domingo, 4 de agosto de 2013

Cavaco deve mandar leis para o Constitucional

Governo coloca Tribunal Constitucional no topo das preocupações. Leis polémicas do Governo vão parar ao TC. Pela mão de Cavaco ou da oposição
Passos Coelho está a partir deste fim de semana a banhos, mas na lista de preocupações da maioria, como confirmou um alto responsável ao Expresso, uma está desde já à cabeça: o Tribunal Constitucional (TC). A razão imediata são os dois diplomas que acabam de ser aprovados na AR, como parte do pacote da “reforma do Estado”: o novo regime de requalificação da função pública e o aumento do horário de trabalho para 40 horas.
Após as férias, virão os mais complexos, como a convergência de pensões entre o sector público e privado, que vai levar, na prática, ao corte das atuais pensões. O texto será apresentado em setembro.
Na próxima semana, chegarão a Belém os dois primeiros, e vão ser olhados com todo o cuidado pela Presidência. Havendo “fundadas dúvidas de constitucionalidade”, irão mesmo ser levados ao TC, sabe o Expresso. E há algumas, segundo o parecer dos constitucionalistas. A questão não é meramente jurídica, mas eminentemente política.
Na sua última comunicação ao país, Cavaco disse não “abdicar de nenhuma das suas competências constitucionais”. No mesmo discurso, aliás, sublinhou que a conclusão “com êxito” do programa de ajustamento “implica, desde logo, a aprovação e entrada em vigor do Orçamento do Estado em janeiro de 2014″. O mesmo é dizer que não haverá pedido de fiscalização preventiva.
Cavaco conhece a estratégia do Executivo, que separou os diplomas mais polémicos do OE para 2014, precisamente para evitar que o documento possa voltar a ser “dinamitado” pelo TC. Além disso, o regime da mobilidade, para produzir efeitos úteis para o Orçamento de 2014, terá que entrar em vigor já a l de outubro.
Depois do chumbo do OE-2012 e, novamente, do Orçamento deste ano, o Executivo sofreu um abalo, incluindo do ponto de vista externo, com os pedidos de explicação da troika. Mas leis como as que acabam de ser aprovadas têm mesmo paragem garantida no Palácio Ratton. Se não for pela mão do Presidente, será pela do PS. O líder parlamentar Carlos Zorrinho anunciou isso mesmo ao dizer que “o PS utilizará todos os meios políticos e constitucionais ao seu alcance para que estas leis não sejam aplicadas”. Segundo disse ao Expresso, a Lei Fundamental “não pode ser atropelada pela política de consolidação” e as medidas “não decorrem da reforma do Estado, mas da exigência dos cortes”.
Ambos os diplomas estão na chamada “fronteira da constitucionalidade”. À partida, constitucionalistas como Jorge Miranda consideram que o aumento do horário de trabalho para as 40 horas na função pública nada tem de inconstitucional, tanto mais que já existe no privado.
Outros juristas pensam todavia que, aqui, vale a proteção do direito à retribuição do trabalho e à justa remuneração.
Se, pelo mesmo salário, o trabalhador passa a trabalhar mais, significa uma desvalorização dessa remuneração. “Há uma alteração definitiva e permanente da relação laborai com impacto direto no valor do custo do trabalho”, diz Pedro Delgado Alves, da Faculdade de Direito (e do PS). O mais complexo dos textos é todavia o da mobilidade, ou requalificação, nomeadamente se não for acautelado o facto de se poder traduzir num despedimento sem justa causa. Se o trabalhador que for “requalificado” acabar por não ter lugar, esse período pode ser equiparado a um despedimento.
Por outro lado, argumenta o Governo, se forem dadas garantias suficientes de que o sistema é justo, não persegue pessoas e é equitativo, não há nenhuma razão para ser considerado inconstitucional. Diferente será o diploma sobre a convergência das pensões, onde está previsto o corte das atuais pensões. Para evitar precisamente a violação do princípio da confiança, o Governo está a estudar vários mecanismos para mitigar os riscos constitucionais.
A ideia é que pensões abaixo dos €600 não sejam tocadas, reduzir os cortes à medida que a idade avança e indexá-las ao crescimento económico, uma vez atingido o equilíbrio orçamental, de tal maneira que os reformados possam vir a recuperar as suas pensões. A medida é feita a pensar no argumento da transitoriedade que justificou até agora a validação desses cortes pelo TC, mas nada garante que, no futuro, assim seja visto também.
LUÍSA MEIRELES

Expresso, 3 Agosto 2013

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