segunda-feira, 6 de maio de 2013

Estado torna mais difícil acesso a pensão de alimentos para menores


PODER PATERNAL
Regras de atribuição mudaram. Tribunais estão a rever processos e a cortar apoio a famílias com rendimentos superiores a 419 euros
Ana Cristina Pereira
O corte alastra. Com a entrada em vigor do Orçamento do Estado de 2013, mudaram as regras de acesso ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, que substitui pais incapazes de pagar as pensões dos filhos.
Neste momento, quem tenta pela primeira vez aceder ao fundo espera meses. Andreia Sousa inscreveuse em Janeiro e já lhe disseram que esperará até Setembro.
Antes da nova lei, qualquer família com rendimento igual ou inferior ao salário mínimo nacional (485 euros) acedia a este fundo, criado em 2000. Desde Janeiro, o patamar passou a ser 419 euros. Ainda não se sabe quantas famílias vão deixar de ter acesso ao Fundo de Garantia com esta mudança. “Já cessámos muitos [processos] com base neste novo critério de atribuição”, diz Eurídice Gomes, procuradora coordenadora do Tribunal de Família e Menores do Porto. Os tribunais avaliam os casos uma vez por ano. “À medida que vamos avaliando, vamos retirando.”
Apesar de haver cada vez menos bebés a nascer em Portugal, o gasto público com o fundo de alimentos tem vindo a aumentar. Em 2010, o Estado gastou mais de 23 milhões de euros. No ano seguinte, 25,4 milhões. Em 2012, 25,8 milhões. Para este ano está orçamentada uma verba de 26 milhões.
O número de beneficiários não tem parado de subir. De 2010 para 2012, o país passou de 13.294 para 17.915 crianças apoiadas – a maior parte dos casos está na Região Norte (42%). De Janeiro a Março de 2013, os tribunais portugueses enviaram para a Segurança Social 1178 novos pedidos.
Andreia Sousa tem 33 anos, teve um filho aos 29 e outro aos 30. “Já passei fome. Os meus filhos não, mas eu já.” É ajudante de cozinha e está desempregada há um ano. Ganha 300,90 euros de subsídio de desemprego, paga 250 de renda de casa, uns 50 de água e electricidade. Vai ao supermercado com os 126 euros de abono. Em Agosto, quando o filho mais novo fizer três anos, passará a receber apenas 84. Compõe a despensa com um cabaz entregue pela Junta de Freguesia de Santo Ildefonso.
Baixa, muito magra, parece uma miúda. Foi a 24 de Janeiro à Segurança Social pedir socorro. Compreendeu que receberia a pensão em Fevereiro ou em Março. Em Abril, disseram-lhe que o Tribunal de Família e Menores do Porto já fixara uma pensão de alimentos de 159 euros. Mas que teria de esperar até Setembro pela transferência do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. “O dinheiro da pensão está a fazer tanta falta…”, suspira. O que lhe vale é que paga quase nada à instituição de cariz religioso que gere o infantário onde tem as crianças. “Já cheguei a comer uma bolacha para os ir levar e voltar para casa para me deitar, porque enquanto durmo não tenho fome.”
Tinha 26 anos quando conheceu o pai dos seus filhos. Divorciara-se havia pouco. Viu-o num concerto do Mickael Carreira e achou-o “tão bonito”. Nem desconfiou que tinha 17 anos. “Não me dá interesse ir à carteira de um homem ver a idade dele”, diz. Tiveram uma aventura. Foi para a Alemanha, para casa de familiares, disposta a recomeçar a vida. Percebeu que estava grávida. “Anda daí para cima, antes que o teu filho nasça”, disse-lhe. Só aí soube a sua idade.
Tudo aquilo era um tanto louco, mas controlável. De repente, nova gravidez. “Chorei tanto. O mais velho era tão pequenino.” Não deixara de ter o período, não sentira enjoos, não engordara. Regressaram a Portugal. Alugaram um quarto. Em vez de procurar trabalho, o rapaz passava horas a jogar PlayStation. Zangas. “Isto não é vida para nós!”, gritava-lhe. Um dia, viu-o com outra.
Ele está a fazer um curso de formação. E ela à procura de uma cozinha, que lhe permita sair a horas próprias para cuidar das crianças. “Isto é cá uma pressão. Quando acabar o subsídio de desemprego, o que faço?”
Público, 6-5-2013

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