sábado, 3 de agosto de 2013

Deputados e ministros ameaçam demitir-se em apoio a Berlusconi



Berlusconi mantém o apoio do seu partido

Silvio Berlusconi já regressou das cinzas demasiadas vezes para aceitar a morte política, por mais certa que esta seja. Um dia depois de o Supremo Tribunal italiano ter confirmado a sua condenação a um ano de prisão por fraude fiscal — o que o impede de se candidatar a eleições durante seis anos —, o empresário-político foi ovacionado pelos grupos parlamentares do seu Povo da Liberdade. Num encontro repleto de declarações dramáticas, ministros e deputados do partido ameaçaram demitir-se se o Presidente não perdoar o seu líder.
A tese é a mesma de há 20 anos: Berlusconi é um mártir alvo de uma perseguição sem tréguas dos juízes. “Esta condenação é destituída de qualquer fundamento e vai privar-me da minha liberdade e dos meus direitos políticos”, disse o três vezes primeiro-ministro de Itália, na sua primeira reacção à sentença.
“Devemos continuar a combater, a fazer política, para realizar todas as reformas necessárias, em primeiro lugar a da Justiça”, prometeu o actual senador. Depois, como esperado, convocou as tropas para lhe jurarem lealdade. Ao final do dia, em Roma, repetiu a exigência da reforma da Justiça. Caso contrário, disse, “estamos prontos a ir a eleições”.
Em seguida, “numa atmosfera surreal”, descreve o Corriere della Sera, “deputados e senadores do PdL entregaram as suas demissões aos chefes das bancadas parlamentares, Renato Brunetta e Renato Schifani”. Ambos anunciaram que levarão as demissões ao Presidente, Giorgio Napolitano, já na segunda-feira, para lhe pedir “que seja restaurada a democracia, posta em causa nesta sentença”. Brunetta e Schifani vão pedir ainda o perdão presidencial para Berlusconi. “Se o nosso pedido não tiver resposta positiva, todos sabemos o que haverá a fazer: defender a democracia e do nosso país”.
“Os ministros do PdL estão prontos a demitir-se do Governo”, precisou o secretário-geral do partido, Angelino Alfano, que é também ministro da Justiça e vice-primeiro-ministro.
“Relançaremos o Força Itália”, já dissera Berlusconi na primeira reacção, referindo-se ao seu primeiro partido. O formato da declaração, transmitida através de um dos seus canais de televisão, foi aliás o mesmo que usou há 20 anos, quando anunciou a sua entrada na política.
Factos e consequências
Com todas as incógnitas que a condenação judicial abre na política italiana, a única certeza, tinham dito logo na quinta-feira à noite alguns dos seus próximos, é que Berlusconi permanece como líder indiscutível do maior partido da direita, o PdL, membro do Governo de coligação liderado por Enrico Letta, do Partido Democrático. Entre as ameaças proferidas nesta sexta-feira é cedo para perceber quais poderão ser concretizadas.
Berlusconi especializou-se em desafiar a realidade. Não desiste. Ignorar factos tornou-se ainda mais necessário, agora que os factos são cada vez mais duros.
Facto: Berlusconi não vai poder candidatar-se a cargos políticos até completar 83 anos (faz 77 em Setembro). Depois de 23 anos de batalhas jurídicas, com mais amnistias e prescrições de delitos do que absolvições, a condenação do Supremo é mesmo definitiva — o procurador de Milão já assinou a execução da sentença e Berlusconi tem até 16 de Outubro para decidir se cumpre serviço público ou se permanece em prisão domiciliária durante a pena. Se dúvidas houvesse, já teve de enfrentar a primeira consequência prática, ao ficar sem passaporte.
Facto: o Supremo decidiu reenviar para um tribunal de Milão a decisão sobre a interdição de exercer cargos públicos durante cinco anos a que o político tinha sido condenado. Mas mesmo que a justiça ainda anule essa condenação, o Senado poderá entretanto expulsá-lo. A lei obriga o Parlamento a pronunciar-se sempre que um dos seus membros é condenado. A questão será primeiro debatida na Comissão de Ética e Eleições da câmara alta, onde a oposição (Movimento 5 Estrelas, de Beppe Grillo, e Esquerda, Ecologia e Liberdade, de Nichi Vendolla) está em maioria.
Berlusconi e o PdL não são os únicos a tentar ignorar factos por estes dias. Letta é primeiro-ministro há três meses e já teve de dizer várias vezes que o destino do seu Governo não depende dos problemas de Berlusconi com a Justiça. Mas nem todos no seu PD concordam. Afinal, o partido que começou por recusar coligar-se com o PdL depois das eleições de Fevereiro admite agora manter-se no poder aliado a um partido que tem como líder um homem condenado por ter enganado o fisco quando era chefe do Governo.
Público on line, 2 de Agosto de 2013

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