sábado, 13 de julho de 2013

O governo que Cavaco travou

Passos aceitou dar mais poder a Portas. Cavaco achou que era beneficiar o infrator. PSD concorda mas aceitou
ANGELA SILVA e FILIPE SANTOS COSTA
Ainda não foi desta que a remodelação profunda do Governo (rostos e orgânica), há muito reclamada dentro e fora da coligação, se tornou realidade.
Esteve quase. Passos chegou a acordo com Portas, levou o essencial das mudanças projetadas ao Presidente da República, mas as exigências adicionais de Cavaco (que achou CDS a mais) obrigaram-no a deixar o elenco em stand by.
Foi o Governo “velho” que ontem debateu, no Parlamento, o estado da nação. Mas a remodelação profunda, se o Governo aguentar o embate presidencial, pode seguir dentro de momentos.
Dar mais força ao CDS (que se queixava de ser “dispensável”) sem tirar força ao PSD é a matriz desenhada pelos líderes dos dois partidos, mas que deixou muitos sociais-democratas de pé atrás. Primeira conclusão: perdem os independentes, com as saídas de Vítor Gaspar e Álvaro Santos Pereira, o eterno remodelável.
Em número de ministros, o equilíbrio de forças dentro da coligação mantinha-se, no desenho de remodelação que Cavaco travou. O PSD ganhava mais dois ministros, com a entrada de Jorge Moreira da Silva, o ns 2 do partido, que somaria a Maria Luís Albuquerque, a nova ministra das Finanças.
E o CDS ganhava um ministro, com a entrada de António Pires de Lima.
Mas, em influência, o CDS crescia a olhos vistos, com a ascensão de Paulo Portas a vice-primeiro-ministro. Passos já tinha proposto este cargo ao líder do CDS, quando começaram a conversar sobre a substituição de Gaspar (antes do turbilhão das últimas duas semanas), mas Portas começou por recusar, por achar que era um título vazio caso não tivesse mais poder na definição das políticas. Para responder à demissão do MNE e segurar as pontas do Governo, Passos juntou a esse cargo a coordenação das pastas económicas, as relações com a troika e a reforma do Estado.
A promoção de Portas foi a única mudança assumida por Passos no final da reunião conjunta PSD/CDS, no sábado passado, que selou o compromisso entre os dois partidos para uma solução de Governo durável até ao fim da legislatura e com listas conjuntas pelo meio para as eleições europeias.
Uma reunião que limou as arestas do acordo, mas que decorreu num clima tenso — no início do encontro, Passos assumiu que ainda iria “demorar bastante tempo” para “passar o efeito desta crise que nos afetou a todos”.
PSD torce o nariz
Feito o acordo, o PSD reagiu com mixed feelings ao reforço de poder de Portas. Por um lado, torceram o nariz por o líder do CDS ficar com a Economia num novo ciclo em que esta pasta devia concorrer em pé de igualdade com as Finanças e começar a ter algumas boas notícias para dar. Por outro, o facto de isso implicar um maior envolvimento de Portas nas tarefas centrais da governação — com muitas ‘batatas quentes’ — agradou aos sociais-democratas, que há muito se queixavam por ver o líder do CDS ‘à solta’.
Inaceitável para o PSD seria a ascensão de Pires de Lima a ministro de Estado, quando Portas subia a vice-primeiro-ministro, cenário que os sociais-democratas consideraram “distorcer” a relação de forças entre os dois partidos. Passos, garantiu ao Expresso fonte próxima, nunca admitiu ir por aí e Pires de Lima, garante fonte próxima, nunca fez disso uma questão.
Moedas e Maduro “à coca”
Perante o reforço dos poderes do CDS, Passos tratou de acautelar equilíbrios. Embora a relação com a troika passasse a ser coordenada por Portas, Carlos Moedas, o secretário de Estado adjunto do PM que preside à Esame (estrutura encarregada de acompanhar o resgate), ficaria onde está —, ao lado de Passos. Por outro lado, o controlo que Portas e Pires de Lima passariam a ter sobre a Economia ia obrigá-los a concertarem-se com Poiares Maduro, a quem Passos entregou a programação dos fundos do QREN, um pilar financeiro vital para reanimar a atividade económica.
Na orgânica do Governo, Passos e Portas acertaram acabar com os dois megaministérios — Agricultura/Ambiente e Economia —, para os tornar geríveis.
A separação das pastas congregadas nas mãos de Assunção Cristas separaria a Agricultura do Ambiente, que passaria a ter a Energia (um modelo que sempre foi defendido por Jorge Moreira da Silva). E a Economia perderia o Emprego para a Segurança Social.
A DANÇA DAS PASTAS
Passos Coelho Pergunta recorrente nos comentários à remodelação que acabou por não o ser (até agora…) foi que papel terá o PM num Governo em que Portas sai tão reforçado. Passos vai ser, explicam, “um PM normal”. O Governo pequeno que escolheu fazer, inicialmente sem ministro da Presidência nem vice-primeiro-ministro, obrigou-o a coordenar todas as pastas. Agora, com Maduro na coordenação política e Portas na económica, Passos liberta-se para a verdadeira tarefa de PM: pensar o todo e fazer política.
Paulo Portas Seria o grande vencedor da remodelação, em poder, pelo menos. Passos reconhece-o, finalmente, como n.º 2 do Governo e dá-lhe o acompanhamento das pastas centrais no resto da legislatura.
Interlocutor da troika, com poder ‘reforçado na reforma do Estado (antes, só tinha a tarefa de escrever o guião), central nas políticas económicas (podendo organizar e dirigir Conselhos de Ministros sectoriais, rodeado dos ministros do CDS). Moeda de troca: acabaram-se as desculpas. Para o bem e para o mal Portas fica no epicentro da torre de controlo.
Maria Luís Albuquerque Esteve na origem da ira de Portas quando Passos a escolheu para substituir Gaspar e, à primeira oportunidade, mostrou ter mais faro político do que alguns lhe reconhecem. Na ida a Bruxelas, explicou que vai trabalhar com Portas “lado a lado”.
O CDS desdramatizou e achou “óbvio”. Os aplausos do Eurogrupo e do BCE à sua entrada em cena confirmam: simboliza a continuidade que os credores desejam. Passos dá-lhe apoio.
António Pires de Lima Com dois anos de atraso, Passos aceita dar a Economia ao CDS e ao ministeriável que meio mundo dizia ser a pessoa certa para lugar. O presidente da Unicer aceitou abdicar da Energia e do Trabalho, mas quer linha direta com o investimento estrangeiro – ou seja, no novo desenho, a AICEP é central para a Economia e não ficará nos Negócios Estrangeiros, para onde Portas arrastou a agência. Resta saber se voltaria para a tutela da Economia ou permaneceria na mão de Portas. Mas se Cavaco mantiver o Executivo a prazo por um ano dificilmente Pires de Lima se mantém disponível. Em tão poucos meses não há milagres.
Jorge Moreira da Silva Foi convidado por Passos para o arranque do Governo e desconvidado por causa dos equilíbrios com o CDS. Agora, com o Ambiente separado da Agricultura, viria para a sua pasta natural, acumulando a Energia, como sempre defendeu.
Nuno Brito Passos e Portas prefeririam dar o MNE a um diplomata de carreira e Nuno Brito, embaixador em Washington e ex-colaborador de Durão Barroso, foi um nome sobre a mesa. Passos não o terá chegado a convidar e houve lóbis a mover-se contra ele. Mas ainda pode vir.
Assunção Cristas Perdia meio megaministério (o Ambiente) mas ficava com a metade de que sempre gostou (a Agricultura). Há uns meses não aceitou esta versão e essa intransigência pode ter inviabilizado uma remodelação maior mais cedo. Mas agora, com o Governo em risco e tendo em conta os ganhos acumulados pelo CDS, não fez questão.
Pedro Mota Soares Continua na Segurança Social, mas com mais poderes. Fica com a tutela do Emprego, o que acaba por consagrar o papel que já desempenhava na concertação social, onde foi muitas vezes o bombeiro de serviço.

Expresso, 13 Julho 2013

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