quinta-feira, 20 de junho de 2013

JACKPOT DOS SUBSÍDIOS

Na Visão:
O Tribunal Constitucional impediu que os funcionários públicos e os pensionistas ficassem sem subsídio de férias em 2013, mas não determinou a data em que deveriam ser pagos. Agora, para cumprir as previsões orçamentais, o Governo quer adiar o pagamento para o final do ano. E, subitamente, o pior verão dos últimos 200 anos, como promete a meteorologia, ficou com menos cor ainda. Exceto para alguns «sortudos»...POR SÓNIA SAPAGE 
No ano em que a recessão foi agravada pelas más «condições meteorológicas», como disse o ministro das Finanças, o verão tarda em chegar. E com ele tardam também os subsídios de férias dos funcionários públicos e pensionistas, cujo pagamento integral o Governo quer adiar para novembro e dezembro. Com as novas regras à espera de promulgação, algumas autarquias e empresas públicas já prometeram abrir os cordões à bolsa, em tempo de veraneio, mas os descontos fiscais a aplicar poderão ser incorretamente calculados.
Retrato de uma decisão (e suas consequências) que, para o social-democrata Marcelo Rebelo de Sousa, é «um desastre político sem nome».
Dois meses e meio depois de o tribunal competente ter emitido um acórdão determinando a inconstitucionalidade da eliminação do subsídio de férias para trabalhadores do Estado e reformados, ainda não está em vigor a nova lei que determina o seu pagamento. Pelas regras antigas (as que vigoram), estas subvenções devem ser pagas em junho e julho, mas o Governo emitiu uma nota que enfureceu sindicatos, oposição e funcionários, dando indicações aos serviços públicos para reterem o dinheiro.
As novas regras, que aguardam o aval de Belém, determinam que só sejam pagos em junho (funcionários públicos) e julho (pensionistas) os subsídios de quem recebe até 600 euros. Os que ganham entre 600 e 1100 euros receberão em duas tranches: uma em junho ou julho e outra em novembro ou dezembro, consoante se trate de trabalhadores do Estado ou de reformados da CGA e da Segurança Social. A partir dos 1100 euros, o subsídio só'será pago, na íntegra, em novembro - aos aposentados serão entregues 10% em julho e 90% no final do ano.
Na última segunda-feira, 17, o líder parlamentar do PS, Carlos Zorrinho, propôs que todos os subsídios de férias fossem pagos até 15 de julho. «Não há nenhuma razão para que isso não seja feito», afirmou.
Um terço das autarquias paga jáNa verdade, e de acordo com um levantamento feito pela VISÃO, aproximadamente um terço das autarquias portuguesas (e ainda o Governo Regional dos Açores, a TAP e a Lusa), gozando de autonomia conferida lei, até já pagaram ou vão pagar, durante os meses de junho e julho, a totalidade dos subsídios de férias aos seus funcionários. Esta solução acabou por gerar dificuldades relacionadas com a determinação das taxas de IRS a aplicar, o que motivou várias notícias dando conta de que quem já recebeu as subvenções, terá o salário encurtado em julho.
Só a 7 de junho é que o Parlamento votou, favoravelmente, o diploma, adiando a reposição dos subsídios do verão para o final de 2013. E apenas na sexta-feira, dia 14, foi aprovada, por unanimidade, em comissão parlamentar a redação final da proposta de lei sobre o subsídio de férias. O texto deverá ter seguido, entretanto, para Belém, a fim de ser promulgado por Cavaco Silva.
Ao contrário do que tem sido dito, e ao que a VISÃO apurou, o Presidente tem agora 20 dias, e não dez, para decidir, o que pode atirar a publicação da lei em Diário da República para julho. «Sendo uma Lei da Assembleia da República o Presidente terá 20 dias para decidir», confirmou a Casa Civil.
Até lá, o Governo, que deu indicações para que os subsídios não fossem pagos, estará «fora da lei», acusa a esquerda. «É uma decisão de quem se habituou a incumprir a Constituição da República», lamentou José Abraão, vice-secretário-geral da Frente Sindical da Administração Pública (Fesap). O Sindicato Nacional da Polícia (Sinapol) emitiu um comunicado ainda mais duro, ameaçando pedir «juros de mora sobre os capitais em dívida», se houver atrasos no pagamento do subsídio de férias dos polícias.
Na ironia de José Adelino Maltez, politólogo, este é «um problema que não é de tática, mas de manha, típica daquilo a que se chama Governo de espertos, que coloca o verbo ao serviço da verba» e que «reduz a lei à mera ordem de um cretino, típico do administrativamente hierarquista, onde no vértice está o fmanceirismo». O professor universitário vai mais longe: «Traduz o início de uma fragmentação do sentido de serviço público e torna-se um perigo, porque pode justificar novas medidas no sentido da centralização, aproveitando o pretexto.»
Ponderado, o ex-ministro das Finanças Bagão Félix justifica que «o Governo apenas corre o risco de estar fora da lei se a lei aprovada no Parlamento não for promulgada e publicada até finais de junho (isto quanto a funcionários; quanto a reformados, o mês de pagamento é o de julho)».
Para este conselheiro de Paulo Portas - e também de Estado - a medida que o Governo quer concretizar de adiar o pagamento do subsídio de férias para o fim do outono é errada. «A medida é errada por várias razões: 1) cria um problema político desnecessário, até tendo em conta o facto de o Governo ter anunciado que tinha os recursos financeiros assegurados até ao fim do ano; 2) evidencia uma não disfarçada reação negativa ao acórdão do Tribunal Constitucional, ao repor o subsídio, mas não o seu timing (outra forma de se ver a questão da equidade face ao setor privado); 3) é mais uma pedra desnecessária na engrenagem da relação com os parceiros sociais; 4) é um erro macroeconómico, pois entregando mais tarde o dinheiro às famílias está a não aproveitar para estimular o consumo que, por sua vez, tem consequências no volume de emprego.» 
Elefante numa loja de porcelanasSobre as razões invocadas para a alteração das regras precisamente no mês em que deviam começar a ser pagos os subsídios (o secretário de Estado do Orçamento, Luís Morais Sarmento, disse que, se os pagamentos tivessem lugar agora, «estaríamos a pôr em risco os limites trimestrais do défice»), Bagão explica: «O pagamento em junho, julho ou dezembro é indiferente, do ponto de vista da execução orçamental em 31 de dezembro. Pode não o ser, no entanto, em termos de gestão de tesouraria, embora recorde que o Governo disse que tinha todas as necessidades de tesouraria para este ano já asseguradas.»
No último debate quinzenal, no Parlamento, Pedro Passos Coelho foi «apertado» pela esquerda e clarificou: «Não é uma questão de saber se existe dinheiro na caixa ou não existe dinheiro na caixa. É uma questão de saber se o Governo consegue cumprir uma previsão que tem.»
A justificação caiu mal na oposição, mas também no interior do CDS e do PSD. António Capucho classificou a decisão da equipa de Passos Coelho de «inexplicável». Manuela Ferreira Leite definiu-a como «mais uma agressão aos funcionários públicos».
Pires de Lima criticou Vítor Gaspar e sugeriu-lhe «que se pagasse o subsídio de férias aos funcionários públicos, nos meses em que eles vão de férias, ou seja, junho, julho e agosto». E Marques Mendes disse que o Governo «gere isto como um elefante numa loja de porcelanas». Que é como quem diz: aos pontapés.

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