tribunais pudessem passar a homologar acordos penais?
Os juízes conselheiros Santos Cabral e Oliveira Mendes debruçaram-se sobre esta questão no seu acórdão do dia 10 do corrente mês e concluíram que tais acordos eram inaceitáveis ou, juridicamente nulos, face à realidade legal vigente.
Sublinharam, no entanto, que a questão que estavam a resolver não era a de saber se tal sistema negocial da sentença era bom ou mau, questão que cabe ao legislador decidir, mas tão somente se "aquela inovação tem, ou não, base legal".
Ora o facto de não haver uma lei, certa e segura sobre tal matéria, resultando a possibilidade de haver acordos ou não exclusivamente da "receptividade (...) dos senhores magistrados judiciais", faria da possibilidade de existência de acordos negociados "um epifenómeno" que iria existir ou não consoante a comarca, ou o distrito judicial onde decorresse o processo, "numa clara violação de princípios que informam o processo penal como o da legalidade ou a própria Constituição como o da igualdade". Para o STJ, dúvidas não houve, assim, quanto à nulidade da sentença pelo que mandou repetir o julgamento.
E fez muito bem porque não faz sentido que uma tal revolução no nosso direito criminal, em que se legisla por tudo e por nada, entre em vigor sub-repticiamente e "conforme a receptividade dos senhores magistrados judiciais" espalhados pelo nosso país.
Advogado. Escreve à sexta-feira ftmota@netcabo.pt

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