domingo, 7 de julho de 2013

Cavaco Silva sem espaço

Com o desenrolar da crise política nos exactos moldes em que aconteceu, não há espaço político para Cavaco Silva fazer outra coisa que não seja aceitar a proposta que o primeiro-ministro lhe levou. Caso não a aceitasse, seria o Presidente a ficar responsável em exclusivo pela condução da crise e a assumir os riscos de soluções alternativas que viesse a encontrar. Ora, o Presidente não tem nem espaço, nem perfil, para o fazer.
A partir do momento em que recusou uma primeira proposta de Governo sem Paulo Portas e impôs condições, entre elas a de que os dois líderes dos dois partidos da coligação integrassem o executivo, Cavaco Silva passou a ser também co-responsável pela solução que lhe é apresentada agora. E é de acreditar que Passos Coelho ontem não tornaria público que Paulo Portas é vice-primeiro-ministro com pelouros específicos, se não tivesse já sinais institucionais positivos por parte da Presidência.
Cavaco, Passos e Portas estão juntos no mesmo barco. E a recusa desta solução seria vista como uma tentativa de humilhação do primeiro-ministro. Ora, não é sequer imaginável que Cavaco venha a assumir um comportamento desses, em nenhuma circunstância.
Por outro lado, Cavaco não é um político ousado, que corra riscos. Todo o seu percurso político mostra como é institucional, legalista, conservador. É também sabido que tem dito, em vários tons e em diversos registos, que considera que não é necessário eleições e que a maioria parlamentar tem legitimidade eleitoral para quatro anos. Tem--no feito desde a mensagem de Ano Novo. E tem argumentado peremptoriamente que os riscos para o país da antecipação de eleições são, na sua opinião, gravíssimos, pois precipitaria um segundo resgate financeiro.
Já quanto à hipótese de que o Presidente viesse a assumir o risco de nomear um governo de sua iniciativa, ela não existe sequer no quadro constitucional pós-revisão de 1982. Um governo em Portugal tem de emanar sempre de uma base de apoio parlamentar.
Mais. É perante o Parlamento que responde e é a este segundo órgão de soberania que vai buscar legitimidade. Assim, qualquer governo terá sempre de sair de um acordo feito pelos partidos na Assembleia, como o que existe hoje entre o PSD e o CDS.
É certo que o Presidente poderia promover uma tentativa de acordo alargado, ou seja, poderia procurar patrocinar um governo em que o PS estivesse presente, ainda que o secretário-geral, António José Seguro, não se sentasse no Conselho de Ministros e o executivo fosse integrado apenas por outros nomes do universo dos socialistas.
Mas Seguro foi já cristalino ao afirmar que o PS só fala sobre a constituição de governos depois de se realizarem eleições. E, tanto quanto se sabe, o líder do PS ainda não recorreu ao mesmo dicionário de português flutuante que tem sido usado pelo CDS: em que na mesma semana Portas disse que a sua saída era "irrevogável" e, depois, aceitou ficar, e em que o porta-voz do CDS, João Almeida, garantiu que "não há recuo".

Público, 7 de Julho de 2013

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