sexta-feira, 10 de maio de 2013

Advogados, pornografia e direitos de autor

FRANCISCO TEIXEIRA DA MOTA 

Público:10/05/2013 - 00:00
"Adopção por casais gays volta à AR, advogados defendem chumbo" era o título de uma notícia ontem do PÚBLICO. Na verdade, em 9 de Outubro de 2012, a Ordem dos Advogados, um prestigiado organismo corporativo, emitiu um parecer em que se afirma que os casais do mesmo sexo "não têm, seguramente (nem devem ter), direito a adoptar, porquanto esse pretenso direito colide frontalmente com o direito das crianças a serem adoptadas por uma família natural". São assim os advogados. Cheios de certezas e sabedorias, opinando sobre tudo, mesmo quando, seguramente, como diria qualquer advogado, não têm razão...
Mas a história desta semana não é sobre advogados e a adopção por casais do mesmo sexo. Ficará para outro dia. Desta vez, a história passa-se nos Estados Unidos da América e o tema são advogados e direitos de autor.
Os vilões desta história são um grupo de advogados que, por detrás de diversas empresas-fantasmas, sedeadas em paraísos fiscais, se dedicam, desde 2010, a, literalmente, saquear incautos internautas que descarregam ou tentam descarregar ilegalmente filmes pornográficos.
No passado dia 6 de Maio, o juiz Otis D. Wright do tribunal do Central District of California decidiu puni-los e expô-los publicamente, revelando-nos as subtilezas e potencialidades deste nicho do mercado jurídico.
Começa, assim, a decisão do juiz Wright:
"Os queixosos manipularam o sistema legal. Descobriram a conexão entre antiquadas leis de direitos de autor, um estigma social paralisante e os insuportáveis custos de um processo judicial. E exploram esta anomalia, acusando cidadãos de descarregarem ilegalmente um só filme pornográfico. Em seguida, oferecem-se para fazer um acordo - por um valor calculado um pouco abaixo do exorbitante custo de uma defesa criminal. Para os cidadãos, a resistência é inútil; preferem pagar a ver os seus nomes associados à descarga ilegal de pornografia. E, assim, as leis de direitos de autor, originalmente criadas para compensar artistas esfomeados, permitem a advogados esfomeados, nesta era de meios de comunicação digitais, pilhar os cidadãos".
O modus operandi deste grupo de advogados era - e ainda é - o seguinte: criaram empresas fictícias - Prenda Law, AF Holdings, Ingenuity 13 - com o único objectivo de instaurar processos por violação de direitos de autor. Para o efeito, adquiriram direitos sobre filmes pornográficos e passaram a vigiar a actividade de descarga (BitTorrent) dos filmes que lhes pertenciam, gravando as moradas IP. De seguida, dirigiam-se aos tribunais, pedindo que notificassem as empresas fornecedoras de acesso à Internet (ISP) para lhes fornecerem a identidade dos assinantes dessas moradas IP. E, na posse destes dados, escreviam-lhes cartas, ameaçando-os com um processo e apresentando uma proposta de acordo extrajudicial contra o pagamento de quatro mil dólares.
A grande maioria dos incautos internautas preferia o acordo à vergonha social e às inevitavelmente elevadas despesas judiciais, pelo que os advogados em causa receberam, desde 2010, milhões de dólares que foram directamente para as suas contas e não para as das empresas fictícias, não pagando quaisquer impostos. Quando as ameaças não eram suficientes e algum dos notificados resistia judicialmente - até porque o facto de ter sido utilizada uma dada morada IP não quer dizer que o utilizador da mesma tenha sido o seu subscritor -, os advogados rapidamente desistiam dos processos para não terem de revelar as suas identidades e a sua sistemática actuação de saque indiscriminado.
Mas, num caso em que um cidadão menos timorato decidiu resistir, caíram nas mãos do juiz Otis Wright, que decidiu investigar a sua actuação, apesar de, rapidamente, terem desistido do processo. O juiz, até porque descobrira que estavam a utilizar uma identidade falsa junto do tribunal, ordenou a comparência em tribunal de vários dos advogados envolvidos - Brett Gibbs, John Steele, Paul Hansmeier, Paul Duffy - para esclarecerem a sua actuação e das empresas em causa. Passara, então, a exercer as suas competências de apreciação das condutas impróprias de advogados em tribunal, uma vez que o processo terminara por desistência.
Os notificados compareceram, mas recusaram-se a responder às perguntas que lhes foram feitas, com base no direito a não se auto-incriminarem.
O juiz Otis D. Wright II não ficou parado: condenou-os a pagarem, a título de despesas, 81 mil dólares ao cidadão que tinham incomodado com o processo, participou dos advogados para fins disciplinares e criminais/fiscais e ordenou que lhes fossem comunicados todos os processos e tribunais em que advogados e empresas em causa litigavam, para transmitir aos juízes dos mesmos o que se estava a passar. Na verdade, a pouca-vergonha não estava na descarga ilegal de filmes pornográficos...
Advogado. Escreve à sexta-feira ftmota@netcabo.pt

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