quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Procuradores ignoram meta dos julgamentos-relâmpago

Lisboa. Distrito judicial publicou balanço da atividade das doze comarcas, atendendo às metas definidas. Oeiras, Loures, Caldas da Rainha e Cascais cumpriram maioria dos objetivos mas Vila Franca de Xira, Barreiro e Sintra ficaram aquém das expectativas. Maioria dos procuradores concluíram mais processos do que os previstos para 2012

FILIPA AMBRÓSIO DE SOUSA

Dos 12 círculos judiciais do Ministério Público (MP) de Lisboa avaliados, metade não cumpriu a orientação definida pela Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL) de aplicar em 60% das acusações um mecanismo de simplificação processual que demora, em média, três meses. Ou seja: processo sumário, abreviado, arquivamento com dispensa de pena, suspensão provisória do processo ou sumaríssimo. No total, seis não conseguiram simplificar os inquéritos. Piores classificados são os círculos judiciais de Vila Franca de Xira, Barreiro e Torres Vedras.

Estes são os resultados tomados públicos pela PGDL- relativos a 2012 e ao primeiro semestre deste ano - depois de o Ministério Público de Lisboa ter definido um conjunto de metas para os procuradores cumprirem em cada ano. Metas essas assentes em três pontos: concluir rapidamente os inquéritos com mais de três anos, aplicar uma das formas simplificadas de processo em 60% das acusações e concluir um número predefinido de processos, que depende de tribunal para tribunal.

Este método começou no distrito judicial de Lisboa - que abarca quase 40% do território judicial masdesde o início do ano que já está a ser implementado em todo o País, segundo o que adiantou a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, em declarações ao DN (ver entrevista ao lado).

"Todas as procuradorias-gerais distritais de Coimbra, Évora, Lisboa e Porto, no início do ano, procederam à definição de objetivos e metas para a atividade do Ministério Público, ainda que o tenham efetuado de formas diferenciadas, designadamente quanto à sua publicitação", explica a PGR.

O DN tentou obter alguns resultados desta "avaliação" feita em Porto, Coimbra e Évora, mas sem sucesso. Fora da avaliação da PGDL ficou o DIAP de Lisboa, liderado por Maria José Morgado, já que nos últimos três anos tem registado sempre um saldo positivo entre os inquéritos entrados e os concluídos.

Apesar da falta de abertura de alguns procuradores em aplicarem as formas simplificadas de processo, o balanço feito por Francisca van Dunnem, face às restantes metas, é positivo. Basta ver que apenas a comarca de Vila Franca de Xira, Grande Lisboa Noroeste - mais à custa de Sintra - e Angra do Heroísmo não cumpriram a meta de processos concluídos. As restantes chegaram mesmo a ultrapassar em larga escala o pedido. Veja-se o caso de Loures e de Almada (ver infografia ao lado). No caso da recuperação de processos antigos - que se encontravam a "marinar" há três anos ou mais em cada tribunal -, os procuradores responderam também de forma positiva. À excecão de Vila Franca de Xira, Lourinhã, Loures e Porto Santo, na Madeira, Bombarral, Montijo, Sesimbra e Angra do Heroísmo.

"Esta contratualização tem funcionado como instrumento de mudança de cultura e atitude que estão a introduzir alterações substanciais no MP", explica fonte da PGDL, que garante que não existe nenhuma "comarca problemática". Apenas há, "no que se refere aos simplificados, casos que demoram mais a reagir e a quebrar rotinas instaladas". Porém, nos casos em que os objetivos não sejam atingidos, nenhuma sanção será aplicada ao procurador. Será apenas feita uma análise por parte do MP para perceber as causas. Inquéritos pendentes são cada vez menos desde 2009 estatísticas À data de 31 de dezembro, o Ministério Público tinha menos 32 mil investigações a decorrer, comparando com 2009 Os números não enganam. Desde 2009 e até ao final do ano passado, os inquéritos a decorrer nos serviços do Ministério Público (MP) baixaram em mais de 30 mil processos. Ou seja: de 242 375 pendentes em 2009 passaram a ser 209 958, até ao último dia de dezembro de 2012. E desde há três anos que a tendência tem sido essa. De ano para ano, o MP regista menos 10 mil investigações à espera de acusação ou arquivamento. Segundo o que explicou um procurador do Distrito Judicial de Lisboa, contactado pelo DN, "é uma realidade objetiva que no quadro dos inquéritos criminais o Ministério Público tem vindo sistematicamente a diminuir as pendências e a ganhar celeridade na investigação e decisão dos respetivos inquéritos".

Veja-se que o Ministério Público do Distrito Judicial de Lisboa conseguiu, em média, terminar os processos em três meses e quatro dias. Dando cumprimento ao "prazo razoável" que impõe o art.° 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

No caso da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, no final de 1996, estavam pendentes 153 637 inquéritos e, no ano passado, 70 188, o que representa uma diminuição de pendências de mais de metade. (54,3%). Porém, face aos processos decididos - com acusação ou arquivamento -, o ano passado já registou o número de 571 mil inquéritos, mais abaixo do que o do ano anterior, em 2011 (577 mil casos). Questionada pelo DN, a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, adianta que "esta redução não tem qualquer relação com o programa da troika, tanto mais que já há alguns anos se vem ensaiando, em algumas estruturas do MP, procedimentos planificadores da atividade a desenvolver", conclui.

"Metas são essenciais a uma boa governação"

- É intenção da PGR alargar estas metas para além de Lisboa e do Porto?

- Todas as Procuradorias-Gerais Distritais (Coimbra, Évora, Lisboa e Porto), no início do ano, procederam à definição de metas para a atividade do Ministério Público, ainda que o tenham efetuado de formas diferenciadas, designadamente quanto à sua publicitação. A definição de metas constitui um dos instrumentos de gestão essencial à boa governação de qualquer organização, revelando-se simultaneamente como um dos elementos que em muito pode contribuir para a transparência da ação que deve nortear qualquer instituição pública na necessária prestação de contas à comunidade e ao cidadão.

- É necessária esta monitorização, de forma a cumprir os objetivos definidos pela troika?

- A PGR tem vindo a preparar vários instrumentos de reorganização interna e de uniformização de procedimentos e de boas práticas. Não existindo, pois, qualquer relação" com o "programa da troíka', tanto mais que já desde alguns anos se vêm ensaiando procedimentos planificadores da atividade a desenvolver.

O êxito na redução dos processos pendentes pode passar por aplicar aos magistrados objetivos anuais de resolução de processos, sem prejudicar a autonomia dos magistrados? A autonomia de cada um dos magistrados no âmbito do exercício individualizado das respetivas competências e funções processuais não é, não pode nem deve ser determinada ou prejudicada por qualquer meta ou objetivo predefinido.

Jornal de Negócios, 1 de Agosto de 2013

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